Discurso no Senado Federal

CRITICAS A DECISÃO DOS LIDERES GOVERNISTAS EM ESVAZIAR A REUNIÃO DA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS DO SENADO FEDERAL, REALIZADA ONTEM, OCASIÃO EM QUE SERIA VOTADO O REQUERIMENTO DE CONVITE A GOVERNADORES PARA ESCLARECIMENTOS SOBRE O ENDIVIDAMENTO DOS ESTADOS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • CRITICAS A DECISÃO DOS LIDERES GOVERNISTAS EM ESVAZIAR A REUNIÃO DA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS DO SENADO FEDERAL, REALIZADA ONTEM, OCASIÃO EM QUE SERIA VOTADO O REQUERIMENTO DE CONVITE A GOVERNADORES PARA ESCLARECIMENTOS SOBRE O ENDIVIDAMENTO DOS ESTADOS.
Aparteantes
Francelino Pereira, Hugo Napoleão.
Publicação
Publicação no DSF de 15/01/1999 - Página 1502
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • CRITICA, PARTIDO POLITICO, APOIO, GOVERNO, MOBILIZAÇÃO, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, OBTENÇÃO, QUORUM, AMBITO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, VOTAÇÃO, PARECER, AUTORIA, ORADOR, JEFFERSON PERES, SENADOR, CONVITE, GOVERNADOR, COMPARECIMENTO, SENADO, DISCUSSÃO, NEGOCIAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, DIVIDA MOBILIARIA, ESTADOS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o episódio que acaba de acontecer torna inteiramente claro o que houve no dia de ontem na Comissão de Assuntos Econômicos. O que os jornais hoje relatam denota, com o complemento do que acaba de ocorrer, a forma como o Senado Federal acabou se diminuindo quando as Lideranças do PFL, do PSDB e dos demais Partidos que apóiam o Governo orientaram os Srs. Senadores a, se possível, não comparecerem à reunião da Comissão de Assuntos Econômicos que seria realizada ontem. Se obtido quorum, a orientação era a de que votassem contrariamente ao requerimento de convite aos Governadores para discutirem a questão econômica.  

Hoje, observa-se que a própria base de apoio ao Governo resolve deixar de realizar a reunião da Comissão de Assuntos Econômicos, novamente para evitar a apreciação de um requerimento de convite aos Governadores e ao Ministro da Fazenda para se discutir a gravíssima situação econômica que vive o País. Dessa forma, o que está fazendo o Senado? Está negando a sua própria existência, a sua responsabilidade e funcionalidade. Mais do que isso, o que se verificou foi que os Senadores da base governamental demonstraram o receio de ouvir o Governador Itamar Franco, o receio de ouvir uma pessoa que foi Senador por dois mandatos nesta Casa e que soube honrar o seu mandato; uma pessoa que foi Presidente da República, que designou Fernando Henrique Cardoso para ser seu Ministro da Fazenda, e que foi o principal responsável - ele, o Presidente Itamar Franco - pelo Plano Real.  

Não compreendo tal situação. Não compreendo por que Senadores do PFL, do PSDB e de outros Partidos da base governamental estão com receio de ouvir o que tem a dizer o Governador Itamar Franco.  

Na próxima segunda-feira, em Belo Horizonte, haverá a reunião dos Governadores de Oposição, a convite do Governador Itamar Franco. Alguns Senadores, inclusive eu próprio, foram convidados a estar presentes naquela reunião. Estarei lá. Mas lamento que, aqui, os Senadores resolveram não ouvir os Governadores e, assim, não contribuir para que o Senado Federal desempenhe o seu papel de servir como catalisador de um possível entendimento que se faz necessário entre os Governadores e a Presidência da República.  

Basta assinalar que, em São Luís do Maranhão, a Governadora Roseane Sarney reuniu os Governadores que apóiam o Presidente Fernando Henrique Cardoso em suas diretrizes e, ainda que discordando da atitude e da iniciativa de Itamar Franco de dizer que não poderia, por 90 dias, fazer frente aos pagamentos junto ao Governo Federal, os Governadores também afirmaram que se faz necessária a renegociação dos termos da dívida.  

O Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Concedo o aparte a V. Exª com muita honra.  

Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - Muito obrigado, nobre Líder e Senador Eduardo Suplicy. Estou ouvindo as considerações de V. Exª e entendo os sentimentos que movem a ação que vem empreendendo. Não quero entrar no mérito de toda essa crise tão desagradável para o País, que estamos acompanhando com tristeza. Não lhe nego absolutamente o direito de ter querido ouvir Governadores através da Comissão de Assuntos Econômicos, embora considere, pessoalmente, que seja do foro de cada Estado decidir diretamente seus assuntos econômicos e financeiros junto ao Governo Federal. Mas quero dizer, no momento em que V. Exª afirma que Senadores de vários Partidos, dentre os quais o PFL, meu Partido, votaram contra, que eu, em nenhum momento...  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Senador Hugo Napoleão, perdoe-me por interrompê-lo. Gostaria de colocar nos termos devidos.  

O Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - Por favor, Senador Eduardo Suplicy.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Para se evitar a apreciação do requerimento, em primeiro lugar, os Senadores do PFL foram instruídos por sua Liderança a não comparecerem à Comissão de Assuntos Econômicos; caso houvesse quorum, os Senadores foram orientados a votar contrariamente à matéria. Mas não houve a votação, até porque, no instante em que consegui chegar à Comissão de Assuntos Econômicos com mais dois Senadores, conseguindo, dessa forma, garantir o quorum para a votação da matéria, o Presidente Antonio Carlos Magalhães, de forma muito coordenada, alegando que já havia prorrogado os trabalhos por 23 minutos, iniciou a Ordem do Dia e transmitiu ao Presidente Pedro Piva que não deveria haver quorum. 

Basta uma leitura atenta das diversas reportagens de hoje para se verificar que os jornalistas expressaram o que ouviram nos corredores do Senado Federal, quando as Lideranças do PFL e do PSDB se manifestaram. O próprio Senador Pedro Piva orientou o Senador Gerson Camata - os jornalistas que estavam ao lado puderam ouvir isso - para, se possível, não comparecer à reunião; se comparecesse, para votar contrariamente ao requerimento. O que aconteceu foi isso.  

Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - Bem, eu queria apenas adequar o que eu estava dizendo ao que V. Exª está afirmando: numa primeira etapa, a Liderança do PFL teria sugerido que os Senadores se abstivessem de comparecer; e, numa segunda etapa, se tivesse que ser submetido a voto o requerimento, votassem contra. Então pronto. Adequei àquilo que V. Exª estava realmente dizendo. Quero dizer-lhe agora, como Líder do PFL, que eu, pessoalmente, em momento nenhum, dirigi-me a qualquer dos Senadores - e tenho um deles ao meu lado, o eminente Senador Bello Parga, do PFL do Maranhão e da Comissão de Assuntos Econômicos, que pode atestar, sugerindo isto ou aquilo. E até devo dizer a V. Exª que, indagado por jornalistas na tribuna da imprensa, há dois dias, considerei que, como estou dizendo, embora avalie que cada Estado federado deva dirigir-se à União para tratativas desse gênero, em nada eu via empecilho para que a Comissão de Assuntos Econômicos viesse a analisar o fato. Estou falando quanto a mim. Pessoalmente, quero lhe dar o testemunho de que não fiz essa recomendação a nenhum dos colegas de Partido na CAE.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Compreendo perfeitamente a posição de V. Exª, que, tendo chegado ao Senado Federal no dia 12, delegou, como normalmente faz um bom Líder, o que é de sua competência ao Senador Edison Lobão. Inclusive, se V. Exª quiser saber os detalhes...  

Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - Não, não deleguei poderes, mas S. Exª os tem para, na minha ausência, como é o Primeiro Vice-Líder, ipso facto assumir a Liderança. Então ratifico todos os atos praticados pelo Senador Edison Lobão na minha eventual ausência.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - O Senador Edison Lobão tomou essa iniciativa de orientação e dela não fez qualquer segredo. Inclusive houve Senadores do PFL ...  

O Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - Mas isso foi nesta semana. Eu já estava aqui.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - V. Exª estava ontem, e o Senador Edison Lobão, ontem mesmo, deu a orientação aos Senadores.  

Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - Mas não passei essa orientação a S. Exª. Naturalmente, deve ter sido porque, eventualmente, eu me encontrava fora da Casa. Quando estou em tratativas diversas fora da Casa, também S. Exª, automaticamente, assume a Liderança. Quero dizer que, pessoalmente, não transmiti a nenhum dos companheiros essa orientação. Evidentemente que, se o Senador Edison Lobão o fez, como V. Exª está dizendo, não vou desfazer aquilo que S. Exª., como Líder eventual em exercício, tenha deliberado.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Sim. Ficou mais estampado e esclarecido, hoje, que a base governamental preferiu não fazer a reunião da Comissão de Assuntos Econômicos para examinar a matéria que acabamos de votar, com a finalidade de não apreciar o requerimento de convite aos Governadores. Ficou reafirmada a atitude ontem havida.  

É essa atitude que lamento, e externo, aqui, o meu sentimento. Os Senadores desta Casa deveriam ouvir um ex-Senador, um ex-Presidente, um Governador de Estado, enfim, uma pessoa que tomou decisões da maior relevância, que tiveram e terão implicações de enorme importância para a economia nacional, porque é muito provável que o Governo Federal se veja na iminência de estar realizando novos entendimentos com as instituições multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, o BID e assim por diante. Os termos que foram acordados muito provavelmente terão que ser renegociados, da mesma maneira que os Governadores de Estado estão solicitando que sejam renegociados os seus compromissos com o Governo Federal. Qual o lugar mais adequado e próprio do que o Senado Federal para isso? Se o Governador Itamar Franco teve o descortino de ser o primeiro a dizer da necessidade da suspensão dos pagamentos, porque era inviável, com os recursos que tinha, realizá-los todos, mais adequado ainda seria se ele fosse um dos primeiros a serem ouvidos. Essa era a nossa sugestão.  

Reafirmo que o Senado Federal, ao deixar de querer ouvir o Governador Itamar Franco, está abrindo mão de uma das nossas maiores prerrogativas e responsabilidades. Muito democraticamente, quero afirmar isso.  

O Sr. Francelino Pereira (PFL-MG) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Concedo o aparte ao nobre Senador Francelino Pereira.  

O Sr. Francelino Pereira (PFL/MG) - Meu caro Senador Eduardo Suplicy, espero que V. Exª tenha respeito em relação ao seu Colega, porque eu o respeito.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Registro que V. Exª esteve presente na Comissão de Assuntos Econômicos. O Senador Jonas Pinheiro, depois de ter acordado que iria, perguntou ao Senador Edison Lobão, Líder em exercício então, se deveria ir ou não. Diante da recomendação do Líder, ontem pela manhã, aqui mesmo no plenário - pude testemunhar -, avaliou que talvez não devesse ir. Então V. Exª teve toda a altivez. Inclusive, sendo Senador pelo Estado de Minas Gerais, esteve lá presente e eu estava na expectativa de que V. Exª votasse a favor do requerimento. Não sei, porque não houve a votação, mas a minha expectativa era de que V. Exª votasse a favor.

 

O Sr. Francelino Pereira (PFL-MG) - Então V. Exª me respeita.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Claro! Assim como ao Senador Hugo Napoleão. Algumas vezes podemos ter divergências, mas tenho o maior respeito por ambos os Senadores do PFL.  

