Pronunciamento de Sandra Guidi em 29/01/1999
Discurso no Senado Federal
REFLEXÃO SOBRE A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO NO PAIS, POR OCASIÃO DE SUA DESPEDIDA DO SENADO FEDERAL.
- Autor
- Sandra Guidi (PPB - Partido Progressista Brasileiro/SC)
- Nome completo: Sandra Zanatta Guidi
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
EDUCAÇÃO.:
- REFLEXÃO SOBRE A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO NO PAIS, POR OCASIÃO DE SUA DESPEDIDA DO SENADO FEDERAL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 30/01/1999 - Página 2563
- Assunto
- Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. EDUCAÇÃO.
- Indexação
-
- DESPEDIDA, ORADOR, SENADO, OPORTUNIDADE, ANALISE, RELEVANCIA, EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
A SRª SANDRA GUIDI
(PPB-SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição, o Poder Público desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores organizados da sociedade e com a aplicação de, pelo menos, 50% dos recursos a que se refere o artigo 212 da Constituição, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental.
Nesta minha despedida do Senado, quero referir-me à questão fundamental para o desenvolvimento do País, a educação. É por meio da educação, é por esse caminho que poderemos conseguir melhores dias para a nossa gente do Brasil.
Assim estava escrito no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Eu disse "estava", porque já não é mais assim. Ante o descaso e o puro desrespeito à norma estabelecida por parte dos governos que se sucederam desde 88, essa é hoje uma letra morta, não só por não ter sido cumprida, mas também por ter sido simplesmente eliminada da Lei Magna em razão das modificações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996.
Se essa determinação tivesse sido cumprida, hoje não teríamos mais analfabetos no Brasil. Entretanto, eles ainda se contam aos milhões, ultrapassando a casa dos 14% da população com idade superior a 14 anos - mais de 15 milhões de pessoas, para as quais letras e números são apenas garranchos indecifráveis.
Esse fato mostra a falta de interesse pela educação em nosso País; mostra que não existe ainda o sentimento e a convicção de que a educação é um dos pilares do bem-estar e da realização da pessoa humana, de que a educação é necessidade básica e de que a educação é essencial para o desenvolvimento do País e para a formação da nacionalidade. Este fato reflete também o desconhecimento de que uma educação deficiente é fator de isolamento e exclusão das pessoas - não só das pessoas, também das nações.
As nações que pouco valor dão à educação isolam-se também das demais. Os fatos estão a demonstrar que os países mais desenvolvidos e que dão as cartas no transcurso da história são justamente aqueles que deram prioridade à educação, colocando a educação do seu povo como prioridade, e que estão, principalmente, preocupados com a qualidade da educação oferecida.
Quando se analisa a educação no Brasil, não há como não se defrontar com a baixa qualidade. Dois fatores são determinantes para que isso ocorra: a formação dos professores - refiro-me a uma formação permanente, a uma capacitação continuada - e a baixa remuneração do professor no Brasil. Em que pesem avanços significativos ocorridos recentemente, a formação dos professores continua a ser causa forte da má qualidade do nosso ensino.
De acordo com o mais recente Censo do Professor, feito em 1997, ainda existem no Brasil 114 mil professores leigos, sem a menor qualificação para o exercício do magistério. Desses, 60 mil nem sequer completaram o ensino fundamental. Isso significa que estamos confiando a educação a pessoas que não têm a qualificação necessária para propiciar, de fato, a qualidade que se quer para a educação oferecida às crianças brasileiras.
No cômputo geral das profissões, o magistério não aparece como uma profissão atrativa e essa é uma das questões fundamentais da educação no Brasil. Hoje, em decorrência da baixa remuneração e da pouca atenção que se dá à educação, nem sempre são os estudantes mais brilhantes ou com a melhor formação secundária que procuram os cursos destinados ao magistério. Em geral, mesmo depois de formados, aqueles que se sobressaem procuram outros rumos que não a sala de aula. Essa não é uma regra geral, absoluta, mas é uma tendência. Faço a ressalva, porque existe um número significativo de bons mestres que se dedicam à profissão de corpo, alma e mente. No entanto, têm ido para o magistério atualmente estudantes que não se adaptam em outros setores da economia.
Na medida em que a carreira do magistério deixa de ser atraente, muitos profissionais a deixam e inúmeros estudantes a evitam, abrindo espaço para que indivíduos menos habilidosos ou preparados ocupem esse espaço, tornando difícil uma melhoria na qualidade da educação no Brasil.
