Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO EX-SENADOR JOÃO CALMON.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO EX-SENADOR JOÃO CALMON.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 22/01/1999 - Página 1903
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO CALMON, EX SENADOR, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES).

O SR. GERSON CAMATA (PMDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, filhos e netos do Dr. João Calmon, que aqui estão, Dr. João Felipe, Dr. Célio Fernando, sua nora, D. Solange, Dr. Paulo Cabral, demais Diretores e comunheiros dos Diários Associados, Srªs e Srs. Senadores...  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM.) - Permite-me V. Exª interrompê-lo?  

O SR. GERSON CAMATA (PMDB-ES.) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Peço-lhe desculpas, mas dados os laços de amizade que existiam entre o Estado do Amazonas e o Senador João Calmon e em sendo V. Exª o representante do Estado natal do saudoso colega, gostaria que V. Exª me desse a honra de falar em meu nome pessoal. Sabe V. Exª, já que também era Constituinte, o quanto, na qualidade de Relator, briguei ao lado de João Calmon e de V. Exª, a fim de incluirmos, no texto da Constituição, aquele percentual que vinculava a educação; e foi a única vinculação que houve. Então, V. Exª há de permitir-me, ao interromper o seu discurso, fazer essa solicitação. Faça-o em meu nome, porque sei que o fará muito melhor do que eu seria capaz. Espero que me atenda, Senador Gerson Camata.  

O SR. GERSON CAMATA (PMDB-ES) - Agradeço a V. Exª e registro que, efetivamente, essa foi a única e meritória vinculação que a Constituição de 1988 permitiu.  

Cumpro, neste momento, uma das tarefas mais difíceis e ingratas de toda a minha vida. : Assomo à tribuna para colocar, diante do Senado e do País, a imagem de um companheiro que, morto, se aviva, a cada hora que passa, na memória desta Casa, dos seus amigos, do Espírito Santo e de toda a Nação brasileira. Muitas dessas palavras e quase todos esses pensamentos gostaria de ter expressado a João Calmon em vida. Tenho certeza de que muito do que vou dizer aqui já tive a oportunidade de dizer-lhe nas inúmeras e longas conversas que travamos neste plenário, nas estradas do Espírito Santo e à sua mesa.  

Na verdade, eu, que tive a honra e a sorte de conviver com João Calmon por longos 37 anos, ao deparar-me com escritos, recordações e documentos sobre a sua extensa trajetória pela vida pública brasileira vi que tinha diante de mim a figura de um homem exponencial. O João Calmon da fala mansa, o João Calmon dos gestos comedidos, o João Calmon cheio de simplicidade e muita humildade me surpreendeu mais uma vez: agora pela vida profícua de realizações em favor do seu Estado e da gente brasileira.  

Ele nasceu na pequena cidade de Baunilha, no Município de Colatina, no dia 7 de setembro de 1916. Costumava dizer, em tom de brincadeira, sempre que se avizinhava a data do seu aniversário, que no dia 7 de setembro haveria uma parada militar e escolar em todas as cidades brasileiras e completava: "Você já sabe o porquê; pela Proclamação da Independência e pelo aniversário do Joãozinho."  

Era filho de Augusto Pedrinha Du Pin Calmon e de Virgínia Medeiros Calmon. Orgulhava-se da origem baiana da sua família, mas dizia-se sempre um barranqueiro do rio Doce, que banha a sua terra natal. Em sua família destacaram-se também como políticos Wilson Calmon, seu irmão, que foi Deputado pelo Estado do Amazonas, e Almeida Sobrinho, que foi Ministro da Fazenda.  

Após concluir os seus estudos em Vitória, foi estudar Direito na Universidade do Brasil. Quando estudante, atleta remador do clube Guanabara, conheceu o jornalista Assis Chateaubriand. Contou-me João Calmon que foi convidado a remar com um cidadão que via pela primeira vez no clube. Enquanto remavam, o desconhecido, seu companheiro de remo, pôs-se a fazer duras críticas à interferência que o jornalista Assis Chateaubriand fazia na vida pública brasileira. O desconhecido chegou a dizer: "Esses jornalistas estão cheios de razão, esse tal de Chateaubriand não passa de um cafajeste." Nesse momento, João Calmon, sem saber que o seu companheiro de barco era o próprio Chateaubriand, pôs-se a defendê-lo dizendo que era obrigação do jornalista não só divulgar os fatos, mas analisá-los e exercer o dever e o direito de crítica sobre a ação dos agentes políticos. Retornando à sede do clube, enquanto se banhava, soube, assustado, por um funcionário que Chateaubriand era o seu companheiro de remo. Poucos dias depois, no ano de 1937, convidado por Chateaubriand, começou sua vida jornalística como repórter do jornal Diário da Noite . No ano seguinte, foi enviado por Chateaubriand para Fortaleza como Diretor do Correio do Ceará . Cinco anos depois, João Calmon já era diretor de treze empresas de rádio e jornal em seis Estados do Nordeste brasileiro.  

