Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE MUDANÇAS NA RELAÇÃO DO SER HUMANO COM O MEIO AMBIENTE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • NECESSIDADE DE MUDANÇAS NA RELAÇÃO DO SER HUMANO COM O MEIO AMBIENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 29/01/1999 - Página 2397
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • DEFESA, PRESERVAÇÃO, BIODIVERSIDADE, CUMPRIMENTO, OBJETIVO, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, ADESÃO, BRASIL, AMBITO, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92).
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, EDUCAÇÃO, ECOLOGIA, POPULAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, PARQUE, RESERVA BIOLOGICA, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, ADOÇÃO, POLITICA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a biodiversidade é a expressão múltipla e multifacetada do espetáculo da vida no planeta Terra. Difícil é, diante dela, conter a admiração; impõe-se, no entanto, mais que isso, tomar consciência dos efeitos da ação humana sobre o destino das demais espécies vivas, para que se possa, enquanto há tempo, alterar substancialmente a relação dos seres humanos com o meio ambiente.  

A diversidade biológica compreende a variedade das espécies da fauna, da flora e de microrganismos, juntamente com a variedade genética dentro das espécies e populações. Abrange ainda a multiplicidade de comunidades, habitates e ecossistemas formados pelos organismos.  

A biodiversidade é fundamental para o equilíbrio e estabilidade dos ecossistemas. Reveste-se, ainda, de imensa significação econômica para o ser humano, que se estende das práticas tradicionais que fazem uso dos recursos biológicos, como o extrativismo vegetal e animal e a agropecuária, até utilizações cujo potencial mal começa a se avaliar, como as relacionadas aos recentes avanços da biotecnologia. É enorme a importância para o bem-estar da humanidade de fenômenos naturais tais como a regulação da composição química da atmosfera e do clima ou a absorção e reciclagem de resíduos, entre tantos outros dos quais mal tomamos consciência enquanto fatores econômicos. Um grupo de cientistas de vários países, coordenado por Robert Costanza, procurou inferir o valor anual dos serviços prestados pelos sistemas ecológicos, correspondente ao que seria necessário prover com ações humanas para substituí-los, chegando, assim, a uma estimativa média de 33 trilhões de dólares por ano, quase o dobro do Produto Bruto Mundial.  

Embora essa abordagem puramente econômica apresente considerável relevância, é certo que a importância da biodiversidade é, antes de tudo, imanente, está nela mesma, sem necessidade de outra justificação, cabendo à espécie humana a grande responsabilidade de zelar para que seja preservada, uma vez que a nossa é a única espécie capaz de reduzir drasticamente a biodiversidade, o que de fato ocorrerá, caso não haja significativas mudanças em seu comportamento.  

O Brasil é o primeiro país signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB, a qual foi aprovada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em junho de 1992. A Convenção entrou em vigor a partir de 29 de dezembro de 1993, data em que se passou a comemorar o Dia Mundial da Biodiversidade, sendo a adesão brasileira ratificada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 2 de 1994.  

A Convenção sobre Diversidade Biológica, já ratificada por mais de 120 países, traz importantes inovações em seus conceitos, objetivos e métodos. Em primeiro lugar, pretende abranger todos os componentes da diversidade biológica e não apenas alguns, estabelecendo como objetivos a conservação in situ e ex situ da biodiversidade, assim como a utilização sustentável dos seus recursos, com justa repartição dos benefícios resultantes. No que se refere ao modo de implementar tais objetivos, é fundamental a sua constatação dos papéis diferenciados que devem assumir os países ricos consumidores dos recursos da biodiversidade e os países que os mantêm e os fornecem, quase todos em processo de desenvolvimento. É importante que sejam partilhados não apenas os benefícios da utilização da biodiversidade, como também os altos custos de sua conservação. Os países desenvolvidos, portanto, devem assumir sua responsabilidade no financiamento das iniciativas que promovem a preservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, sem que isso implique – e este é outro princípio acertadamente adotado pela Convenção – que qualquer país alvo dessas iniciativas perca seu pleno direito à autodeterminação.  

É o Brasil o país que apresenta a maior diversidade biológica, compreendendo em torno de 10 a 20% de todas as espécies de vida no planeta. O Brasil possui o maior número de espécies vegetais: 55 mil ou 22% do total. Somos o terceiro país em número de aves (1.622), o segundo em número de anfíbios (517), o primeiro em número de mamíferos (524) e em peixes de água doce (mais de 3.000). O grau de endemismo da biodiversidade brasileira é também elevado: 25% dos vertebrados existentes no Brasil desenvolvem-se apenas em nosso território. Também é notável a variedade de ecossistemas existentes em terras e águas brasileiras.  

A dimensão da diversidade biológica no Brasil ainda é precariamente conhecida, havendo necessidade de um número muito maior de especialistas e de grupos de pesquisa para que possamos avaliá-la melhor, embora talvez jamais cheguemos a cabo de tal tarefa. Apenas no bioma do Cerrado, foram relatadas, na década de 1990, três novas espécies e um novo gênero de mamífero. Em uma coleta realizada recentemente nos afluentes do rio Arinos, na Bacia do Tapajós, 60% das espécies de peixes eram desconhecidas para a ciência. Para não falarmos nas milhares e milhares de espécies de insetos que esperam sua vez de ser catalogadas.  

