Discurso no Senado Federal

PERPLEXIDADE, INCERTEZA E INSEGURANÇA QUANTO AO FUTURO DO PAIS, DIANTE DA PRESENTE CRISE ECONOMICA, RESSALTANDO SUAS IMPLICAÇÕES PARA O SEGUNDO MANDATO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA E A ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • PERPLEXIDADE, INCERTEZA E INSEGURANÇA QUANTO AO FUTURO DO PAIS, DIANTE DA PRESENTE CRISE ECONOMICA, RESSALTANDO SUAS IMPLICAÇÕES PARA O SEGUNDO MANDATO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA E A ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 24/02/1999 - Página 2976
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, DUVIDA, FUTURO, BRASIL, DIFICULDADE, GOVERNO, CORREÇÃO, DEFICIT, SETOR PUBLICO, NORMAS, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA INTERNACIONAL.
  • ANALISE, DESEQUILIBRIO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA INTERNACIONAL, PREJUIZO, PAIS, TERCEIRO MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, RESTRIÇÃO, EXPORTAÇÃO, AÇO, PRODUTO AGRICOLA, BRASIL, DESTINO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CRITICA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC).
  • ANALISE, PROBLEMA, RELAÇÃO, ESTADOS, UNIÃO FEDERAL, AMBITO, DIVIDA PUBLICA.
  • APOIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOBILIZAÇÃO, PAIS, COMBATE, SOLUÇÃO, CRISE, ECONOMIA, DESEMPREGO, DEFESA, UNIÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje estamos efetivamente iniciando os trabalhos desta 51ª Legislatura. Ontem tivemos a sessão solene de instalação e nossos trabalhos, agora, passam a se desenvolver regularmente, de acordo com o que preceitua o nosso Regimento.  

Começamos esta nova Legislatura em um clima de perplexidade, de incerteza, de insegurança e de muita dúvida quanto ao futuro do País e às expectativas da sociedade.  

De fato, a própria mensagem do Presidente da República - pelo menos nos trechos que foram lidos pelo 1º Secretário da Câmara, Deputado Ubiratan Aguiar - é cheia de afirmações que revelam as dificuldades que o País enfrenta para cumprir um programa de correção do déficit público e de internacionalização da economia, integração de economias em respeito às novas regras de convivência internacionais, que foram estabelecidas a partir da Organização Mundial do Comércio, e a outros tantos instrumentos que regem as relações comerciais e econômicas entre os países.  

O Embaixador Jório Dauster, que representa o Brasil junto à União Européia, em Bruxelas, concedeu uma entrevista, há alguns dias, a um jornal de grande circulação. Afirmou aquilo que o Presidente da República, de certa maneira, já havia dito e que foi objeto de muito debate, de muita discussão no plenário do Senado - eu mesmo abordei o tema algumas vezes. Numa linguagem muito diplomática, denunciou o que se chamaria de globalização assimétrica, ou seja, a globalização tem características que dão uma posição de vantagem aos países que têm economia mais forte, mais poderosa, principalmente os Estados Unidos e a União Européia.  

Ora, estamos assistindo agora mesmo a exemplos daquilo que foi falado, com todas as cautelas semânticas, pelo Embaixador: É evidente que a desvalorização do real nos traz uma série de problemas, uma série de dificuldades - não preciso repeti-las aqui -, mas oferece maior oportunidade para as políticas de exportação. E assim, o que os Estados Unidos logo fazem é criar dificuldades para a entrada do aço brasileiro sob vários argumentos. Segundo consta, o próprio Ministro Luiz Felipe Lampreia estaria cogitando estabelecer uma restrição voluntária à nossa exportação. Ora, se fomos obrigados, ao longo desses quatro anos, a cortar custos, a melhorar a competitividade - o nosso empresariado trabalhando com juros altíssimos - a nos enquadrarmos na nova Lei de Patentes, no chamado GATT, que culminou com a criação da Organização Mundial do Comércio, quando a adversidade nos oferece uma oportunidade de aumentarmos divisas à custa da exportação, os americanos, sob vários pretextos, buscam dificultá-la. Cito o exemplo do aço, mas poderíamos fazê-lo em relação aos produtos agrícolas.  

Segundo os jornais de hoje, a União Européia oferece um subsídio de setecentos e cinqüenta bilhões para a agricultura européia. Portanto, é evidente que essa relação é extremamente desigual, desfavorável. Se valer "manda quem pode, obedece quem tem juízo", não gosto, mas me calo.  

