Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ULTIMO RELATORIO DO UNICEF - FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA, QUE ABORDA O PROBLEMA DA PROSTITUIÇÃO INFANTIL NO BRASIL.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O ULTIMO RELATORIO DO UNICEF - FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA, QUE ABORDA O PROBLEMA DA PROSTITUIÇÃO INFANTIL NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 15/01/1999 - Página 1522
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, RELATORIO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), IMPUTAÇÃO, BRASILEIROS, RESPONSABILIDADE, PROSTITUIÇÃO, ADOLESCENTE, CRIANÇA, PAIS.
  • IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO, FORMA, IMPEDIMENTO, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, PROSTITUIÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE, BRASIL.

O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é de hoje que o Brasil, com muita freqüência, vem sendo visto e criticado como um dos países mais corruptos do mundo e uma terra na qual a vida humana tem muito pouco valor, especialmente a dos mais pobres. Sobre a questão do valor da vida entre nós, lembro-me, não sei precisar a oportunidade, da declaração de uma importante figura do governo inglês, noticiada pela imprensa nacional, que teria afirmado ser a vida de um cidadão inglês de muito mais valor do que a vida de um brasileiro.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, infelizmente, essa visão estrangeira de nosso País não é apenas fruto de preconceito. É resultado, também, do comportamento do próprio brasileiro, reflexo do seu modo de considerar e agir sobre a sua terra e sua gente.  

Vejamos, por exemplo, o que o último relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF traz em relação ao problema das meninas e meninos prostituídos em nosso País. A conclusão do relatório é categórica: são os brasileiros e não os turistas os responsáveis por essa tragédia. A maioria dos que abusam das crianças, praticando violência sobre elas e encaminhando-as para a prostituição, é constituída de brasileiros.  

Algumas informações disponíveis na Campanha Nacional de Combate à Exploração Sexual Infanto-Juvenil do Ministério da Justiça confirmam a constatação de que o problema é uma questão familiar e local.  

Por sua vez, a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência - ABRAPIA e a Empresa Brasileira de Turismo - EMBRATUR criaram hà algum tempo o disque-denúncia por meio do telefone 0800-990500. O estudo dos resultados revela o seguinte quadro: do mês de fevereiro de 1997 a setembro de 1998, "em 9,3% das chamadas foram relatados casos de turismo sexual e 91,7% foram relacionadas a exploração sexual de origem local", (ver C. B. página 18, 10.01.99).  

Segundo Lauro Monteiro Filho, Deputado Estadual do Rio de janeiro e Presidente da ABRAPIA, "Quando lançamos a campanha, imaginávamos que o turismo sexual era o grande fator impulsionador da exploração sexual de crianças e adolescentes no país. Mas, pelo próprio trabalho da ABRAPIA, a questão foi um pouco desmistificada".  

As causas dessa situação são várias. Têm múltiplas fontes. São responsáveis por tal situação a pobreza, a violência, a desigualdade de gênero, a gravidez precoce, os lares, as estradas, os acampamentos, os amontoamentos humanos nas periferias das cidades, a provocação do desenvolvimento acelerado da sexualidade, inclusive por meio da erotização dos programas infantis da televisão. Nesse setor, um estudo realizado por Marco Schiavo, da Universidade Gama Filho, analisou 151 horas de programação infantil em uma semana do mês de maio de 1997. Durante as 151 horas, detectou 309 estímulos ou referências a sexo.  

No relatório do UNICEF transparece ainda uma outra questão: a possibilidade de que a maioria das famílias de crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual sejam chefiadas por mulheres. Pesquisas realizadas em casas de acolhimento e assistência às meninas abandonadas, realizadas em várias capitais brasileiras, revelaram altos percentuais: de 80 a 90 % das garotas recolhidas nesses abrigos provinham de famílias dirigidas por mulheres.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o caminho a percorrer nesse campo relaciona-se com vários segmentos. É um caminho que passa por decisões políticas voltadas tanto para a problemática econômica quanto para a questão social.  

Sem dúvida, setor de extrema importância é o referente à educação. Aqui está uma área em que o Brasil tem feito progressos significativos nos últimos anos, em termos de disponibilidade de vagas nas escolas. Hoje, a quase totalidade da clientela do ensino fundamental tem condições de matrícula. Mas ainda restam desafios enormes a enfrentar, de modo particular no que diz respeito à qualidade, seja no que diz respeito ao desempenho das instituições escolares, seja no que se relaciona aos currículos e à aprendizagem dos alunos.  

Na verdade, a situação do Brasil enquadra-se no panorama geral da América latina. Isso, porém, não pode ser motivo de conformismo, nem de acomodação em face de progressos já alcançados.  

De acordo com a publicação Situação Mundial da Infância 1999 - EDUCAÇÃO, do UNICEF, na América Latina e Caribe, o número de matrículas no ensino fundamental aumentou na proporção de 4,4% entre 1960 e 1980, mesmo durante a crise financeira da década de 1980. O acesso à educação primária virtualmente universalizou-se, nesse período, atingindo taxas regionais superiores a 90%. Apenas Guatemala e Haiti apresentam taxas inferiores a 58% e 69%, respectivamente.  