A esta altura, a figura de João Calmon, como jornalista e empresário, já se avultava diante do Brasil. Por isso, em 1955 foi chamado por Assis Chateaubriand para assumir a direção das Rádios Tupi e Tamoio e da Televisão Tupi , a emissora líder da grande cadeia de Diários e Emissoras Associados . Três anos depois, Assis Chateaubriand designava João Calmon vice-presidente das empresas associadas. Ele continuou a sua carreira de empresário e se dedicou a expandir a rede de jornais, emissoras de rádio e televisão. Nesse período, instalou as primeiras emissoras de televisão em Manaus, Vitória, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém.  

A essa altura, começou João Calmon a sentir o chamado do seu Estado natal, o Espírito Santo, que então carecia de lideranças em âmbito nacional, para participar da vida pública brasileira. Ao mesmo tempo em que era convocado pelos capixabas para erguer a sua voz em defesa do Espírito Santo, que atravessava, então, a fase mais negra e difícil da sua história econômica, João Calmon pressentia os difíceis anos que se aproximavam da vida brasileira. Foi eleito o Deputado Federal mais votado, proporcionalmente, até hoje, da história do Estado do Espírito Santo.  

A sua atuação na vida pública nacional começa, então, pela criação da Rede da Democracia. Corajosamente, ele coloca 100 emissoras de rádio e televisão para denunciar o garroteamento da liberdade de imprensa que se avizinhava. Pessoalmente, ele acusa o Presidente da República de então, o Sr. João Goulart, de colocar em risco a democracia brasileira. É dessa época a sua iniciativa de criar a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), da qual foi o primeiro Presidente e Presidente de Honra até o final da sua vida. Esse foi um gesto temerário. Bem ao estilo de Chateaubriand, colocou em risco o enorme patrimônio que dirigia: 72 empresas, sendo, na época, 26 emissoras de televisão e 38 emissoras de rádio.  

Em 1963, João Calmon denuncia, ele mesmo, em toda a cadeia formada pelas emissoras que dirigia, que estava em curso um processo que levaria o Brasil para a desordem e para o caos e convoca o Presidente da República de então a assumir plenamente os seus poderes e as suas responsabilidades, pois pressentia que o regime democrático corria perigo. Nenhuma ameaça, nenhuma tentativa contra a sua vida o fez recuar. Apoiou plenamente a revolução militar, entendendo que duraria alguns meses, com a imediata eleição para Presidente da República. Esse apoio fez com que tivesse que sair de Brasília, tendo que se asilar no Palácio da Liberdade, com o então Governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto.  

Lembro-me que, quando começou a se articular uma sucessão militar para o Presidente Castello Branco, no Aeroporto de Vitória, um João Calmon decepcionado e pesaroso disse a um pequeno grupo que o aguardava: "Entramos numa fria. Os militares estão tentando se institucionalizar no poder. Eles têm um projeto para 30 anos". Era uma profecia. Era um João Calmon abatido pela virada de um movimento que apoiara em busca da redemocratização do País. Nesse momento, o nome de João Calmon estava sendo homologado como candidato a Vice-Presidente da República pela Convenção Nacional do então Partido Social Progressista, na chapa do Governador de São Paulo, Ademar de Barros. A tentativa de fazer João Calmon Vice-Presidente da República se repetiria no ano seguinte, quando o então Presidente da República designado, Costa e Silva, disse publicamente que o queria Vice-Presidente. O pouco entusiasmo de Calmon diante do regime que ele via perpetuar-se redundou na escolha de Pedro Aleixo para o cargo.  

Em abril de 1968, um Chateaubriand já com sua saúde combalida designa João Calmon Presidente dos Diários e Emissoras Associados, historicamente até hoje a maior rede de rádios, jornais e emissoras de televisão de toda a América Latina.  

