Discurso no Senado Federal

ABSOLUTA INDISPENSABILIDADE DA UTILIZAÇÃO DO ECOSSISTEMA DOS CERRADOS PARA A PRODUÇÃO AGROPECUARIA, COMO FORMA DE ATENUAR O PROBLEMA DA FOME NACIONAL.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • ABSOLUTA INDISPENSABILIDADE DA UTILIZAÇÃO DO ECOSSISTEMA DOS CERRADOS PARA A PRODUÇÃO AGROPECUARIA, COMO FORMA DE ATENUAR O PROBLEMA DA FOME NACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 28/01/1999 - Página 2281
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • CRITICA, CAMPANHA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), OPOSIÇÃO, UTILIZAÇÃO, CERRADO, PRODUÇÃO.
  • DEFESA, AGROPECUARIA, CERRADO, ESPECIFICAÇÃO, CULTIVO, SOJA, ALIMENTOS, COMBATE, FOME, BRASIL, MUNDO, AUMENTO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.
  • DEFESA, OCUPAÇÃO, CERRADO, COMBATE, EXODO RURAL, ALTERNATIVA, DESMATAMENTO, FLORESTA AMAZONICA.

O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em sucessivos discursos pronunciados nos dias 2, 9 e 20 de janeiro, discuti a questão da ocupação humana dos cerrados brasileiros, a sua enorme potencialidade para a produção de alimentos - notadamente grãos, a carne bovina, de aves, de suínos, não esquecendo a viabilidade da produção de frutas e de fibras (algodão).  

Abordei, Sr. Presidente, a questão do chamado terceiro setor ou o papel das Organizações Não-Governamentais, ONG’s, contrapondo-se à utilização dos cerrados, conforme a denúncia feita pelo engenheiro agrônomo Ady Raul da Silva, PhD e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, em referência à "Campanha Contra o Uso dos Cerrados" que é feita de forma sistemática por ambientalistas, filiados ou não às ONG’s.  

Hoje, Sr. Presidente, faço uma súmula das idéias por mim colocadas, enfocando, primeiro, a absoluta indispensabilidade da utilização do ecossistema dos cerrados para a produção agropecuária; segundo, contribuir para promover a ocupação dos vazios demográficos, evitando ou minimizando a corrida de populações rurais para os grandes centros e, terceiro, construir um horizonte de proteção para a Floresta Amazônica.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na primeira quinzena de dezembro de 1998, esteve em São Paulo o economista americano Steve Sonka, especialista em soja e diretor do Laboratório Nacional de Pesquisas da Soja, nos Estados Unidos. Sonka aqui esteve para dar início à divulgação do "Global Soy Forum" , evento programado para agosto de 1999, em Chicago, EUA.  

O economista americano Steve Sonka, em entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo , no dia 15 de dezembro, dizia que o volume de farelo de soja para a alimentação animal representa, nos dias de hoje, mais de 90% de toda a produção mundial de soja. Mas, prospectivamente, no horizonte dos próximos 30 anos, dizia Sonka: "... veremos que existe uma grande parte do mundo cuja população vem aumentando e cuja dieta, por motivos culturais, não estará baseada em proteína animal". Mais adiante em sua entrevista, dizia o economista americano: "O alto teor de proteína, além de outras características nutricionais e até medicinais podem fazer da soja uma das soluções para alimentar a crescente população mundial".  

As afirmativas feitas em nossos discursos a respeito do fabuloso potencial produtivo da soja nos cerrados brasileiros e dos enormes espaços geográficos disponíveis no Brasil, já haviam sido enaltecidas pelo Dr. Alberto Duque Portugal, Presidente da Embrapa, em entrevista concedida à Gazeta Mercantil de 5 de novembro de 1997. A importância do que disse então o presidente da Embrapa cresce e ganha maior relevância quando se discute a " Campanha Contra o Uso dos Cerrados" alardeada por ambientalistas e ONG’s.  

Disse Dr. Alberto Duque Portugal: "A viabilização da agricultura nos cerrados tem sido considerada a mais importante revolução agrícola das últimas décadas, pois representa um movimento inverso do que se observa em muitas regiões, ou seja, a transformação de terras improdutivas em terras produtivas".  

Um outro americano, cientista de política agrícola, o professor de economia Edward Schuh, que fortemente contribuiu para a estruturação da economia agrícola brasileira, vinculado à criação da Embrapa e professor-orientador das teses de alguns de nossos principais especialistas em agricultura, afirmou em uma entrevista concedida à revista Agroanalysis, de janeiro de 1996: "A vantagem da agricultura, enquanto setor estratégico para o desenvolvimento, é que sua produção forma uma cesta de produtos consumida por todos. Todo mundo come, todo mundo se veste... A queda dos preços agrícolas favorece a todos. Para uma mesma renda, uma queda nos preços desses produtos representa um aumento da renda per capita . Portanto, modernizando a agricultura e produzindo a queda de preços dos alimentos básicos, produz-se um aumento de renda per capita em base bem ampla".  

