Discurso no Senado Federal

DENUNCIA DE ABUSOS OCORRIDOS DURANTE AS ELEIÇÕES PARA O GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO, CONSTATADA PELO TRIBUNAL ELEITORAL DO ESTADO. ALERTA PARA A NECESSIDADE DA DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DOS GOVERNADORES DURANTE O PROCESSO ELEITORAL PARA A REELEIÇÃO.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • DENUNCIA DE ABUSOS OCORRIDOS DURANTE AS ELEIÇÕES PARA O GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO, CONSTATADA PELO TRIBUNAL ELEITORAL DO ESTADO. ALERTA PARA A NECESSIDADE DA DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DOS GOVERNADORES DURANTE O PROCESSO ELEITORAL PARA A REELEIÇÃO.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Edison Lobão, Jonas Pinheiro, José Alves, Marluce Pinto.
Publicação
Publicação no DSF de 16/01/1999 - Página 1599
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • DENUNCIA, ABUSO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, PODER ECONOMICO, DANTE DE OLIVEIRA, GOVERNADOR, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), OBJETIVO, GARANTIA, REELEIÇÃO, CARGO ELETIVO, GOVERNO ESTADUAL.
  • EXPECTATIVA, JULGAMENTO, TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL (TRE), PUNIÇÃO, RESPONSABILIDADE, JUSTIÇA ELEITORAL, DANTE DE OLIVEIRA, GOVERNADOR, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ABUSO, PODER ECONOMICO, GARANTIA, REELEIÇÃO, GOVERNO ESTADUAL.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna do Senado nesta manhã, embora tardiamente, para fazer uma análise do que foram as eleições do dia quatro de outubro último no Estado do Mato Grosso, na qual tive a honra de disputar o cargo de Governador do Estado e de receber mais de 39% dos votos válidos do eleitorado mato-grossense.  

Essa foi a eleição da desigualdade e da injustiça, uma eleição contra os poderosos, contra o poder, contra o Governo. Disputamos o cargo de Governador do Estado contra o atual Governador em exercício, Sr. Dante Martins de Oliveira, que, aproveitando-se da emenda constitucional que votamos e que permite a reeleição do Presidente da República, dos Governadores e dos Prefeitos municipais, disputou comigo as eleições numa luta desigual. E eu já havia previsto isso.  

Muitos dos Srs. Senadores aqui presentes hão de relembrar comigo o dia 21 de maio de 1997, quando esta Casa preparava-se para votar a emenda constitucional que permitiria a reeleição dos cargos executivos no exercício do mandato. Compareci a esta mesma tribuna, neste próprio local, e disse o seguinte:  

"No dia 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro, o alferes José Joaquim da Silva Xavier, conhecido de todos nós brasileiros como Tiradentes, subia ao patíbulo para ser enforcado, por decisão do Reino de Portugal, justamente há 205 anos e um mês.  

Hoje, no dia 21 de abril de 1997, nós, candidatos a Governadores dos Estados, Senadores no exercício do mandato, também estamos subindo ao "patíbulo" do Senado, com a corda na mão, para enforcarmos a nós mesmos."  

Eu dizia naquele dia:  

"Com essa emenda que iremos votar daqui a pouco, não haverá Senador, por mais prestígio que tenha, por melhor líder que seja, por mais bem-intencionado que esteja, que conseguirá ganhar as eleições de um Governador no exercício do mandato.  

De acordo com a lei que será instaurada no País, um Governador poderá ser reeleito sem precisar se desincompatibilizar do cargo, conforme a Lei Complementar nº 64."  

Por isso, adverti aos Colegas Senadores, que, juntamente comigo, eram possíveis candidatos aos Governos Estaduais, que a corda estava posta e que em breve faríamos o nosso enforcamento político. Muitos não acreditaram na minha palavra.  

Naquele dia, eu ainda disse que, no Estado de São Paulo, na eleição em que disputaram Paulo Maluf e o Dr. Antônio Fleury, o então Governador Orestes Quércia afirmou: "Posso até quebrar o Banespa, mas elejo o meu sucessor". E isso realmente ocorreu. O seu sucessor foi eleito, o Banespa foi quebrado, e o povo de São Paulo até hoje paga por esse crime eleitoral cometido. Quem pagou foi o povo.  