Não sou muito favorável à teoria conspiratória: pessoas se reuniram em Washington, dentro de um gabinete, e resolveram fazer isso. Esse é um movimento do capital, das forças econômicas. Mas vejam bem, é preciso distingüir o que é o império da realidade, a força dos fatos, contra os quais não há o que fazer, e o que é possível a um país fazer, defendendo os interesses do seu povo e da sua sociedade. Por exemplo, na primeira Revolução Industrial, quando veio a primeira máquina a vapor, houve quem não gostasse. Os trabalhadores se organizaram em um movimento para quebrar as máquinas, o ludismo, porque temiam perder o emprego. Quando veio a energia elétrica, pelo menos um emprego se acabou, o do acendedor de lampiões. E assim por diante. Isso é o que eu chamo de império dos fatos, contra o qual não há como se opor. É impossível para um país não aceitar as máquinas. Seria como se um empresário não aceitasse computadores em sua empresa, apenas máquinas de datilografia. O que aconteceria? Com o tempo, faltariam fitas para as máquinas e não haveria quem as consertasse. Há realidades, portanto, das quais não podemos fugir.  

Pergunto, dentro desse quadro, qual a possibilidade de se manter um mínimo do nosso interesse, apesar desses fatos que nos impõem determinadas condutas ou determinadas políticas. A meu ver, esta é a questão básica, fundamental: separar aquilo que é a realidade da evolução da Humanidade, do capital, dos negócios, do comércio, daquilo que podemos fazer, como país, como uma nação.  

Aparentemente, as experiências por que estamos passando se repetem nos diversos países. A Argentina já viveu uma situação semelhante. Esses desentendimentos, por exemplo, entre as províncias e o Governo Federal daquele País são análogos aos que estamos vivendo aqui, entre os Estados e a União. No meu modo de ver, algo está sendo conduzido de maneira extremamente inconveniente. Não pode haver Federação, se não houver entendimento, harmonia entre os Estados e a União.  

O Governo Federal, assinou, no ano passado, um acordo com o FMI, mas agora, poucos meses depois, está revendo. Isso quer dizer que os Estados também podem pleitear um acordo. Creio que a União fez o que podia fazer na época, transformou juros altíssimos em juros de 6% ao ano, mas, por outro lado, os juros subiram tremendamente.  

O Dr. Roberto Campos escreveu um artigo, há dias, mediante o qual disse que nos Estados Unidos os Estados fazem questão de não pedir dinheiro emprestado à União. Só que ele esqueceu de dizer, por exemplo, que nos Estados Unidos não existe FEF. De onde vem o dinheiro do FEF, o Fundo de Estabilização Fiscal? Em grande parte vem dos Estados. Portanto, é evidente que essas relações são dinâmicas e devem ser harmoniosas, o que não quer dizer que os Estados se submetam à União ou vice-versa. Se não houver diálogo, não há política. E sem política, como vamos resolver essa situação que está aí se desenhando? Daí por que, repito, esse modelo, pelo menos até onde conhecemos, não foi capaz de solucionar problemas de alguns países. A Argentina agora já está propondo a dolarização na América do Sul, na América Latina. Isso pode ser também, nesse momento que estamos vivendo, uma tentativa de apressar a formação da Alca, abandonando o diálogo, o entendimento entre países, para torná-la uma realidade diante de uma situação econômica extremamente desfavorável para nós.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço com prazer V. Exª.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Senador Lúcio Alcântara, é sempre com muita atenção e encantamento que ouço seus pronunciamentos nesta Casa. O que vou dizer agora não tem absolutamente nada de pessoal, porque realmente vamos engolindo os nossos sapos. Nós, da Oposição principalmente, não temos muita coisa que fazer aqui senão engolir sapos, e isso não é muito agradável, principalmente quando acontece por um período muito longo de tempo. Agora, finalmente talvez pudéssemos fazer algumas cobranças e pôr alguns pontos nos is. Fomos chamados de caipiras, fomos chamados de neobobos, quando alertávamos para o absurdo de um país fazer a valorização exagerada de sua moeda para importar de tudo, a um preço muito baixo, abaixando as alíquotas de importação e deixando que o nosso parque industrial e os nossos empregos fossem destruídos. Agora, quando colocamos a cabeça de fora e começamos a querer exportar, percebemos que, se somos neobobos, alguns que se julgam muito inteligentes e muito espertos talvez sejam neo-idiotas. Por quê? Porque não existe país algum no mundo, e os Estados Unidos já comprovaram isso - V. Exª citou o exemplo do aço, o exemplo das nossas massacradas laranjas - que não possa penetrar nos Estados Unidos senão pagando mais de 100% de alíquota, como acontece com os nossos frangos. Então, agora descobrimos que não existe neoliberalismo a não ser de exportação; agora descobrimos que eles, que pregam o neoliberalismo de exportação, realmente não o praticam. É o "faça o que digo mas não faça o que faço". Gostaria apenas de fazer quase que um desabafo, que tangencia o discurso e se inspira nele, mas que não contém agressão pessoal ou contraposição em relação ao pronunciamento de V. Exª, a quem muito prezo e admiro.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador Lauro Campos, sempre com a sua coerência, com o modo muito afirmativo de colocar as suas posições, de quem já tivemos a felicidade de granjear também a amizade pessoal. Agradeço muito as referências, mas quero dizer a V. Exª que esse cardápio de batráquios não é privativo da Oposição. Também engolimos os nossos sapos - e alguns até já se cansaram de engoli-los, como meu Colega, querido amigo, Senador Jefferson Péres. Trata-se de um cardápio do mundo político. De uma forma ou de outra, todos nos servimos dessa espécie.  

