Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A PROPOSTA OFERECIDA PELO EX GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, SR. CRISTOVAM BUARQUE, COM VISTA A ELIMINAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • COMENTARIOS A PROPOSTA OFERECIDA PELO EX GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, SR. CRISTOVAM BUARQUE, COM VISTA A ELIMINAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL.
Aparteantes
Heloísa Helena, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 26/02/1999 - Página 3671
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • LEITURA, DOCUMENTO, AUTORIA, CRISTOVAM BUARQUE, EX GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), APOIO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PROPOSTA, TROCA, PARTE, DIVIDA PUBLICA, ESTADOS, ACORDO, UNIÃO FEDERAL, BENEFICIO, COMBATE, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, PAGAMENTO, BOLSA DE ESTUDO.
  • COMENTARIO, EXPERIENCIA, MUNICIPIOS, BRASIL, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, DEFESA, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, OPOSIÇÃO, CRITERIOS, PAGAMENTO, DIVIDA PUBLICA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco\PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Casildo Maldaner, Srªs e Srs. Senadores, o ex-Governador Cristovam Buarque, do Distrito Federal, apresentou, ontem, na OAB uma proposta que merece ser considerada com seriedade, consubstanciada num documento assinado pela Agência de Notícia dos Direitos da Infância, a ANDI, a Comissão de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, a Marcha Global pela Erradicação do Trabalho Infantil e a Missão Criança.  

Vou ler este documento assinado, que inclusive vem recebendo a assinatura de todas as pessoas que gostariam de solidarizar-se com este manifesto, para então comentar a respeito.  

"DÍVIDA POR BOLSA ESCOLA  

Por um acordo entre os Estados e a Federação sobre as dívidas financeira e social  

A crise provocada pelas dívidas dos Estados da Federação vem sendo acompanhada com perplexidade e ansiedade pelo povo brasileiro. Desde o início do ano, o desemprego, o arrocho salarial e a inflação são ameaças que rondam as famílias do País. Cada vez mais, a população sente que a continuidade dessa crise está levando o Brasil a um confronto sem beneficiados. De um lado, o povo observa a angústia dos novos governadores, que não sabem como administrar as dívidas herdadas em seus Estados. Por outro lado, a sociedade brasileira tenta compreender as razões apresentadas pelo Governo Federal para não aceitar moratórias generalizadas.  

Com grande inquietação, o povo brasileiro também está percebendo que para pagar as dívidas financeiras os governos serão obrigados a reduzir gastos necessários para garantir os direitos humanos, suspendendo programas de financiamento às crianças trabalhadoras e outros projetos na área da educação.  

É por isso que, com esperança, olhamos para a próxima sexta-feira. Desejamos que o encontro entre os Governadores e o Presidente da República seja capaz de superar esse impasse, permitindo que os Estados e a Federação possam retomar as funções plenas, cumprir as responsabilidades com os direitos fundamentais do povo brasileiro e o futuro de nossa Nação.  

A nossa contribuição como representantes de entidades da sociedade civil é sugerir que os dirigentes brasileiros, no lugar de discutir apenas se pagam ou o quanto pagam da divida, façam um acordo: trocar uma parte da dívida financeira por uma parte da dívida social.  

O acordo entre Estados e Federação, ou seja, credores e devedores financeiros, vai permitir o pagamento da vergonhosa dívida com as crianças brasileiras que, às vésperas do Século XXI, estão trabalhando sem direito à escola.  

No Brasil, há cerca de quatro milhões de crianças trabalhadoras. Meio por cento das crianças que trabalham no mundo são brasileiras. Com apenas um bilhão de reais ao ano, segundo cálculos do próprio Governo Federal, é possível garantir Bolsa-Escola e outros programas de combate ao trabalho infantil para dois milhões de famílias - mães e pais das nossas quatro milhões de crianças trabalhadoras.  

Um bilhão de reais corresponde a menos de 6% do que o Governo Federal diz custar a renegociação que os Estados propõem. Com esse valor se poderia abolir a tragédia social do trabalho infantil em nosso País.  