No que se refere à eficiência, no entanto, persistem graves entraves, entre os quais está o problema da repetência. No contexto geral da América Latina, cerca de 25% das crianças que entram na escola primária abandonam os estudos antes de chegar à quinta série. As taxas mais altas verificam-se na Bolívia, Colômbia, El-Salvador, Haiti, Nicarágua e República Dominicana, aproximadamente 40%.  

Altos percentuais de evasão e repetência são indicativos de problemas na qualidade da educação. A América Latina exibe as maiores disparidades entre ricos e pobres. Além disso, as populações indígenas e as pobres têm particular dificuldade de acesso à educação de qualidade. Esses segmentos da população são desencorajados a permanecer na escola, em face das dificuldades que encontram diante das abordagens pedagógicas rígidas e tradicionais.  

De acordo com o UNICEF, cerca de um bilhão de pessoas, o que corresponde a um sexto da população mundial, chegará ao século 21 sem saber ler um livro ou assinar o nome - muito menos operar um computador ou entender um formulário simples. São criaturas que, como já acontece hoje, viverão em condições de pobreza as mais desesperadoras e terão saúde mais precária do que as pessoas que foram premiadas com a oportunidade de ter educação. "São - conclui o UNICEF - os analfabetos funcionais - e são cada vez mais numerosos".  

Uma circunstância assim materializa um fato desastroso, se for levado em conta o princípio de que a educação é um direito humano com imenso poder de transformação. Na educação, plantam-se a liberdade, a democracia e o desenvolvimento humano duradouro, ou sustentável. Como fica a realidade para os 130 milhões de crianças que só em 1999 terão o direito à educação negado? É importante observar que desse contingente a grande maioria é constituído de crianças do sexo feminino. "Trata-se de uma violação de direitos e de uma perda de potencial e produtividade que o mundo já não pode mais tolerar".  

De maneira geral, o mundo hoje tem melhores condições de saúde, alimenta-se melhor, apresenta um nível de educação mais elevado e é mais produtivo, mas como isso se refletirá na vida dos 130 milhões de crianças acima mencionados?  

Para o UNICEF, está claro que a dedicação à criança precisa intensificar-se e universalizar-se. A questão não é apenas a de sobreviver, mas a de sobreviver para que tipo de vida? Eis a raiz para o problema da qualidade da educação para todos. Educar não pode significar somente aquisição das habilidades, dos valores e dos conhecimentos elementares necessários para quebrar o humilhante ciclo da ignorância e da pobreza; educar significa também ter capacidade de receber e analisar informações, para interceder e mudar.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a realidade que resulta do relatório do UNICEF sobre a infância em 1999 representa uma convocação em prol da América Latina e em particular do Brasil de amanhã. Vejo assim as observações ali encontradas.  

O ano de 1999 começa entre nós com problemas. Não faltam previsões sinistras. Pessoalmente, não sou dado a fatalismos. No campo da economia, da política, do relacionamento e do embate das idéias, as coisas acontecem quando o espaço é deixado aberto, pela imprevidência, pela negligência ou pela omissão.  

Faço minha a observação de Ralph Valdo Emerson quando diz ser preciso "atrelar o arado a uma estrela" (Rodolfo Konder, in O Estado de São Paulo, 8 de janeiro de 1999). O processo de desenvolvimento, na verdade, é a perseguição incansável de um sonho. Sonho que se faz com o trabalho, com a produção, com a busca visando à concretização dos objetivos maiores. Infelizmente e erroneamente, convencionou-se uma conotação negativa para a utopia. No entanto, a utopia é conceito rico, nada mais é do que aquilo que não está presente aqui e agora, mas se que tornará real se perseguido. Utopia é porto de chegada, é horizonte a conquistar. Utopia é olhar para o futuro, significando inconformidade com um presente que sabemos pequenoe que precisa ser mudado.  

É nessa perspectiva que vislumbro o horizonte para as meninas e meninos abandonados, para as famílias que, por razões múltiplas, se fizeram matriz da violência, para os pobres que não conseguem ver o futuro com ânimo de luta.  

No contexto do Brasil atual, tenho certeza de que "acima de tudo, como responsável pelo papel principal da revolução da educação, o Estado deve garantir a vontade política necessária para fazer com as coisas aconteçam" (relatório UNICEF).  

"Quando o direito da educação é garantido, o mundo todo ganha. Não existe uma solução imediata para as violações desse direito, mas pode-se partir de uma proposta simples: no limiar do século 21, não deve existir prioridade maior ou missão mais importante do que a Educação para Todos".  

Essa afirmação de Kofi A. Annan contida no Prólogo do relatório eqüivale a um programa de extrema importância para os que almejamos um Brasil com população à altura de um mundo globalizado e cada vez mais exigente no que se refere à qualidade da vida humana.  

Muito Obrigado!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/01/1999 - Página 1522