Discurso no Senado Federal

DISCURSO DE DESPEDIDA DE S.EXA.

Autor
Abdias Nascimento (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RJ)
Nome completo: Abdias do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • DISCURSO DE DESPEDIDA DE S.EXA.
Publicação
Publicação no DSF de 29/01/1999 - Página 2404
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • CONCLUSÃO, MANDATO PARLAMENTAR, ORADOR, REGISTRO, ATUAÇÃO, REITERAÇÃO, LUTA, BENEFICIO, NEGRO, BRASILEIROS, OPOSIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, AGRADECIMENTO, APOIO, SENADOR, PRESIDENTE, SENADO.

O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sob a proteção de Olorum, inicio este pronunciamento.  

Assumo hoje esta tribuna pela última vez, ao término de meu mandato nesta Casa, com a convicção do dever cumprido perante meus pares, e na certeza de ter honrado o legado que recebi do saudoso Professor Darcy Ribeiro. E, o que é para mim mais importante, perante a comunidade afro-brasileira, da qual o destino e a minha luta me tornaram representante num momento tão difícil como este que vivemos. Nesse período de dois anos, pude apresentar não apenas as reivindicações e denúncias emanadas dessa comunidade marcada por cinco séculos de exploração e injustiça, mas também projetos de lei visando superar os obstáculos impostos pelo racismo e pela discriminação, de modo a contribuir na construção de uma sociedade realmente justa, igualitária e fraterna.  

Mas minha palavra aqui hoje não é para reiterar a defesa intransigente da causa que represento. Quero, isto sim, deixar registrada a minha gratidão para com meus colegas de Senado, tantos dos quais aprendi a respeitar no exercício quotidiano da difícil atividade parlamentar, a qual se torna ainda mais árdua e muitas vezes frustrante para um ativista como eu, portador dos urgentes reclamos de um segmento secularmente excluído. Assim, por um lado, saio daqui traumatizado, não com meus colegas senadores, dos quais não levo qualquer mágoa pessoal, queixa ou lembrança negativa. Mas com a sistemática de funcionamento desta Casa, e do Parlamento como um todo, que dificulta o fluxo das idéias corporificadas em projetos de lei e, sobretudo, a concretização de iniciativas. Espero que, num futuro próximo, essa sistemática possa vir a ser alterada, de modo a ganhar rapidez e agilidade, permitindo que os anseios emanados do nosso povo possam traduzir-se em ações efetivas para o aperfeiçoamento de nossas instituições e a melhoria das condições de existência de nossa sociedade.  

Não poderia encerrar minha passagem pelo Senado sem registrar a minha especial gratidão aos colegas senadores que, dotados de maior experiência nos usos e modos desta Casa, tiveram a generosidade de colaborar comigo, tantas vezes ultrapassando as barreiras ideológicas ou partidárias. Quero agradecer de maneira especial ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, Senador Antônio Carlos Magalhães, em quem encontrei desde o início a simpatia e o estímulo que me facilitaram sobremaneira o exercício de minha árdua tarefa. Que as bênçãos de nossos orixás do panteão afro-baiano possam continuar a iluminá-lo na condução desta Casa, ajudando-o a superar os obstáculos desta hora de incertezas que o País atravessa.  

Quero estender minha palavra de gratidão a outros Senadores que contribuíram de maneira efetiva para que eu pudesse deixar esta Casa com a certeza do dever cumprido. Ao Senador Roberto Requião, cujo relatório favorável permitiu sobrevida ao polêmico, reconheço, projeto de lei que institui a ação compensatória aos afro-brasileiros pelos 500 anos de exploração e de racismo. Que ele consiga, como comigo se comprometeu, reapresentá-lo e aprová-lo na próxima legislatura, instituindo no Brasil um instrumento que tem servido, em tantas outras nações, para reparar injustiças e promover a integração social de grupos historicamente discriminados. Aos Senadores Bernardo Cabral e Josaphat Marinho, manifesto meu reconhecimento pelo empenho com que colaboraram para o aperfeiçoamento e a aprovação de meu projeto de lei referente à ação civil pública, contribuindo para dotar a comunidade afro-brasileira de uma ferramenta a um tempo prática e eficaz no combate às ofensas coletivas que atingem a nossa comunidade afro-descendente.  

Agradeço ainda o Senador Lúcio Alcântara, ardente defensor da causa dos remanescentes de quilombos; ao sempre solidário Senador Eduardo Suplicy, incansável advogado dos oprimidos de toda espécie; ao Líder do PDT, Senador Sebastião Rocha, cujo apoio de rocha nunca me faltou; ao Senador Romeu Tuma, com cuja solidariedade e simpatia sempre contei na Comissão de Relações Exteriores; e aos Senadores Esperidião Amin e Ronaldo Cunha Lima, em quem encontrei companheiros brilhantes no resgate do valor e da importância do poeta Cruz e Sousa, o qual conseguimos homenagear por meio de um bem-sucedido concurso de monografias.  

Por fim, gostaria de estender a todos os colegas Senadores o meu afeto e amizade, pois deles recebi tratamento temperado por compreensão e simpatia. Sei muito bem que minha rude defesa da causa afro-brasileira, sem concessões nem subterfúgios, pode até soar desagradável a uma sociedade educada numa retórica racial melíflua e edulcorada. Espero, contudo, que minhas palavras tenham contribuído para lhes abrir a consciência a uma realidade que muitos prefeririam manter oculta sob o manto confortável da "democracia racial". Se isso de fato aconteceu, é a justificação da minha presença nesta Casa. Meu registro emocionado de despedida aos companheiros do PDT, senadoras Júnia Marise e Emilia Fernandes, assim como a esse valente grupo da oposição com destaque para os senadores José Eduardo Dutra, Lauro Campos e Antonio Carlos Valadares e essa queridíssima Marina Silva.  

Mas advirto que não estou aqui dizendo adeus às armas. Apenas mudo de trincheira. Pois a luta por meus irmãos de origem, luta por direitos humanos, tem sido o compromisso de toda a existência deste militante. Agora, no Governo de Anthony Garotinho, na Vice-Governadoria de Benedita da Silva, nossa guerreira ex-Senadora, cujas calorosas palavras de boas-vindas me serviram de inspiração nestes dois anos de Senado, assumo a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e da Cidadania do Rio de Janeiro.  

Que Olorum, o Ser Supremo, também chamado pelo nome de Deus, Alá, Jeová, Tupã e tantos outros nas diferentes culturas e religiões humanas, possa despejar suas bênçãos sobre este Senado, na atual e nas futuras legislaturas, inspirando seus membros na difícil tarefa de fazer do Brasil um País próspero, estável, fraterno e igualitário.  

Axé, Senado Federal!  

 

FONqj


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/01/1999 - Página 2404