Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES AS MEDIDAS DE RETALIAÇÃO TOMADAS PELO MINISTRO DA FAZENDA CONTRA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, COM A SUSPENSÃO DE FINANCIAMENTOS.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA.:
  • CONSIDERAÇÕES AS MEDIDAS DE RETALIAÇÃO TOMADAS PELO MINISTRO DA FAZENDA CONTRA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, COM A SUSPENSÃO DE FINANCIAMENTOS.
Publicação
Publicação no DSF de 30/01/1999 - Página 2554
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, INJUSTIÇA, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), SUSPENSÃO, CANCELAMENTO, CONTRATO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, AMBITO INTERNACIONAL, FINANCIAMENTO, REPASSE, RECURSOS, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DIALOGO, REUNIÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNADOR, BUSCA, ALTERNATIVA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, FINANÇAS, ESTADOS.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, mais precisamente no dia 22, usei a tribuna para tratar de um assunto que tomou de surpresa a sociedade brasileira e, em especial, o povo gaúcho, que represento nesta Casa. Refiro-me às medidas de retaliação e de represália tomadas pelo Ministério da Fazenda ao Estado do Rio Grande do Sul e a Minas Gerais - mas falo particularmente em relação ao nosso Estado - que previam a suspensão e o cancelamento de contratos, principalmente interferindo junto a instituições internacionais, a fim de que também praticassem retaliações em relação aos Estados citados.  

Ontem, para surpresa nossa e para repúdio de todo o povo brasileiro - tenho certeza -, em especial do Rio Grande do Sul, sentimos diretamente a primeira retaliação: o Banco Mundial comunicou aos Governos dos Estados de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul que, a partir de hoje, 29 de janeiro de 1999, estariam suspensos, por 60 dias, os contratos de financiamento e o repasse de recursos para projetos em andamento naqueles Estados.  

Diz a nota:  

"O Banco Mundial tem como prioridade máxima apoiar o desenvolvimento de seus países membros. As providências temporárias que estão sendo tomadas foram planejadas de modo a ter o menor impacto possível sobre os beneficiários dos projetos do Banco em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Contudo, por considerar a situação extremamente grave e para evitar maiores riscos para o Banco Mundial e para o Governo Federal, na condição de avalista dos Estados, ficam suspensos os seguintes projetos.  

Vejam, Srªs e Srs. Senadores, ficam suspensos os seguintes projetos - todos de áreas e setores importantes para os dois Estados. Foi cortado, no Rio Grande do Sul, o Programa Rodoviário do Estado do Rio Grande do Sul, num total de US$70 milhões. Foi cancelado temporariamente o repasse que ainda estava por ser desembolsado, na ordem de US$66,7 milhões. Há também no Rio Grande do Sul, o Projeto Pró-Rural 2.000, que necessita de um total de US$100 milhões - ainda falta repassar ao Estado US$89,5 milhões. Esse importante projeto iria beneficiar aproximadamente 100 pequenos agricultores do nosso Estado. Estava prevista a construção de centros de treinamento, silos, armazéns, enfim, alternativas no sentido de levar um pouco mais de fôlego aos pequenos produtores rurais, hoje profundamente massacrados por essa política econômica.  

Vejam, Srs. Senadores: US$156,2 milhões de repasse ao Rio Grande do Sul foram suspensos pelo Banco Mundial. Isso, sem dúvida, atrasará mais ainda os projetos daquele Estado, sacrificando aquela gente sofrida.  

De Minas Gerais, foram cortados recursos de melhoria à educação básica, pró-qualidade - vejam bem: área de educação e área social. No entanto, todos os dias, este Congresso e a sociedade clamam para que não haja interrupções e cortes nesses setores. Foram cortados, suspensos, US$21 milhões. Do Programa Qualidade Hídrica e Controle de Poluição de Minas Gerais, também vinculado à vida e à saúde das pessoas, foram cortados US$2,3 milhões. Do Programa de Saneamento Municipal, Organização e Modernização dos Municípios de Minas Gerais, também vinculados aos municípios, que hoje, num esforço quase sobre-humano, estão tentando sobreviver e levar obras e melhores condições de vida para as pessoas, foram temporariamente cortados US$ 29,4 milhões. São US$52,7 milhões que impedem que o Estado de Minas Gerais dê continuidade aos seus projetos, já em andamento.  