O Dr. Paulo Cabral, que aqui está presente, certamente se lembra dessa solenidade no Rio de Janeiro. Foi colocada sobre a mesa uma miniatura do barco em que João Calmon conheceu Assis Chateaubriand, e o Manuelito, comunheiro do Ceará, fez um belíssimo discurso. Ele disse que começaria o discurso fazendo todos rir e, quando terminasse, todos teriam um lenço na mão. E realmente foi uma peça literária maravilhosa, e ele fez cumprir o que havia dito.  

A essa altura de sua vida, o gigante João Calmon começava a ser mais o homem que se dedicava ao seu País do que aquele que zelava por suas empresas. Muitas e muitas vezes, quando pelas estradas do Espírito Santo eu o via cansado, nos fins de semana, a visitar prefeitos, vereadores e eleitores, e dizia não entender como um homem de suas posses, que poderia passar o fim de semana em Paris ou Nova Iorque, preferia o convívio com os problemas do Estado, ele dizia: "eu tenho que devolver ao Brasil o muito que o Brasil já fez por mim".  

Começa aí o apostolado de João Calmon em favor da educação. Solitário, dedicado, ele começa a percorrer todas as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais do Brasil numa profética pregação, quase sempre incompreendida, de que o Brasil só deixaria sua condição de subdesenvolvido quando todos os brasileiros pudessem participar das riquezas e dos frutos do desenvolvimento. Entendia Calmon que os excluídos só se tornariam partícipes e beneficiários do progresso quando eles próprios tivessem a consciência e a força de lutar pela sua inclusão. Essa consciência e essa força só chegariam a eles pela educação e pela cidadania.

 

João Calmon inicia a pregação pela criação, por parte dos partidos políticos, de Academias de Formação Política e Cidadania. Repetia ele que, assim como ninguém nasce sabendo geografia, história, ciências e matemática, ninguém nascia com o sentimento natural de administração e de vontade política. Pregava que os partidos políticos deviam dedicar-se nessas academias a formar novas lideranças para a política nacional. Seus esforços nesse campo culminaram com a criação dos institutos por parte dos partidos políticos brasileiros, a primeira das quais foi a Fundação Milton Campos, criada pela direção da Arena com o objetivo de realizar pesquisas e estudos políticos. A iniciativa foi secundada por quase todos os partidos políticos brasileiros. Repetidamente, ele me dizia que a instituição que mais se aproximava do que ele pretendia era a Organização de Base do Partido dos Trabalhadores - Instituto Cajamar e Fundação Perseu Abramo.  

O homem público se sobrepõe mais uma vez ao empresário. Sem patrocínio algum, gratuitamente, num gesto de encendrada cidadania, João Calmon coloca todas as empresas que dirigia a serviço da Década da Educação. Durante 10 anos, milhares de mensagens encheram as páginas dos jornais, nos Diários Associados , ocuparam o espaço das emissoras de rádio e televisão, proclamando a inadiável necessidade de uma cruzada cívica de todos os brasileiros, do homem público ao mais humilde cidadão, a se envolverem num projeto nacional em favor da educação dos brasileiros.  

Enquanto o empresário colocava, gratuitamente, a serviço do Brasil as suas empresas, o político começava a sua atuação em favor das crianças brasileiras. Ele inicia a sua gloriosa luta parlamentar em prol da educação. No começo, era um Dom Quixote solitário a lutar contra os moinhos de vento da incompreensão nacional. Por 3 vezes, a sua emenda propondo recursos de 12% do Orçamento Geral da União, e 24% dos Orçamentos dos Estados e Municípios para a educação foi rejeitada. Por 3 vezes, teimosamente, ele a reapresentou. Recordo-me de que os adversários da emenda proclamavam que, para gastar tanto dinheiro com a educação, o Estado de São Paulo, por exemplo, teria que servir caviar na merenda escolar. João Calmon lembrava que o grande Estado brasileiro tinha 3 turnos na maioria de suas escolas e que, em alguns desses turnos, alunos freqüentavam as escolas por apenas 2 horas por dia. Eram os chamados "turnos da fome".  