O acordo que gostaríamos de sugerir é no sentido de que, antes mesmo de outras condições serem negociadas, o Governo Federal aceite abrir mão da metade dos programas sociais de erradicação ao trabalho infantil como Bolsa-Escola. O compromisso dos governos estaduais seria o de garantir a outra metade do valor necessário para a implementação desses programas.  

A pequena parte da dívida negociada no acordo não resolve o grave problema financeiro dos Estados, mas certamente resolve a vergonha da existência do trabalho infantil nos municípios brasileiros. Permite que os Governadores saldem um pouco de suas dívidas financeiras, ao mesmo tempo que saldam a dívida social com suas crianças, atendendo os direitos fundamentais da população. Com esse acordo, a Federação abre mão de parte de seu crédito, mas tem respaldo para exigir que cada governo estadual invista na erradicação do trabalho infantil.  

Aceita a proposta, é fácil a tarefa de organizar os meios para fazê-la funcionar. Centenas de municípios no Brasil e o próprio Governo Federal já têm programas desse tipo em funcionamento. A sociedade civil pode também se organizar para apoiar, sob todas as formas, esse esforço.  

Aceita a proposta, sugerimos também que o Presidente da República proponha este mesmo acordo nos processos de renegociação da dívida externa do País. Ao fazer a troca da dívida por Bolsa-Escola nos Estados, criando as condições objetivas para abolir o trabalho infantil em seu território, o Brasil credencia-se, pelo exemplo, para liderar a luta pela erradicação do trabalho infantil em todo o mundo.  

Se essa idéia for considerada por nossas lideranças máximas - Presidente da República e Governadores -, será necessário que cada um de nós, de certa forma credores dos Estados, como servidores ou usuários de serviços, e seus devedores, como pagadores de impostos, aceitemos essa responsabilidade para termos o imenso benefício moral de abolir o trabalho infantil no Brasil.  

Essa nota é apenas um ponto de partida. Queremos com ela convidar outras entidades da sociedade civil e lideranças políticas, inclusive Governadores e Prefeitos que estejam de acordo, para subscreverem essa idéia, ajudando a transformá-la em uma proposta de toda a sociedade.  

Brasília, 24 de fevereiro de 1999  

Assinam este manifesto aquelas entidades citadas.  

É muito importante a proposta de Cristovam Buarque e dessas entidades, inclusive segue a linha estabelecida pela CNBB em sua campanha da fraternidade - "*Fraternidade e os Desempregados - Sem trabalho... Por quê?"  

Avalio, Sr. Presidente, que poderíamos introduzir, em todos os Municípios e Estados brasileiros, um programa que garantisse às famílias cujos rendimentos não são suficientes um complemento de renda, para que suas crianças possam freqüentar a escola.  

Em 1995, foram iniciados programas como Bolsa-Escola e de Garantia de Renda Mínima, no Distrito Federal pelo Governador Cristovam Buarque e em Campinas pelo Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira. Dezenas de municípios introduziram procedimentos denominados ora de Bolsa-Escola ora Programa de Garantia de Renda Mínima.  

Ano passado, o Governo Federal sancionou a proposta que autoriza o Governo Federal a financiar em 50% os municípios que adotarem programas de renda de mínima relacionados à educação. Mas o programa é extremamente restrito. Da forma como desenhado o benefício, apenas os municípios em que a renda per capita e a receita fossem menor que a média do respectivo estado seriam contemplados. O benefício foi tão pequeno e tão pouca a mobilização do Ministério da Educação, órgão responsável por esse programa, que até agora não temos notícia de algum município brasileiro que tenha se aproveitado da Lei nº 9.533 para instituir programas de renda mínima associados à educação.  

Ontem à tarde, o Embaixador Sérgio Amaral, Porta-Voz da Presidência da República, informou que o Presidente via com simpatia e gostaria de acolher a proposta de Cristovam Buarque. Estou bastante incrédulo, porque todas as vezes em que o Presidente Fernando Henrique Cardoso mencionou que simpatizava com essa proposta, quando quis colocar esse programa em prática, na verdade, acabou esvaziando, diminuindo. Inclusive, no Orçamento de 1999, estavam previstos cerca de R$150 milhões para aplicação desse programa, mas, na verdade, a verba foi reduzida para cinqüenta e poucos milhões de reais. A cada dia vemos que, na prática, mingua o interesse a respeito dessa questão.  