Eu dizia que nós, Senadores, tínhamos que abrir os olhos. E o resultado eleitoral não foi outro: vinte e sete dos Srs. Senadores que disputaram as eleições de 1998 foram derrotados. Líderes do mais expressivos, reconhecidos pelo seu trabalho, enfrentaram as urnas e perderam as eleições. Não foi apenas o Senador Júlio Campos que enfrentou um Governador no exercício do cargo e que perdeu as eleições. Não. Junto comigo, perderam líderes expressivos, de relevantes serviços prestados ao seu Estado, como é o caso do eminente Líder do PMDB e Presidente Nacional daquele grande Partido, o Senador Jader Barbalho, que perdeu o Governo do Pará; como é o caso do eminente Líder do PFL e uma das Lideranças másculas deste Senado, o Senador Hugo Napoleão, que foi derrotado no Estado do Piauí; como é o caso do eminente Senador José Agripino Maia, que também foi massacrado no seu Estado pela máquina governamental do Rio Grande do Norte. Posso citar tantos outros companheiros, como a Senadora Marluce Pinto, que fez relevantes trabalhos pela criação do Estado de Roraima, que foi a sua primeira representante nesta Casa e que, lutando permanentemente, também amargou a derrota naquela eleição, fruto da máquina brutal da administração pública estadual. Milhões e milhões de reais foram gastos neste País pelos ocupantes dos cargos públicos.  

Foi difícil. Enfrentamos o Governo Estadual com toda a sua força. Enfrentamos institutos de pesquisas que viraram instrumentos de quem paga mais para estar à frente nas pesquisas; para quem contrata melhor os institutos, todos os dias é anunciado que estes vão ganhar as eleições. Enfrentamos a imprensa. Quase todas as imprensas estaduais dificilmente deixam de apoiar o Governador, porque são dependentes dos recursos estaduais para manter a sua folha de pagamento, para poder rodar o seu jornal, colocar no ar as imagens de televisão e fazer funcionar as nossas rádios.  

Em Mato Grosso, o abuso foi tremendo. O abuso foi tão grande, que dava até pena de ver o que ocorria. Chegamos até a denunciá-los ao Presidente da República e ao Presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Sabíamos, antecipadamente, que não havia como sobrestar aquela máquina avassaladora.  

Começamos a eleição com 41% da opinião pública ao meu lado, numa pesquisa séria de todos os institutos, contra 13% e, em seguida, 20% da opinião pública que estava favorável ao meu concorrente. No dia da eleição, o resultado foi contrário: 51% dos votos foram dados ao meu opositor contra 39,75% dos votos dados a mim. Houve uma avalanche de compra de votos. Em Mato Grosso, era público e notório que o cidadão recebia uma visita, um boné, uma camiseta e uma nota de R$50 para votar apenas no candidato a Governador, no candidato majoritário e não no proporcional. Dizia-se: "Vote no candidato do PFL, vote no candidato da Unidade Democrática, vote no candidato do PMDB a Deputado. Não é preciso mudar o seu voto para Deputado, mas vote no Governador do PSDB, Dante de Oliveira. Damos a você um boné, uma camiseta e uma nota de R$50".  

Isso foi bárbaro. Foi uma vergonha a boca de urna no dia das eleições. Em Cuiabá, 60 mil pessoas estavam uniformizadas. Foram dados bonés, camisetas e dinheiro para merenda. Não havia quem agüentasse isso. Nos municípios do interior, a pressão foi feita de todas as formas, a pressão foi brutal. Houve compra de votos de prefeitos e de vereadores. Na última hora, nos últimos dias, prefeitos que eu e o Senador Carlos Bezerra ajudamos a eleger na Unidade Democrática recebiam convênios, verbas, caminhões. Não sou eu que estou falando isso. Graças a Deus, a Procuradoria da República e o Procurador Eleitoral fizeram inúmeras denúncias, algumas delas já em andamento de processo que está sendo acatado pelo Egrégio Tribunal de Justiça.  