Em julho de 1976, depois de quinze anos de uma luta incompreendida e difícil, a emenda Calmon foi aprovada pelo Congresso Nacional. Sua luta não terminava aí. Pelo contrário, o velho soldado da educação reforça a sua necessidade de propugnar agora pela melhoria da qualidade do ensino brasileiro. Repetia cotidianamente a frase de um educador brasileiro: "nós, os brasileiros, ao invés de dizermos bom dia; deveríamos dizer pensai na educação!". E edita o livro "História de uma Emenda à Constituição". Nele propõe, pela primeira vez, a necessidade da avaliação da qualidade do ensino brasileiro. Ano após ano, ele vai à Comissão de Orçamento e consegue aprovar uma dotação orçamentária destinada a diagnosticar a qualidade do ensino brasileiro. Levava na sua velha pasta um livro editado pelo Congresso norte-americano. Título do livro: "Uma Nação em Risco". Era um diagnóstico feito pela Comissão de Educação do Senado americano sobre os baixos níveis da educação naquele país - imaginem no Brasil.  

Santo Agostinho, o grande filósofo e confessor da Igreja Católica, dizia que cada ser humano pode ser definido por uma das virtudes cristãs. Se eu pudesse definir João Calmon pelas padrões do grande Santo, diria que ele encarnava a virtude da perseverança. Instalada a Constituinte, volta novamente João Calmon a sua luta e consegue, numa pregação única e persistente, elevar os níveis percentuais para a educação nos Orçamentos Públicos da União para 18%, e dos Orçamentos Estaduais e Municipais para 25%. A essa altura, a ingente luta de Calmon em favor da educação começa a ter aliados. Instaladas as Constituintes estaduais, vários Estados elevaram ainda mais esses percentuais exclusivos para a educação. No ano seguinte, inúmeras câmaras municipais pelo Brasil afora, ao elaborarem as suas leis orgânicas, chegaram a elevar esses percentuais até para 35%  

Capixaba, tenho que dedicar algumas palavras para expressar a gratidão do meu povo à efetiva participação de João Calmon no processo que fez com que o Espírito Santo apresentasse índices de crescimento do seu Produto Interno Bruto e de sua renda per capta acima dos índices brasileiros durante os últimos 25 anos.  

Foi uma iniciativa dele a criação do Fundo de Recuperação Econômica do Estado do Espírito Santo. Milhares de trabalhadores que atuam nas inúmeras empresas que se instalaram no Estado, graças àquela iniciativa, talvez não saibam que devem o seu emprego e o sustento de suas famílias à luta de Calmon.  

Por iniciativa dele, recuperou-se a Escola Técnica Federal de Vitória e construiu-se, depois de 50 anos, uma segunda Escola Técnica em Colatina. Inaugurar-se-á, ainda este ano, a Escola Técnica no Município da Serra, e está em construção a Escola Técnica de Cachoeiro de Itapemirim.  

No ano passado, o Congresso Nacional aprovou um projeto de iniciativa da Deputada Rita Camata que inclui o Norte do Espírito Santo na área de atuação da Sudene. O primeiro pronunciamento e o primeiro projeto objetivando essa conquista foram feitos em 1968 por João Calmon. Na iniciativa privada, o Espírito Santo deve a João Calmon a instalação de sua primeira Emissora de Televisão e da primeira Estação de Rádio privada no Estado.  

Sr Presidente, Srªs e Srs. Senadores, talvez eu não tenha aqui conseguido demonstrar perante o Senado e perante a Nação o grande Senador, o grande empresário, o grande lutador que foi João Calmon. Vem-me à memória a frase de Chateaubriand que Calmon gostava de repetir quando eu o criticava por vê-lo contínua e repetidamente dedicar fins-de-semana, recesso e férias à sua luta: "Para descansar nós temos a eternidade".  

O velho soldado da educação agora descansa, certamente contemplando da eternidade, a bela sinfonia de milhares de crianças brasileiras, que, graças à sua luta, se sentam em bancos escolares por este País afora, abrindo para eles, para suas famílias e para o seu País uma grande janela para o alvorecer do ano 2000, que ele João Calmon não poderá contemplar infelizmente.  

Fica para nós o exemplo da sua vida, o exemplo da sua postura, dos gestos comedidos, da voz mansa e do olhar tranqüilo. Fica a lembrança que serve de parâmetro e emulação para todos nós da dignidade, da perseverança, da simplicidade desse gigante da vida pública que nos deixou.  

Muito obrigado. (Palmas)  

 

v.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/01/1999 - Página 1903