No princípio deste meu pronunciamento, eu falava de um dispositivo constitucional que foi alterado para justificar o seu não-cumprimento. Estabelecer em lei obrigações ideais e muito ambiciosas, porém inexeqüíveis na prática do nosso dia-a-dia, parece ser uma mania nacional. A nova Lei de Diretrizes e Bases da educação prevê, em seu art. 62, que:
...a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de duração plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal.
Essa mesma lei instituiu a Década da Educação, a ter início um ano após a sua publicação, ao cabo da qual "somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço".
De acordo com estudo elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do MEC, o Inep, um grande desafio a ser equacionado nos próximos dez anos para satisfazer a exigência da LDB é promover a melhoria do perfil da escolaridade do magistério. De acordo com o Censo do Professor, a que já aludimos, mais da metade dos professores da educação básica não possui curso superior completo. "Para se ter uma idéia do esforço demandado", conclui o estudo, "basta considerar que, para atingir a meta estabelecida pela LDB deverão ser formados a cada ano cerca de 100 mil professores em nível superior durante a próxima década".
Quem bem conhece as condições brasileiras e a maneira como agem nossos governantes, bem sabe que esse é mais um dispositivo a ficar não por uma década, mas por várias no campo das boas intenções - a não ser que, antes do prazo final, o dispositivo seja alterado ou suprimido por lei.
Outra causa a influir negativamente na qualidade do ensino é a remuneração dos professores. Não há como exigir que profissionais mal pagos trabalhem com eficiência e dedicação - tal afirmação se aplica aos professores do Brasil.
Na estrutura geral do serviço público brasileiro, a educação é a irmã pobre da qual sempre se acha que se pode tirar mais uma fatia de recursos. Na planilha geral de salários, os dos professores nunca estão entre os mais elevados.
Segundo dados publicados pelo Inep em janeiro deste ano, relativos à remuneração paga pela União, por Estados e Municípios, há ainda muitos docentes brasileiros que recebem remuneração inferior a R$100,00. Isto é uma calamidade para o Brasil, é uma vergonha para o Brasil. Enquanto os professores não tiverem uma boa remuneração, a qualidade da educação continuará prejudicada.
Não bastam as leis que estão sendo feitas desde a edição da LDB, desde a elaboração da Constituição Federal; não bastam leis modernas para garantir a qualidade do ensino. É preciso pensar também na remuneração do professor.
Segundo Paulo Speller, responsável pelo Programa de Formação de Professores da Universidade Federal do Mato Grosso, "a única maneira de tornar consistente o esforço pela melhoria da educação no País é por meio de um choque salarial, para tornar o magistério público uma carreira interessante também para aquelas pessoas que têm um melhor nível social e cultural". Só assim, o ensino poderá contar, como almeja a Professora Eurides Brito, hoje Secretária de Educação do Distrito Federal, com professores e especialistas que possam se destacar nas discussões multidisciplinares. Que eles não sejam vistos mais como subprofissionais mas como competentes profissionais da educação.
É preciso que o esforço nacional em prol da melhoria do ensino seja incrementado. Como já falei, não bastam apenas as leis modernas e as reformulações do ensino que estão acontecendo. Enquanto não se pensar na questão da remuneração do professor, com certeza a qualidade da educação no País vai deixar a desejar.
A Década da Educação não pode chegar ao seu término, em 2007, com resultados apenas normais. É preciso que haja um suplantar de expectativas, porque as circunstâncias assim o requerem. A inserção sempre crescente do Brasil no contexto global das nações está a exigir um nível cada vez mais elevado de educação do nosso povo. É por aí que a cidadania se manifesta, a democracia se consolida e o desenvolvimento avança.
Ao me despedir do Senado quero, como já havia dito, falar sobre essa questão importante e fundamental da educação, que é a questão da remuneração do professor, e quero também aproveitar a oportunidade para agradecer o convívio que tive nesta Casa, o aprendizado que construí, a fraternidade que tive nesse tempo que pude conviver com as Srªs e Srs. Senadores aqui no Senado Federal.
Mas quero deixar como mensagem, como lembrança essa questão do professor, que considero fundamental para o desenvolvimento do País, principalmente nesse momento de grave crise econômica que estamos sofrendo. É preciso pensar em alternativas para a nossa economia, para o desenvolvimento econômico, mas também é preciso pensar que sem uma educação de qualidade para o brasileiro não poderemos caminhar muito longe.
Era o que eu tinha a dizer.
Muito obrigada, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.
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