Os abusos que se cometeram estão aqui relatados. O Banco Mundial fez um financiamento para Mato Grosso, para o Prodeagro, de US$273 milhões, dos quais o Governador retirou US$40 milhões para um programa chamado PADIC, que é o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Comunitário. Os recursos do PADIC eram distribuídos para as Associações Comunitárias. O Governador chegava com a sua equipe na associação dos pequenos produtores da comunidade, como a de Juína, por exemplo, e falava: - Aqui tem R$150 mil, mas queremos apenas o voto para o Governador. Largam do Júlio e venham conosco. Está aqui o cheque. Entregava isso em palanque. Está aqui denunciado pelo Exmº Sr. Procurador da Justiça Eleitoral do Mato Grosso, que fez uma representação e que já está sendo alvo de investigação por parte da Justiça Eleitoral e da própria Polícia Federal.  

Houve escândalos não somente com recursos do PADIC e do Prodeagro. Foram distribuídos US$40 milhões, em dois meses, para as Associações Comunitárias. Associação das Lavadeiras do bairro do Araés: R$150 mil; Associação das Costureiras de Cáceres: R$150 mil, e assim por diante. Foi um verdadeiro massacre, um verdadeiro absurdo o que ocorreu.  

O escândalo da "Secomgate". O Governador gastou nos últimos anos milhões de reais em propaganda, muito bem feita; contratou o famoso mago da propaganda política brasileira, Duda Mendonça, por mais de US$ 4 milhões, para fazer o seu horário eleitoral.  

Então, não me sinto um derrotado. Ao contrário, sinto-me um vitorioso, porque do modo como transcorreram as eleições no meu Estado era para eu ter, no máximo, 20% dos votos e não 39,75%. Era muito dinheiro e muito abuso.  

No dia 13 de setembro, fiz uma denúncia ao Presidente Fernando Henrique, ao Ministro Pedro Malan e ao Dr. Pedro Parente de que nesse dia o Governador de Mato Grosso estava fazendo uma retirada, no Banco do Brasil, da conta vinculada destinada ao pagamento da rolagem da dívida - todo mês Mato Grosso separa 15% da sua receita líquida. E, nesse dia, o Governador sacou R$35 milhões, dos 62 milhões, faltando 15 dias para as eleições. Esse dinheiro foi gasto exclusivamente na compra de voto, na compra de boca de urna, na montagem do processo eleitoral. Lamentavelmente, o Ministro Malan e o Dr. Pedro Parente pouco ou nada puderam fazer para frear esse tipo de abuso com o dinheiro público no meu Estado.  

A propaganda eleitoral abusiva, a distribuição de máquinas, equipamentos para as prefeituras municipais. Felizmente, ainda confio na Justiça Eleitoral. E tanto é verdade - veja bem o que aconteceu em Mato Grosso - que perdi a eleição, mas a minha coligação, a Unidade Democrática, elegeu 14 Deputados Estaduais contra oito do PSDB. Elegemos cinco Deputados Federais, contra três. No voto proporcional, tivemos para Deputado Federal 160 mil legendas a mais. No voto para Deputado Estadual, 180 mil votos a mais, e perdemos a eleição majoritária de Governador pelo abuso do poder econômico. Por isso faço o relato nesta Casa. Eu tinha razão quando disse que a emenda da reeleição era muito perigosa se não houvesse leis para acompanhar de perto os abusos do poder estadual contra os candidatos da oposição.  

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Ouço o aparte do Senador Edison Lobão.  