O ano de 1993, Sr. Presidente, deveria ter ficado marcado para sempre na história das políticas sociais do Brasil. O fato mais notável foi o início da "Ação da Cidadania Contra a Miséria e pela Vida", que conscientizou (será que conscientizou mesmo?) a opinião pública sobre a perversa situação social do país. A proposta do Partido dos Trabalhadores (PT) feita ao Governo no sentido de criar um conselho que cuidasse da questão alimentar foi aceita pela Presidência da República. Foi convidado o sociólogo Herbert de Souza (o Betinho) para coordenar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar-CONSEA.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para se conhecer a dimensão da miséria, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA foi encarregado de mapear a população em piores condições de insuficiência alimentar, e encaminhar propostas de programas sociais que tratassem da questão de forma emergencial. O quadro revelado pelos estudos do IPEA é chocante: nada menos de 31.679.096 pessoas- o equivalente à população argentina - enfrentam diariamente o problema da fome.  

É justo, é razoável preocuparmo-nos com a alimentação de populações de outros países, de outras regiões do mundo, quando trinta e dois milhões de brasileiros passam fome? O certo, Sr. Presidente, é que as informações que ora apresento reforçam a defesa da ampla e irrestrita utilização dos cerrados brasileiros. Produzir alimentos - soja, milho, carne bovina, suína e de aves, frutas e, produzir fibras - para satisfazer ou no mínimo aliviar a fome e vestir os milhões de excluídos, do Brasil e do Mundo.  

Segundo, contribuir para promover a ocupação dos vazios demográficos das regiões dos cerrados brasileiros, uma faixa de terras que, saindo da mesorregião sul do Maranhão , passa pelo leste paraense (Município de Marabá), oeste da Bahia (região de Barreiras), alcançando o noroeste de Mato Grosso e sudeste de Rondônia. Essa ocupação possibilitaria descomprimir o intenso processo de urbanização que transformou o Brasil Rural em Brasil Urbano, com mais de 75% da população vivendo em aglomerados, às vezes sem as mínimas condições de geração de emprego-renda e criando uma geração de marginalizados, de excluídos.  

O exemplo já discutido em nosso discurso do dia 20 de janeiro, quando descrevemos o que ocorreu ao longo da estrada que interliga Goiânia-Cuiabá, é bem o exemplo do que deverá acontecer, já esta acontecendo, nas áreas de cerrados que tem como pólo produtivo-industrial-comercial o Município de Barreiras, no oeste da Bahia, Balsas na mesorregião sul do Maranhão e Rondonópolis/Sapezal, na Chapada dos Parecis, em Mato Grosso.  

Apenas para refrescar as mentes, o Município de Rio Verde, assentado em região de cerrados, desenvolveu-se às custas da pecuária de corte, seguida da instalação da cultura da soja, que, na safra 1997/98, plantou 447 mil hectares; com milho, plantou 48 mil hectares; com arroz, 11 mil hectares e, com algodão, 101 mil hectares.  

A verticalização da produção começou há algum tempo com a industrialização dos produtos agropecuários. Reproduzindo estatísticas proporcionadas por artigo do engenheiro agrônomo Ady Raul da Silva, a Perdigão Agroindustrial construiu instalações para abater 280 mil aves e 3,5 mil suínos por dia, num total de 150 mil toneladas de carne processada, por ano. A Gessy Lever, fabricante dos produtos Cica, à base de tomate, pretende industrializar 75 mil toneladas anuais de derivados de 250 mil toneladas de tomate.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, somente essas duas fabricas promoveram a geração de 17,5 empregos diretos e indiretos, para os próximos cinco anos. A população do município deverá passar de pouco mais de 100 mil habitantes para mais de 200 mil habitantes, no mesmo período. O mais importante a assinalar é que a cidade de Rio Verde já conta, graças à utilização dos cerrados, com um bom padrão de vida de seus munícipes, que já estudam em escolas primárias, secundárias, técnicas e até de ensino superior.  

As regiões de cerrados, centradas em Barreiras, na Bahia, e em Balsas, na mesorregião sul do Maranhão, já estão vivenciando modificações assemelhadas às que viveu Rio Verde. Adiante-se que os sistemas de escoamento da produção por rodovias e ferrovias nas duas regiões já proporcionam boas condições. As regiões já contam com o suprimento de energia hidrelétrica e estão com um forte sistema de agrocomercialização e industrialização implantado, e se aperfeiçoando a cada ano.  

A vantagem relativa para a ocupação dos cerrados - preços das terras mais baratos e estoque de terras disponíveis em grandes extensões - esbarram em algumas limitações, que o Governo Fernando Henrique Cardoso busca solucionar, atuando na melhoria da infra-estrutura. Hoje, com o Programa "Brasil em Ação", estão em execução obras necessárias à conclusão e melhoria dos diversos corredores multimodais para escoamento da produção.  

O corredor noroeste, com os portos de Porto Velho, Rondônia e Itacoatiara, Amazonas, já está em operação desde a safra 1996/97 (escoadas 350 mil toneladas de soja) e, na safra 1997/98 assegura a exportação de pouco mais de 600 mil toneladas.  