Gostaria de deixar bem claro o seguinte: ao Presidente faltou dizer em sua mensagem - que achei interessante, muito realista - que o grande problema que estamos vivendo no mundo hoje é o chamado pensamento único. O autor espanhol, Joaquim Stefania, escreveu o livro chamado Pensamento Único . Então, tudo que se diga fora desse pensamento, é bobo, ou é idiota, ou é atrasado, ou é retrógrado, ou é utópico, ou é sonhador, ou qualquer coisa. O nível de desqualificação aumenta ou diminui dependendo de quem fala, por onde fala e do seu poder de liderança. Agora, estamos vendo que, à margem desse pensamento único, é evidente que existem outras alternativas que não podem ser desconsideradas.  

A Igreja faz uma campanha agora, "Desempregado, por quê?" Eu já vejo muitos dizendo que a Igreja quer solução para tudo. Nem é sua função ter solução para tudo. Mas pode denunciar isso, como muitas correntes da Igreja denunciaram o arbítrio, a supressão das liberdades. Não cabe à Igreja, nem a outras instituições, como a Ordem dos Advogados, trazer soluções, pois não é ela que está governando. A meu ver, é incensurável, entretanto, que apresentem e exponham o problema, que exijam sejam assumidas as responsabilidades, com a tentativa de solucionar, senão o todo, parte do problema.

 

Na situação em que nos encontramos, talvez o Presidente Fernando Henrique tenha diante de si o seu maior desafio como estadista, e o julgo preparado, competente e sério. Integro o PSDB, apóio o seu Governo, e Sua Excelência, até pela posição institucional que tem, é a única pessoa que pode realmente convocar o País, sem que isso signifique abrir mão de prerrogativas, idéias e princípios para um movimento de mobilização nacional, até com vistas a melhorar o humor da população. É importante que se procure novamente movimentar forças que possam apresentar um horizonte para o País.  

No terreno das exportações, do diálogo com os países de economia mais desenvolvida, estamos sob a ameaça de que o Proex, o Programa de Estímulo às Exportações, seja considerado pela Organização Mundial do Comércio um subsídio. Portanto, teria que mudar ou deixar de financiar essas exportações pelo Proex, mas não se fala no subsídio da União Européia e nem em outros. Então, essa nova ordem econômica não pode vir apenas para cristalizar desigualdades que não têm como ser explicadas ou aceitas, a não ser pela lei do mais forte - mandou está mandado, não sendo possível qualquer reação. Mas querer envelopar essa realidade num embrulho de modernidade, de liberdade de comércio e de mercado, de competitividade é demais!  

Outro problema é a questão da Embraer com a Bombardier, empresas de fabricação de aeronaves, pois estamos, novamente, ameaçados de ver a Embraer desclassificada como empresa que estaria recebendo subsídios. É uma luta por um mercado importante, onde o Brasil já conseguiu, a duras penas, uma certa fatia.  

Por isso, ao concluir a minha pequena intervenção, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, apenas desejo mostrar como esses fatos têm diversos aspectos, que, nem sempre, são aqueles que merecem mais destaque ou são do conhecimento mesmo de uma elite, de uma classe mais atuante, como é a classe política. A classe política teria a obrigação de conhecer esses fatos, de interpretá-los e de fazer com que o Governo encontrasse formas de retomar o crescimento, de dinamizar a economia, de garantir faixas de atuação, permitindo-lhe absorver as exigências do novo mundo que se formou na economia, nas transações comerciais e assim por diante.  

O Presidente Fernando Henrique tem esta gravíssima responsabilidade sobre seus ombros: mobilizar o País, já agora no início do seu mandato, quando enfrenta grandes dificuldades, para resistir a essas situações que nos são extremamente adversas, inclusive nas próprias negociações.  

Nos Estados Unidos, quando o Presidente não quer ou não pode fazer alguma coisa, ele diz que não pode fazê-lo porque tem o Congresso. O Congresso é justamente essa representação do País e da sociedade para também ajudar a imprimir rumos administrativos e na economia do País. Nossa função é essa.  

Não podemos ser censurados em nada, porque o Congresso deu o que foi pedido pelo Poder Executivo, até com alguma restrição de políticos da base de apoio do Governo. Todavia, nas condições em que o País se encontra, deve haver entre os Três Poderes uma harmonia, que não significa um submeter-se ao outro, mas o estabelecimento de rumos comuns que tenham um certo consenso, capaz de nos unir e de promover o crescimento e o bem-estar da nossa população. Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/02/1999 - Página 2976