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Ainda está muito presente na minha memória, Senador Júlio Campos, o discurso de V. Exª, em uma dessas cadeiras aqui atrás, quando nos advertia para os riscos, os perigos da noite da reeleição. Muitos de nós acreditaram em V. Exª, outros até ironizaram o estilo com que V. Exª fazia aquela advertência. E o que se deu na reeleição foi exatamente o que V. Exª relata neste momento. Entendo que o instituto da reeleição é democrático. Votei a favor dele, exatamente no pressuposto de que o que se iria fazer aqui no Brasil era exatamente o que se praticava nos países mais democráticos do mundo; o direito de o eleitor escolher aquele governante que está agradando a opinião pública, está governando bem. Era este o meu entendimento e era este o entendimento, seguramente, da maioria que aprovou o instituto da reeleição numa emenda constitucional. Mas, na prática, o que se viu, em muitos Estados, não em todos, mas em muitos, foi exatamente o inverso. Não tivemos sequer o cuidado de estabelecer a desincompatibilização, que era o mínimo que deveríamos ter feito no início dessa experiência que iríamos realizar, do ponto de vista institucional, neste País. O Presidente da República se elegeu em primeiro turno, dando uma demonstração de força e de confiança do povo brasileiro. Mas muitos governadores não o fizeram, elegeram-se no segundo turno. E aí, então, o que ocorreu é que as práticas denunciadas hoje por V. Exª se acentuaram. Senador Júlio Campos, ao tempo em que V. Exª faz esta denúncia, despede-se, penso eu, do Senado, o que lamentamos profundamente, sobretudo nós do PFL que o temos como um dos nossos mais ilustres líderes. V. Exª ilustra esta Casa e homenageia o PFL com a sua filiação. Ao deixar o Senado, sei que V. Exª não deixa a vida pública, porque conduzirá para aonde quer que vá o seu espírito público. Espero que V. Exª seja aproveitado na sua experiência, na sua competência em algum lugar onde possa continuar servindo ao nosso País. Tenha V. Exª a segurança da nossa solidariedade, do nosso respeito e da nossa estima, amizade e apreço.

 

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Muito obrigado, Senador Edison Lobão. Incorporo com muita honra o aparte de V. Exª.  

A Srª Marluce Pinto (PMDB-RR) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Ouço V. Exª com prazer.  