A megabiodiversidade brasileira não deve tornar-se pretexto para algum tipo de ufanismo ecológico; significa, antes, uma grande responsabilidade para o nosso País, mesmo que essa responsabilidade possa e deva ser partilhada com outros países. Todos os principais biomas brasileiros defrontam-se com sérias ameaças a sua integridade. Da Mata Atlântica, onde iniciou-se o processo de ocupação predatória, conservam-se apenas 9% da área originária. A expansão agropecuária na área do Cerrado, acelerada nas últimas décadas, já acarretou a perda de 40% da vegetação natural. A Caatinga, cuja área remanescente corresponde a menos da metade da originária, começa a apresentar áreas de desertificação. Embora ainda disponha de 85% de áreas naturais preservadas, a Amazônia enfrenta uma taxa de desmatamento elevada, situada em torno de 0,5% ao ano, além dos problemas das queimadas, da exploração madeireira e dos danos do garimpo ao sistema aquático. Os ecossistemas da Zona Costeira e Marinha também deparam-se com várias ameaças, relacionadas à ocupação imobiliária e ao turismo desordenados, à sobrepesca e à poluição dos mangues e estuários. A lista oficial brasileira de espécies sob risco de extinção, elaborada pelo IBAMA, relaciona 100 espécies de plantas e 228 de animais.  

A consciência ecológica vem aumentando consistentemente em nosso País, podendo ser adotada como marco a promulgação da Constituição Federal em 1988, com todo um capítulo avançado e conseqüente sobre o Meio Ambiente. O compromisso de proteger a biodiversidade brasileira, de acordo com as diretrizes da CDB, vem orientando uma série de ações institucionais. Um conceito-chave para o desenvolvimento dessas ações é o de parceria, envolvendo tanto o Governo Brasileiro como o setor acadêmico e científico, organizações não governamentais ambientalistas e o setor empresarial privado, além de instituições de financiamento estrangeiras. Podemos ressaltar, nesse sentido, a criação do Programa Nacional da Diversidade Biológica – PRONABIO, com recursos do Governo Brasileiro e do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF), em cujo âmbito surgiram dois importantes projetos: o Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira – PROBIO e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade – FUNBIO, cada um deles apoiando iniciativas, julgadas prioritárias e consistentes, dos setores governamental, acadêmico e empresarial, bem como de ONGs.  

Ações das mais importantes para preservar a biodiversidade em seu estado natural, ou in situ , têm sido as de estruturar e manter o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, compreendendo unidades de proteção integral, a saber, os Parques Nacionais, as Reservas Biológicas, as Reservas Ecológicas, as Estações Ecológicas e as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as quais correspondem a 2,61% do território nacional; bem como unidades parcialmente protegidas, onde se admite a exploração controlada dos recursos naturais, representada pelas Áreas de Proteção Ambiental, as Florestas Nacionais e as Reservas Extrativistas, consistindo em 5,52% do território do País. Mais da metade dessa área protegida, alcançando 39 milhões de hectares, é constituída pelas Unidades de Conservação federais, correspondendo o restante aos sistemas estadual e municipal, bem como a unidades mantidas por empresas privadas, por organizações não-governamentais, por pessoas físicas, por universidades e institutos de pesquisa. Devemos ainda acrescentar a significativa área ocupada pela terras indígenas, estando já demarcadas, homologadas ou registradas 61 milhões de hectares, ou 7% do território brasileiro. E, por fim, as reservas florestais legais, área das propriedades particulares rurais onde deve ser mantida a cobertura vegetal nativa, correspondendo a 20% da área total das propriedades, exceto na Amazônia, onde a reserva de 50% foi ampliada, em 1996, para 80% da área total, por força de medida provisória.  

É evidente que a mera homologação dessas áreas de conservação e de posse indígena não assegura a preservação da biodiversidade, sendo necessário mantê-las permanentemente a salvo dos riscos de incêndios e de invasões motivadas por interesses econômicos, como as de garimpeiros e madeireiros, assim como controlar as atividades de utilização sustentável onde elas são permitidas.  

A visão puramente conservacionista não é suficiente para enfrentarmos a complexa problemática do meio ambiente nessa altura da história. Ao contrário, é preciso estender um ponto de vista ecológico ao conjunto das ações humanas, fazendo com que as diversas atividades econômicas pautem-se pelos princípios do não-desperdício, da reciclagem, da utilização racional e não-predatória dos recursos naturais, em suma, pela lógica do desenvolvimento sustentável. Assim é que uma política de manutenção da biodiversidade têm apresentado interfaces com as políticas para diversos setores econômicos, como o agrícola, o pesqueiro, o elétrico, o mineral e o turístico, traduzindo-se em diretrizes, restrições e normas para o desenvolvimento de suas atividades. A utilização sustentável dos recursos da biodiversidade não apenas garante a permanência de diversas atividades econômicas ao longo do tempo, como abre outras frentes e possibilidades de produção de riquezas. Citemos apenas a crescente importância do ecoturismo; a indústria químico-farmacêutica, cujos produtos derivados da diversidade biológica movimentam um valor estimado em US$ 200 bilhões por ano; e, ainda, a utilização de biotecnologias visando ao aumento da produtividade agrícola.

 

Não podemos paralisar as ações humanas, mas podemos e devemos modificá-las, garantindo um relacionamento harmônico com o meio ambiente. O quanto antes adotarmos estratégias de desenvolvimento sustentável melhor será para a preservação do tesouro, por definição inestimável, da diversidade dos seres vivos. O Brasil, que foi generosamente aquinhoado com uma magnífica biodiversidade, apenas começou a dar alguns importantes passos nesse caminho.  

Muito obrigado.  

 

# G


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/01/1999 - Página 2397