Discurso no Senado Federal

ENTREVISTA DO FOTOGRAFO SEBASTIÃO SALGADO A REVISTA VEJA DESTA SEMANA, SOB O TITULO 'A OUTRA GLOBALIZAÇÃO'. IMPORTANCIA DO CENSO DEMOGRAFICO DO IBGE PARA O PROXIMO ANO, AMEAÇADO POR CORTE DE VERBAS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). ORÇAMENTO.:
  • ENTREVISTA DO FOTOGRAFO SEBASTIÃO SALGADO A REVISTA VEJA DESTA SEMANA, SOB O TITULO 'A OUTRA GLOBALIZAÇÃO'. IMPORTANCIA DO CENSO DEMOGRAFICO DO IBGE PARA O PROXIMO ANO, AMEAÇADO POR CORTE DE VERBAS.
Publicação
Publicação no DSF de 21/01/1999 - Página 1809
Assunto
Outros > HOMENAGEM. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). ORÇAMENTO.
Indexação
  • COMENTARIO, ELOGIO, ENTREVISTA, SEBASTIÃO SALGADO, FOTOGRAFO, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REALIZAÇÃO, EXPOSIÇÃO, FOTOGRAFIA, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • DEFESA, LIBERDADE, MOVIMENTAÇÃO, CIDADÃO, PAIS, AMERICA DO SUL, MEMBROS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PROMOÇÃO, INTEGRAÇÃO, NATUREZA ECONOMICA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, AMERICA LATINA, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, CENSO DEMOGRAFICO, CENSO ECONOMICO, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), LEVANTAMENTO, SITUAÇÃO, ECONOMIA, POPULAÇÃO, BRASIL.
  • SOLICITAÇÃO, RAMEZ TEBET, SENADOR, QUALIDADE, RELATOR, ORÇAMENTO, DESTINAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, GARANTIA, FUNCIONAMENTO, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), LEVANTAMENTO, CENSO DEMOGRAFICO, CENSO ECONOMICO, POPULAÇÃO, BRASIL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srªs e Srs. Senadores, o art. 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completou 50 anos em dezembro último, diz que:  

1 - Toda pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.  

2 - Toda pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país".  

Refiro-me a esse importante artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem para aqui tratar de notável entrevista que o brilhante fotógrafo brasileiro, Sebastião Salgado, deu à Revista Veja, nesta semana, sobre a outra globalização, em que ressalta a importância de caminharmos na direção de efetivamente assegurar a todo ser humano o direito de escolher para onde ir, onde viver, seja em sua própria pátria, sua nação, seja em qualquer outro lugar, outra nação em que livremente essa pessoa, esse ser humano prefira viver.  

Sebastião Salgado realizará, no ano 2.000, uma extraordinária exposição: são 550 imagens colhidas ao redor do Planeta, durante a década de 90. Ela será exibida simultaneamente em uma dezena de países. Em São Paulo, essa exposição acontecerá no Museu de Arte Contemporânea nos meses de abril, maio e junho; e, depois, no segundo semestre, irá para o Rio de Janeiro.  

Ao mesmo tempo, segundo a entrevista, Sebastião Salgado anuncia que desenvolverá uma iniciativa muito especial na Fazenda Aimorés, que era de seu pai, localizada na fronteira do Espírito Santo com Minas Gerais, no Vale do Rio Doce, registrada como reserva particular junto ao Ibama.  

Segundo suas palavras:  

"É a primeira reserva desse tipo criada onde não existe natureza a preservar. O que existe, no lugar, é o projeto de plantar uma floresta. Hoje ela tem um resto de mata, cerca de 200 mil árvores espalhadas no meio dos pastos. Vamos plantar 1,3 milhão de árvores para recobrir tudo com a floresta original. (...) Antes, pensávamos em fazer ali um pouco de pecuária misturada com muito reflorestamento. Depois, resolvemos ficar só com o reflorestamento. Daí a querer reflorestar os pastos só com mudas típicas da Mata Atlântica foi um pulo. Acabamos dispostos a repovoar também as matas com a fauna nativa".  