A Srª Marluce Pinto (PMDB-RR) - Nobre Colega, Senador Júlio Campos, primeiramente queremos registrar a falta que V. Exª fará a este Senado. Iniciei os contatos com V. Exª desde a época em que fomos Deputados na Constituinte. É lamentável que, por todos os deslizes citados por V. Exª desta tribuna, tenha acontecido o inevitável: a não vitória de V. Exª e do nobre Senador Carlos Bezerra. Talvez esses episódios venham a servir para que não somente os participantes do Congresso Nacional como também o nosso Presidente Fernando Henrique Cardoso cheguem à conclusão de que não é viável haver a reeleição com o governante no cargo. Falo assim me referindo aos Governos de Estado, porque em se tratando do Presidente da República o caso é muito diferente. Tivemos a comprovação disso em outubro próximo passado: o Presidente Fernando Henrique, no cargo, não foi aos Estados para mandar que gastassem o dinheiro público para reeleger-se. É muito diferente a situação de Sua Excelência, que está no poder central, da situação dos Governadores que ficam nos Estados manipulando todas as autoridades, o que é o certo acontecer. Em Roraima não foi diferente a situação do que ocorreu no Estado de V. Exª. Acontecia de o Governador fazer os seus comícios, não somente na capital mas também no interior, e uma carreta lotada de geladeiras, de televisões, de fogões e outros acessórios, o acompanhava fazendo sorteios. Nós da Oposição e o grupo do Senador Romero Jucá comunicávamos o fato à Polícia Federal, mas não chegava ninguém, pois ele se preparou muito bem antes. O filho do Superintendente da Polícia Federal, com um salário bastante considerável, mas nem no Estado morava. Como este, há inúmeros casos de pessoas que receberam, mas que não trabalharam, só constavam da folha - inclusive foram apelidados de gafanhotos, porque só viviam na folha, mas não iam a uma repartição para trabalhar. E houve outros casos escandalosos como a compra de votos e a distribuição de presentes - quando V. Exª falou da camisa, do boné e dos R$50, parece até que foi combinado, porque lá aconteceu da mesma maneira. Em regiões onde o eleitorado era maciçamente favorável à nossa candidatura - como a região sul do Estado, que foi totalmente colonizada à época do primeiro governo de Otomar Pinto e onde oito municípios foram criados - o voto passou a ser comprado juntamente com a camisinha e R$100. Essa desordem chamava tanto a atenção que, no segundo turno, quando aderimos à candidatura da esposa do Senador, ao chegar em palanques do interior e até mesmo da capital, o povo, que não se conformava com aquela situação, me ovacionava como se eu fosse a candidata. E isso não se deveu à minha pessoa - sou franca quanto a isso - mas ao grande apoio dado pelos dois governos de Otomar Pinto à zona rural, às comunidades indígenas e à periferia, no seu último governo. Só na capital, quase seis mil casas de alvenaria foram entregues às comunidades carentes gratuitamente. Então, era impossível que tivéssemos o resultado que obtivemos. Isso é passado, mas sobre ele todos nós devemos refletir. É obrigação nossa mudar essa situação. Que se permita a reeleição, sim, mas sem o governante no cargo. Se for para o Presidente ficar no cargo, conforme já falei, que fique, mas que fique em Brasília e não em todos os Estados, administrando a sua campanha. Lá há os Governadores para moralizar e ordenar a situação, principalmente no dia da eleição. Se não agirmos para mudar essa situação, vamos ser os verdadeiros responsáveis, no futuro, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados - embora em pequena parcela - pelo fato de os governantes não serem pessoas moralmente habilitadas e aprovadas pela comunidade. Muitos podem até argumentar que o povo vota se quiser, mas esse argumento não é válido num País como nosso, em que a taxa de desemprego é muito grande; isso não é válido em um Estado como nosso, em que a maioria do povo é formada por funcionários públicos, em que o empreiteiro só trabalha se for para o governo do Estado, porque quase não há obras que não sejam as públicas. Em nossos Estados, o empreiteiro teme conversar com o político adversário, porque se o fizer, não recebe o dinheiro que lhe é devido. Essa realidade é muito sacrificante. Acredito que o mesmo não aconteça em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e em Estados maiores, porque o povo é mais independente. Falando em São Paulo, quero ressaltar a administração e a condução da eleição por parte do nosso ex-colega Mário Covas, que até saiu do cargo. Não ouvimos falar que ele tivesse usado o dinheiro público para ganhar a eleição. Foi uma eleição justa, mas o problema é que não existem, em todos os Estados, um Mário Covas, um Tasso Jereissati e tantos outros que administraram bem, com rigor, com autonomia e com muita honestidade. Meus nobres pares, era nisso que eu queria, a partir de agora, que todos nós pensássemos. Não é pelo meu caso, pois tenho mais quatro anos como Senadora. Vou fazer o meu trabalho, procurando sempre buscar condições para melhorar não só a situação dos carentes, mas também para alcançar o desenvolvimento do nosso Estado, ajudando a conseguir as verbas e indo aos Ministérios tratar de assuntos até muito polêmicos. Mas penso nos políticos de um modo geral. Hoje, a turma jovem não acredita mais em nós, políticos. Eles acham que todo político é igual, que todo político ganha bem e desvia dinheiro público. Temos de moralizar essa situação, porque somente assim iremos nos aposentar de consciência tranqüila. No futuro, quando já não estivermos mais atuando como políticos, estaremos conscientes de que fizemos um bom trabalho para a nossa Nação.  

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Muito obrigado.  

Quero realçar o que eu tinha proposto àquela época: que a reeleição fosse implantada por etapas. Na primeira etapa, para Presidente da República, porque a imprensa nacional é independente e fiscaliza os abusos do Poder - o Presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceu que não transferiu, durante a campanha eleitoral, nenhum recurso para municípios brasileiros; tanto é, que as emendas, inclusive as parlamentares, ficaram lacradas no período que antecedeu a eleição.  

A minha idéia era no sentido de que, depois que o brasileiro se acostumasse com a reeleição, passássemos a fazê-la nos estados e, futuramente, nos municípios. O pior terror não foi a reeleição nos Estados, vai ser agora, durante as eleições municipais: não vai sobrar pedra sobre pedra neste País. Todos os prefeitos já entram com 40% de possibilidade de serem reeleitos. O cuidado que temos de ter é votar a tempo e a hora uma legislação eleitoral proibindo abusos como os que foram cometidos em Mato Grosso: cartazes em sala de aula; diretores e professores de colégios sendo ameaçados com a perda de seus empregos se não ensinassem a votar em Dante de Oliveira; distribuição de títulos de terras - o cidadão que tinha um documento para receber só o recebia do Intermat se também confirmasse o voto para Dante de Oliveira.  