O Sr. Francelino Pereira (PFL-MG) - Sou um Senador livre. Não devo nenhum favor ao Governo Federal, ao Governo do meu Estado que terminou o seu mandato e ao que foi eleito agora, e essa liberdade é um apanágio dos homens que vivem nas montanhas e fazem da história de Minas o caminho e o itinerário da sua vida. Tomei conhecimento do requerimento de V. Exª. Confesso que compreendi o seu objetivo e a extensão daquela proposição. Ninguém do Partido a que pertenço e de cuja Liderança faz parte solicitou-me que não comparecesse ou não assinasse o livro de presença na Comissão de Assuntos Econômicos. Estive lá, assinei o livro, na expectativa de que V. Exª, que liderava as providências para aquela reunião, reunisse inclusive os seus Colegas de Partido e de Bloco para participarem da reunião. Demorei lá bastante. Quando me ausentei rapidamente, na expectativa de reunião que deveria realizar-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que afinal não se realizou, e de outra reunião que tive com a Comissão Executiva Nacional do PFL, no anexo do Senado, deixei no gabinete recomendação a auxiliar meu que me comunicasse o começo da discussão e votação para que eu fosse imediatamente para o plenário da Comissão. Não fui chamado e mantive o contato; a reunião da Comissão não se realizou. De maneira que eu pediria a V. Exª que não generalizasse essa acusação ou essa observação aos Colegas de outros partidos, inclusive aos do Partido a que pertenço, porque nós também marcamos a nossa conduta pela dignidade, que é um apanágio dos homens que são eleitos pelo voto livre e democrático do povo brasileiro. Muito obrigado a V. Exª.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - As observações de V. Exª, Senador Francelino Pereira, indicam que a orientação, no caso, não foi plenamente aceita, não foi agradável, e há muitos Senadores que gostariam muito que houvesse, sim, a reunião e a oitiva dos Governadores de Estado. Quem sabe o Senado Federal possa ainda rever a sua posição, até porque o requerimento ainda não foi votado e permanece na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos! Acredito que ainda possamos ouvir os Governadores.  

O Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - V. Exª me permite uma observação?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Pois não.  

Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - Gostaria de acrescentar, a título de rápida inserção, que os fatos a que V. Exª se refere ocorreram ontem pela manhã. Esclareço que estava numa reunião, durante toda a manhã de ontem, da Comissão Executiva Nacional de meu Partido, na sede do PFL. Nessas ocasiões, efetivamente o Senador Edison Lobão assume a Liderança, uma vez que não tenho condições de ser onipresente. Repito aquilo que o Senador Francelino Pereira dizia: S. Exª mesmo não foi abordado, e eu também não passei nenhuma instrução ao Senador Edison Lobão, mas ratifico que qualquer atitude que S. Exª tenha tomado foi no exercício da Liderança. Era o esclarecimento que me cabia prestar.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Senador Hugo Napoleão, não sei se já chegou à Casa, mas acredito que, na próxima semana, o Senado Federal examinará a indicação, anunciada pelo Presidente da República, do novo Presidente do Banco Central, Sr. Francisco Lopes. Será uma oportunidade para que os Senadores possam dialogar sobre a grave crise econômica por que passa o Brasil, a necessidade que viu o Governo de modificar a política econômica, a política cambial. Em que pese todos os desmentidos do Presidente Fernando Henrique, até às vésperas de sua viagem, de que não haveria modificações na política cambial, eis que teve Sua Excelência de interromper suas férias em Sergipe para voltar ao Palácio do Planalto e confirmar aquilo que havia negado na véspera. Houve uma mudança, sim, na política cambial.  

Teremos a oportunidade de ouvir as razões pelas quais Chico Lopes, diferentemente da maneira como Gustavo Franco estava agindo, resolveu propor essa modificação. Muitos economistas, conforme assinalei ontem, desde Maria da Conceição Tavares, Paulo Nogueira Batista Júnior a Antonio Delfim Netto vinham detectando uma sobrevalorização da taxa de câmbio e a necessidade de uma maior flexibilidade na direção de uma desvalorização do câmbio. O que observamos foi uma modificação, ainda que restrita, nessa direção, da ordem de quase 9% no teto da banda e a possibilidade de haver uma flutuação em torno de 5% em relação ao valor médio da banda, entre R$1,20 e R$1,32 por dólar, significa a possibilidade de uma desvalorização, mas, ainda assim, com modificações que poderão ocorrer a cada três dias, numa fórmula que teremos a oportunidade de conhecer melhor na exposição de Francisco Lopes.  

O que poderemos observar até a próxima semana é a dificuldade crescente que está tendo o Governo brasileiro e as empresas brasileiras, dos mais diversos segmentos e tamanhos, para enfrentar os seus compromissos com os credores. Então, haverá que se fazer uma grande mexida, mas muito provavelmente da mesma maneira que os governadores querem a renegociação da dívida, a previsão que formulo é que veremos o Governo Federal na iminência de chamar os credores internacionais para também dizer da necessidade de uma reformulação dos compromissos junto aos credores.  

Muito obrigado.  

 

0


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/01/1999 - Página 1502