Explicou que teve a colaboração da Companhia Vale do Rio Doce.  

Fundou o Instituto Terra, nome do livro que publicou com José Saramago e Chico Buarque. Esse Instituto, enquanto trata do reflorestamento, tocará uma escola de educação ambiental em Aimorés, e a Fazenda será, ao mesmo tempo, uma reserva florestal, um laboratório de reflorestamento e um centro de educação ambiental.  

Mas essas 550 fotografias, contando 37 histórias sobre um mesmo tempo, que é o movimento de populações, o desenraizamento da humanidade, têm ganho extraordinário aspecto dramático nesse final de século.  

Sebastião Salgado tem mostrado a aniquilação dos indígenas, o êxodo rural, a luta pela terra na América Latina e também o problema das grandes cidades, como São Paulo, México, Cairo, Bombaim, Bangcoc Changai, Jacarta, Istambul e Ho Chi minh, antiga Saigon. Essas cidades incharam sobremaneira e de repente por causa da fuga do campo. Em média tinham 5 milhões de habitantes há 25 anos e, hoje, estão próximas de 15 milhões. Saigon, que hoje tem 6 milhões de habitantes, tinha 300 mil no final dos anos 70.  

Ele também apresentará na sua exposição o capítulo africano: a fome, os massacres, a degradação ambiental e a grande catástrofe que foram os anos 90 na Tanzânia, em Moçambique, Zâmbia, Ruanda, Burundi e Congo, o ex-Zaire, em Quênia, Angola e no Sudão.  

Há ainda um capítulo sobre os refugiados de guerra e as migrações. O número de pessoas que abandonaram os seus países tem sido impressionante. São quase 10 milhões de emigrantes por ano. Em 1985, havia 30 milhões de pessoas vivendo no estrangeiro e, agora, são 130 milhões. Parte dessas pessoas, entretanto, não tem encontrado o abrigo necessário e o direito à vida nos países para onde, muitas vezes, foram obrigados a dirigir-se.  

Quero saudar ambas as iniciativas de Sebastião Salgado, de criar na fazenda Aimorés um centro educacional relacionado a esse esforço de reflorestamento e a iniciativa de sua exposição, que tem por objetivo provocar uma grande discussão, haja vista sua intenção de contar o drama da reorganização da família humana na mudança do milênio.  

Hoje, tem-se falado muito da globalização sob o ponto de vista dos capitais que se movem por todos os países e da tentativa, sobretudo dos países desenvolvidos e dos seus governos, de liberar cada vez mais a movimentação de bens e serviços. Temos como exemplo o objetivo do Presidente Bill Clinton de fazer de todo o território das Américas - da Patagônia ao Alasca - uma grande zona de livre comércio, seja para movimentação de bens e serviços, seja para os capitais.  

Mas, e para o ser humano?  

Em verdade, quero aqui registrar essa preocupação de Sebastião Salgado, como também do geógrafo Milton Santos e de tantas outras pessoas preocupadas, realmente, com o desenvolvimento, sob o ponto de vista não dos proprietários de capitais, mas, sobretudo, do ponto de vista do ser humano.  

Avaliamos, e quero expressar juntamente com Sebastião Salgado, Milton Santos e com tantos outros, que, para termos a integração completa das Américas, precisamos da liberdade de o ser humano movimentar-se em qualquer dos países das Américas, assegurando, sobretudo aos habitantes das Américas, iguais direitos, para que possam escolher onde trabalhar, estudar e viver. Entendemos que é de extrema importância o fato que já acontece hoje na União Européia, uma vez que portugueses, gregos e espanhóis, por exemplo, podem hoje estudar e trabalhar na Alemanha, na Inglaterra, na França, nos países de maior desenvolvimento.  

Estamos aqui caminhando na direção do Mercosul, buscando alcançar o objetivo de brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios terem também esse direito à livre movimentação. Esperamos que em breve possa haver direitos, por exemplo, de aposentadoria, direitos trabalhistas, direito a uma renda de cidadania, universalmente colocada não apenas dentro do território brasileiro, mas nas Américas, a começar pelos países do Mercosul.  