O corredor centro-norte, interliga parte dos cerrados centrais e setentrionais, com mais de 80 milhões de hectares, abrangendo todo o Estado de Tocantins, sul do Maranhão e Piauí, e sudeste do Pará.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, novamente, volto ao tema da luta e pertinácias dos ambientalistas e integrantes das Organizações Não-Governamentais. São, via de regra, inteligentes, formulam estratégias invejáveis, sabem como influenciar entidades respeitáveis, adoram e se realizam ao falar a respeito do homem, da fauna e da flora. E, o mais importante, entendem muito de comunicação e mais ainda de contra-informação. Por muitos produtivistas radicais são chamados de "verdes", uma espécie predadora que usa a ingenuidade dos bem-intencionados para preservar oligarquias bem estabelecidas, preservar seu próprio ambiente do perigo que o Brasil representa na competição geoeconômica mundial.

 

Para o caso da construção de estradas, indispensáveis para a circulação da produção e insumos e, mais importante ainda, para a construção de formas multimodais , como as hidrovias articuladas com rodovias e ferrovias, a toda hora tem que se debater o poder público, em lutas encarniçadas com os ambientalistas.. Mas no governo existe uma arma eficiente para desmascarar as intenções, nem sempre defensáveis, dos ambientalistas travestidos de associados de ONG’s. Essa arma, Sr. Presidente, é chamado de EIA-Estudo de Impacto Ambiental e RIMA-Relatório de Impacto no Meio Ambiente.  

Sem que esse estudo seja previamente realizado, divulgado, discutido em audiências públicas pela sociedade, analisado e aprovado pelo Ibama, nos dias atuais, nenhum projeto de transporte, seja rodoviário, ferroviário, hidroviário ou portuário, pode ser executado no Brasil. Um bom exemplo disso é o EIA-RIMA da Hidrovia Araguaia/Tocantins, que já está pronto desde 1997. Uma grande equipe, equipe interdisciplinar, composta de antropólogos, biólogos, geólogos, engenheiros civis, advogados, engenheiros agrônomos, médicos, veterinários, engenheiros florestais e até um arqueólogo completaram o grupo de trabalho.  

O grupo de trabalho pesquisou a influência na vida das nações indígenas, acompanharam a vida e a reprodução de peixes, de animais e plantas de importância para a vida das populações indígenas, nas mais variadas épocas do ano. Uma próxima etapa, já iniciada, se passará à sua divulgação, discussão em audiências públicas, análise e aprovação pelo Ibama. Ultrapassadas essas etapas, poderá o governo iniciar as obras. Tudo correndo bem, espera o Ministério dos Transportes que por volta do ano 2000 estarão concluídas.  

Os impactos ambientais existiram, existem e existirão no processo de desenvolvimento de um país. Entendemos que é preciso preservar e ou conservar a natureza. Sem a flora e a fauna, o homem não existe. O homem precisa da flora para assegurar o suprimento da água. Sem água, não há vida. Mas para melhorar a sua qualidade de vida o homem precisa que o progresso e a preservação do meio ambiente caminhem juntos.  

Uma proposta que não posso deixar de referir é a que o Governo do Estado da Bahia, via Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária e Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola S/A, está se propondo efetivar um projeto de Zoneamento Sócio-Econômico-Ecológico do Oeste da Bahia, numa área de aproximadamente 11 milhões de hectares, numa escala de trabalho de 1:100.000 (1cm = 1000 metros). O Zoneamento se constituirá o mais importante instrumento de ordenamento e gestão da ocupação espacial da região, abrangendo aspectos técnicos e políticos, materializados na otimização do uso espacial para ações antrópicas diversas, preservação de áreas e articulação das intervenções públicas.  

O Governo do Estado da Bahia intenciona sufragar os gastos, preliminarmente estimados em US$20 milhões, com recursos do Estado.  

Terceiro, "a ocupação dessa espantosa fronteira agrícola, em que se constituem os cerrados, apresenta-se como uma alternativa para evitar a abertura de áreas em outras regiões, inclusive a Amazônia, ainda pouco conhecida e de vocação predominantemente agroflorestal", disse o presidente da Embrapa, Dr. Alberto Duque Portugal, em seu artigo publicado na Gazeta Mercantil de 5 de novembro de 1997.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao concluir não poderia deixar de centralizar o foco dos meus discursos na questão da produção de alimentos e na tratativa de atenuar, se não aplacar a fome nacional e mundial. A melhor forma de deixar uma mensagem final foi a de falar com o sentimento do poeta Manoel Bandeira, expresso na poesia, "O Bicho":  

Vi ontem um bicho  

Na imundície do pátio  

Catando comida entre os  

detritos. 

Quando achava alguma  

coisa,  

Não examinava nem  

cheirava: 

Engolia com voracidade.  

O bicho não era um cão,  

Não era um gato,  

Não era um rato.  

O bicho, meu Deus, era um homem".  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/01/1999 - Página 2281