Foram inúmeros os abusos, mas felizmente a Justiça Eleitoral está, em boa hora, pedindo a punição dos envolvidos - a cassação do diploma do Governador e a inelegibilidade dos atuais eleitos no Mato Grosso.  

O Sr. Jonas Pinheiro (PFL-MT) - Senador Júlio Campos, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Ouço V. Exª com muita atenção.  

O Sr. Jonas Pinheiro (PFL-MT) - Senador Júlio Campos, serei breve. O Mato Grosso ainda está surpreso e chora a sua derrota. V. Exª era a grande esperança do Estado, que passou por um jejum de obras durante os quatro anos do governo reeleito nas últimas eleições. Espero que o pronunciamento de V. Exª do dia 21 de abril de 1997 e este que V. Exª está fazendo hoje sirvam de lição para o Congresso Nacional. A legislação tem de ser mudada. A derrota de V. Exª é fruto de uma legislação inadequada para o nosso País. Esta Casa sentirá saudade de V. Exª e nós, mato-grossenses, seus amigos, seus companheiros, seus correligionários, estamos ao seu lado, encorajando-o e continuando nosso trabalho a favor de Mato Grosso. Muito obrigado.  

O Sr. José Alves (PFL-SE) - Permite V. Exª um aparte?  

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. José Alves (PFL-SE) - Senador Júlio Campos, queria aproveitar a oportunidade em que V. Exª traça um quadro...  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo. Fazendo soar a campainha.) - Senador José Alves, peço desculpas por interrompê-lo, mas quero dar conhecimento ao orador de que o seu tempo está esgotado há seis minutos.  

O Sr. José Alves (PFL-SE) - Serei breve em meu aparte, Sr. Presidente. Senador Júlio Campos, queria aproveitar esta oportunidade em que V. Exª traça para seu Estado um quadro tenebroso, grave e com um perfil não muito diferente do que aconteceu no País, com raras e honrosas exceções. Neste plenário, foi citado pela Senadora Marluce Pinto o exemplo do Estado de São Paulo. Está de parabéns o ex-Senador Mário Covas pela sua postura democrática neste momento em que acontecem fatos da gravidade daqueles denunciados por V. Exª da tribuna desta Casa e em que diversos senadores trazem o seu testemunho sobre o ocorrido durante a reeleição em todo o Brasil. É um momento de preocupação para esta Casa. O que fazer com esta lei que permite a reeleição de Presidente, de governadores e de prefeitos? Em Sergipe, Senador Júlio Campos, não foi diferente: João Alves Filho, candidato do PFL, e o Senador Antonio Carlos Valadares, candidato do PSB, enfrentaram uma máquina gigantesca, representada pelos recursos de quase meio bilhão de reais, oriundos da privatização da Energipe. Com esses recursos, o Governador tucano, Albano Franco, virtualmente comprou a sua reeleição, num processo jamais visto no Estado de Sergipe. Neste momento em que V. Exª traça esse quadro delicado e grave sobre o seu Estado - quadro que serve como exemplo para todo o País -, vemos uma boa oportunidade para discutirmos a legislação eleitoral. Um ou dois Estados escaparam desse processo maléfico e antidemocrático, em que o poder econômico predominou essencialmente, anulando a vontade popular pela força econômica. Parabéns a V. Exª pela clareza do seu pronunciamento, ao qual hipoteco total solidariedade.