Continua a nota:  

Durante o período de suspensão, o Banco Mundial avaliará a situação dos Estados junto a seus respectivos Governos e acompanhará o desenrolar de suas relações com o Governo Federal. A suspensão poderá ser removida tão logo se verifique que um ou ambos os Estados encontram-se em condições de honrar os seus compromissos. Caso a situação perdure, a suspensão será renovada por mais 60 dias.  

Pelas mesmas razões, continua vigorando a suspensão de novos financiamentos nesses dois Estados anunciados anteriormente.  

Em primeiro lugar, Srªs e Srs. Senadores, a nota divulgada pelo Ministério da Fazenda que o próprio Presidente da República disse desconhecê-la, e isso é grave - demonstra claramente que estamos vivendo um momento dos mais raros. Nem mesmo no tempo da ditadura isso acontecia, porque naquela época os presidentes decidiam e mandavam neste País. Atualmente, um Ministro da Fazenda vem dos Estados Unidos, com uma nota já redigida, tomar decisões. Isso significa que há dois canais de comunicação: um, sob orientação direta do Presidente da República, que constantemente diz que quer o diálogo, que quer o entendimento - inclusive marcou reunião com os Governadores de Situação e até de Oposição para os dias 8 e 9 de fevereiro. Mas há um outro canal institucionalizado que ouve os Estados Unidos, ouve o FMI e obedece às orientações do Presidente daquele País. É impossível que se continue agindo com dois pesos, duas medidas e dois canais; é impossível que se continue jogando os Estados numa situação de inadimplência e de empobrecimento, como já fizeram; e o mais grave: passando uma imagem equivocada para a opinião pública.  

O Rio Grande do Sul não está inadimplente, está com todas as suas dívidas e compromissos em dia. Decidiu recentemente depositar em juízo a primeira parcela de uma dívida vencida, mas sem a intenção de deixar de pagá-la. O Estado objetivou, por intermédio de um espaço democrático e constitucional, abrir caminho para a negociação. Nunca o Estado disse que não pagará. O Rio Grande do Sul quer mostrar ao Governo que o compromisso de 13% da receita líquida do Estado é inviável para que ele dê continuidade às suas obras de desenvolvimento e busca de geração de emprego, tão necessárias neste momento.  

Sr. Presidente, Srs. Senadores, a medida efetivada, pedida, exigida pelo Ministério da Fazenda aos organismos internacionais em relação ao Rio Grande do Sul e a Minas Gerais não demonstram que a União trata os Estados como seus filhos queridos. Parece-me que a União os trata como bastardos, pois são desrespeitados e não são valorizados.  

Esse corte é uma medida incorreta, injusta, porque sabemos das intenções do Rio Grande do Sul. Posso até falar por Minas Gerais, que nunca afirmou que não queria pagar. Querem, sim, encontrar uma maneira que esteja ao seu alcance para honrar seus compromissos. O mais grave de tudo isso é que se trata de uma sugestão do próprio Governo brasileiro, que não protege, que não defende, que não valoriza, que não respeita os seus Estados; simplesmente busca o confronto e caminha na direção do impasse.  

Sr. Presidente, Srs. Senadores, é bem-vinda a notícia da marcação da reunião do Presidente da República com os Governadores no próximo dia 9. Esse encontro precisa realmente acontecer para que o Governo desça do seu pedestal de autoritarismo e tenha um pouco de sensibilidade para ouvir os governantes eleitos pelos Estados, a fim de que conheça a realidade e faça uma opção clara: se será a voz do Presidente, o desejo de diálogo do homem com origens na esquerda que se vai sobrepor para decidir o destino econômico e social do País, ou se serão as interferências externas que dominarão as decisões daqui para a frente.  