Diz Sebastião Salgado que só se fala da globalização financeira, dos negócios e da informação da moeda, que não se fala da globalização do ser humano, que também está em curso. Essa é a globalização dos 95% da população mundial que sofrem os efeitos de outra globalização. Relata que, em 1975, quando começou a cobrir campos de refugiados, na África, estes tinham cerca de 40 mil pessoas - o maior, na Etiópia, alcançava 92 mil refugiados, sendo considerado impossível de gerar. Atualmente, há campos no Congo com 500 a 600 mil pessoas, e não se pensa mais nisso.  

Portanto, ele conclui, na sua entrevista, que se deve colocar em discussão o direito que as pessoas têm de escolher em que parte do mundo querem viver. Isso está escrito na Carta das Nações Unidas. A exposição será sobre isto: sua visão da globalização, ou para onde devemos ir.  

Relacionado a esse tema, Sr. Presidente, gostaríamos, aqui, de ressaltar a importância do censo que o IBGE vai realizar no ano 2000. Precisamos saber, exatamente, qual a situação sócio-econômica de cada um dos brasileiros. À época do Governo Fernando Collor de Mello, infelizmente, vivemos situação semelhante a que vivemos hoje - no ano que precedeu a realização do censo de 1990, 1989, houve uma desatenção do Governo para com o IBGE e tornou-se inviável a realização do censo de 1990, que acabou sendo postergado para 1991. Gostaria aqui de ressaltar a importância de não atrasarmos e de possibilitarmos ao Governo - ao IBGE - que realize, de fato e sem atraso, o censo demográfico do ano 2000.  

O Globo de hoje informa que o censo do ano 2000 estaria ameaçado por corte de mais da metade das verbas de que necessita para a sua realização. Conversei há pouco com o Senador Carlos Patrocínio - sub-relator da Comissão Mista de Orçamento - e S. Exª me disse que, de fato, a exemplo de cortes orçamentários que estão sendo feitos nos diversos órgãos, também foram reduzidos os recursos que estavam previstos para o IBGE. No entanto, S. Exª me disse que considera importante, sim, a realização do censo.  

Pois bem, quero aqui fazer um apelo ao Senador Carlos Patrocínio e ao Senador Ramez Tebet, Relator-Geral do Orçamento, para que, em diálogo com o Diretor de Planejamento e Supervisão que está no exercício da presidência do IBGE, Nuno Duarte Bittencourt, levantem exatamente a informação de qual o mínimo necessário para a realização do censo demográfico do ano 2000 e que sejam consignados no Orçamento de 1999 os recursos necessários para que, no ano 2000, tenhamos o quadro mais completo possível dos previstos 167 milhões de habitantes, que estarão em 44 milhões de domicílios, em 5500 municípios. Haverá necessidade de 150 mil pessoas que, contratadas temporariamente, coletarão os dados e realizarão a supervisão desse trabalho.  

Em relatório enviado pelo IBGE aos Srs. Senadores - eu também o recebi -, é ressaltada a importância desse levantamento, fundamental para que conheçamos de perto e melhor como estão os brasileiros, no que diz respeito às suas condições de habitação, de educação e de saúde, ao lado das condições de saneamento e econômicas em que vivem.  

Gostaria de renovar aqui a sugestão que fiz há poucos dias, sob a forma de um projeto de lei. Sugiro que, por ocasião do censo do ano 2000, possa o IBGE estabelecer o que considera uma linha oficial de pobreza. Essa linha serviria para o Governo delimitar a renda que uma pessoa e/ou família precisa ter para adquirir os bens essenciais à sua subsistência. Com dados mais precisos, o IBGE poderá nos informar - via censo do ano 2000 - quantas pessoas ou famílias estão vivendo abaixo dessa linha oficial de pobreza. De posse dessa informação, poderão o Governo e o Congresso Nacional estabelecer metas para erradicar a pobreza ao longo dos próximos anos no Brasil. Com dados mais precisos, estaremos melhor equipados para vencer a guerra contra a pobreza.

 

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/01/1999 - Página 1809