 

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Com prazer, ouço o último aparteante e, em seguida, termino o meu pronunciamento.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - Senador Júlio Campos, em primeiro lugar, quero transmitir-lhe palavras de solidariedade. São palavras de solidariedade para um Senador que, ao longo do seu mandato eletivo, cumpriu o seu dever de cidadão e, na ocasião da votação da emenda constitucional que tratava da reeleição, foi um dos primeiros a evidenciar perante esta Casa o perigo desse processo. De fato, apesar dos esforços envidados pelos integrantes da Oposição no sentido de pelo menos minimizar o ímpeto da influência do poder econômico, apresentando emendas que determinassem o afastamento dos ocupantes do Poder Executivo em todo o País durante o processo eleitoral, não foi possível que o nosso trabalho fosse aprovado no Senado Federal: todas as emendas foram rejeitadas. O fato é que essa eleição que se passou foi uma eleição viciada, marcada pela corrupção eleitoral e pela fraude sem precedentes em toda a história do Brasil. Aliás, Senador Júlio Campos, talvez, se não houvesse essa decisão do Governo Federal de implementar a reeleição no Brasil, a situação econômica do nosso País fosse outra. Perdemos quase dois anos na discussão da reeleição, e as soluções dos problemas econômicos foram adiadas em função dos interesses eleitorais, não só do Presidente da República como dos Governadores dos Estados. A verdade é que muito se gastou nessa eleição e muito tempo se perdeu. Mas quem mais perdeu foi o Brasil, que vive hoje uma das mais graves crises econômicas de toda a sua história. Na realidade, a reeleição é um dos pontos negativos desta história dramática que vive hoje o Brasil. Nosso País, hoje, é manchete em todo o mundo; não uma manchete positiva, de grandiosidade, de solução dos problemas nacionais, da pobreza, do endividamento. Não. O Brasil, hoje, é a bola da vez, é a Rússia da América Latina. Faltou, a meu ver, por parte do Governo Federal, no momento devido, uma firme decisão para mudar as coisas. Ele adiou a decisão, levou de barriga. Aí está a situação. A reeleição, portanto, foi um grande mal trazido ao Brasil por culpa, única e exclusivamente, do Governo Federal e da ambição dos governadores que queriam voltar a qualquer custo ao poder. Senador Júlio Campos, é uma pena que não possamos passar mais quatro anos juntos, como passamos aqui, quando V. Exª pontificou como grande Senador. Apesar de fazer parte da base de sustentação do Governo, V. Exª sempre foi um homem lúcido, principalmente no caso da reeleição, quando foi um dos primeiros a alertar esta Casa para os perigos que representava esse processo. Felicidades para V. Exª e para a sua família.  

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Muito obrigado.  

Quero dizer, Sr. Presidente, que o Procurador da Justiça Eleitoral de Mato Grosso, o eminente Dr. Moacir Mendes de Sousa, representou pedindo a impugnação do mandato do atual Governador Dante de Oliveira, baseado nos seguintes crimes: distribuição de títulos e caminhões no Município de Juína; distribuição de títulos sem validade em Cuiabá, implicando crime de natureza civil e também eleitoral; entrega de dinheiro via cheque repassado pelo Governo Federal, com utilização em campanha política para angariar dividendo eleitoral; utilização de obras do setor de energia em proveito da candidatura; utilização de cartazes com motivos eleitorais em salas de aula; utilização de placas; desobediência judicial ao não retirar propaganda enaltecendo o Governo; correspondência remetida com o dinheiro público; utilização de bens públicos - carros, helicópteros, aviões do Governo -, bem como motoristas; escândalo "Secomgate"; uso indevido dos meios de comunicação; uso do poder econômico; uso do poder da autoridade; manipulação de dados e pesquisas eleitorais de opinião pública e pesquisas fraudulentas; malversação de verbas públicas; fraude de caráter competitivo do procedimento licitatório, com intuito de obter para si ou outros vantagens decorrentes da adjudicação de obras em licitações. Além desses crimes, dois outros grandes escândalos: o escândalo da mala de dólares - a mala preta -, divulgado pela Veja, e a conclusão de obras apressadas tendo em vista resultados eleitorais.  

Portanto, estou ainda confiante em que o Tribunal Regional Eleitoral julgue este caso. Se não for favorável a sua decisão, que sejam esses fatos trazidos a julgamento no TSE, que, indiscutivelmente, punirá os responsáveis por esses crimes eleitorais cometidos no Estado de Mato Grosso.  

Muito obrigado.  


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/01/1999 - Página 1599