Ao mesmo tempo em que se diz que haverá diálogo, surgem notícias extremamente graves, que comprometem profundamente a imagem do Governo brasileiro. Dizem os jornais que o Presidente Fernando Henrique pretende encaminhar ao Congresso Nacional uma nova proposta de reforma da Previdência Social, como se não bastasse tudo o que já foi feito, todos os direitos que foram tirados dos trabalhadores, funcionários públicos e aposentados, profundamente penalizados. Dizem ainda que há o risco de se chegar à privatização do Banco do Brasil, da Petrobrás, da Caixa Econômica Federal e das empresas de energia elétrica que ainda restam.  

Realmente, terminando de destruir o patrimônio nacional sem reduzir um tostão da dívida brasileira - ao contrário, durante o Governo de Fernando Henrique ela aumentou de U$80 bilhões para U$400 bilhões -, percebemos que o objetivo dessa política é impor aos trabalhadores da iniciativa privada medidas profundamente injustas, pois a nova proposta da previdência pretenderia aumentar a idade mínima para aposentadoria. Não estão satisfeitos com os cinco anos de diferença para a aposentadoria de homens e mulheres, estabelecidos pelo Congresso Nacional. Esse não é um privilégio ou benefício que dão às mulheres, mas um resgate da dívida social que com elas o País tem, pela discriminação e exploração constante que sofrem, seja no mercado de trabalho ou no seu dia-a-dia.  

Tais medidas não foram aprovadas pelo Congresso Nacional. Segundo divulgam os meios de comunicação, o Governo segue orientações e sugestões do presidente americano, Bill Clinton, o que seria um acinte, uma provocação, uma ingerência que só teve precedentes no período dos golpes militares e que, apesar disso, ao assumirem alguns presidentes fizeram valer suas posições - embora de forma ditatorial.  

Precisamos dizer se queremos que se continue caminhando por esses dois canais existentes no País ou se o Presidente da República deve chamar a sociedade, os empresários, os trabalhadores e o Congresso Nacional para discutir uma saída urgente para a situação econômica em que o País se encontra. A sociedade, Sr. Presidente, depois do estelionato eleitoral praticado, não está mais disposta a pagar sacrifícios em vão, sob a promessa da baixa dos juros, que não acontece - pelo contrário, eles só aumentam -, e da melhoria das condições de vida, que só se agravam com o desemprego e o arrocho salarial.  

A submissão ao FMI e, agora, às ordens diretas do governo americano e do seu presidente, mostram que o atual Governo perdeu completamente a autoridade perante o mundo e, especialmente, perante a sociedade brasileira. Ao povo brasileiro, às autoridades públicas, sindicais, empresarias, populares e ao Congresso Nacional cabe tomar as rédeas da Nação, exigir um novo rumo para o País, romper de imediato com a atual política de rendição aos especuladores internacionais, resgatar a soberania nacional e adotar novas bases para a economia, com desenvolvimento, geração de empregos e valorização dos trabalhadores.

 

Apelamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao Presidente da República para que essa reunião, no dia 9 de fevereiro, onde, tenho certeza, estarão os três Governadores dos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Alagoas, definidos por sete Governadores em Belo Horizonte, recentemente - não seja apenas formal e para que a sociedade brasileira acredite que há diálogo, ou que se busca o diálogo. Vamos construir alternativas para que sejam suspensas medidas como essas, que cada caso seja estudado em separado, porque o Rio Grande não está inadimplente, e há outros Estados na mesma situação. Então, que não se aja de forma injusta, pois não podemos penalizar o povo por escolher Governos de Oposição, contrariando o desejo do Presidente da República.  

Eram as considerações que tinha a fazer, Sr. Presidente, na obrigação de esclarecer e defender os interesses do Estado que represento nesta Casa, o Rio Grande do Sul.  

Muito obrigada.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/01/1999 - Página 2554