Sr. Presidente, tenho encaminhado aos diversos Governos estaduais e municipais propostas no sentido de procurar saber qual seria o melhor desenho de programa de renda mínima associado à educação, de maneira a se prover um mecanismo que sempre estimulasse as pessoas, em cada família, a procurar trabalho, emprego, progredir, e, ao mesmo tempo, assegurasse o direito à cidadania.  

Sr. Presidente, Senador Gilberto Mestrinho, V. Exª conhece o programa O Direito à Vida, se não me engano, que foi iniciado na grande Manaus pelo Governador Amazonino Mendes, no ano de 1996. Tendo em conta o debate havido aqui no Senado Federal a respeito do Programa de Garantia de Renda Mínima, disse-me o Governador que resolveu solicitar primeiro ao Exército um levantamento das famílias da grande Manaus que estivessem em dificuldades financeiras, cuja renda não atingisse determinado patamar. Feito o levantamento, 106 mil famílias, correspondendo a quase 600 e poucas mil pessoas, foram selecionadas.  

Então, iniciou-se um programa utilizando um mecanismo - que eu já havia mencionado aqui colocado - interessante e inovador: um cartão de crédito foi distribuído a cada uma daquelas famílias, dando-lhes o direito de gastar R$30,00 por mês, durante 12 meses, para que a todos se assegurasse uma pequena porém importante ajuda.  

Essa é uma das variantes do procedimento de inúmeros programas hoje existentes, como o de Campinas, Riberão Preto, São José dos Campos, São Joaquim da Barra, Catanduva, Mundo Novo. A maior parte desses Municípios são governados pelo PT: Belo Horizonte, por Patrus Ananias; Belém, por Edmilson Rodrigues, que se destaca por uma determinação muito forte, exatamente o inverso, em termos de escolha de prioridades, do que se observa no Governo Federal. Por que razão?  

Na Cidade de Belém do Pará, o Governo de Edmilson Rodrigues resolveu abraçar essa proposição com tal determinação e senso de prioridade que está destinando a mais de cinco mil famílias inscritas nada menos que 2,7% do orçamento. Sr. Presidente, V. Exª tem conhecimento do orçamento de Belém, talvez ele corresponda ao de Manaus em termos de população e de características, por também estar na Região Amazônica, sabe o quanto isso pode representar. O Prefeito Edmilson Rodrigues resolveu, apesar de tantas necessidades, tanta coisa por fazer, garantir o mínimo de renda para as famílias, para que suas crianças possam freqüentar a escola, evitando assim que crianças a partir dos seis anos de idade estejam trabalhando para ajudar os seus pais. Porque não têm como garantir o mínimo, pedem a suas crianças que vendam doce, cortem cana, colham café, executem algum tipo atividade, chegando mesmo as meninas a se prostituírem desde os 12, 13 anos de idade, como ocorre nas grandes e médias cidades da Região Amazônica e também por todo o Brasil.

 

Quero aqui saudar e apoiar essa proposição. Será importante a firme determinação de garantir que nenhuma criança fique fora da escola, que toda família brasileira tenha o mínimo necessário para a sua sobrevivência, que toda pessoa tenha direito de receber pelo menos o necessário à sua sobrevivência. Isso é fundamental, entretanto, vemos, por vezes, que o fundamental é garantir o pagamento de extraordinária soma de juros, como o de R$50 bilhões, para credores portadores de títulos da dívida pública brasileira.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Senadora Heloisa Helena, com muita honra concedo-lhe o aparte.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Senador Suplicy, V. Exª, de forma incansável - e por ser incansável é elogiável - tem, durante esses últimos anos, trazido para a opinião pública nacional, não apenas para as personalidades políticas mas a toda sociedade, um debate de tanta importância e de tanta generosidade como é o debate acerca da renda mínima e a alternativa concreta que essa política institucional pode trazer a milhares de pessoas neste Brasil. É claro que um tema de tão grande importância não tem merecido o respeito do Governo Federal, até porque o Governo Federal efetivamente não respeita a grande maioria de marginalizados deste País. E veja V. Exª que, a esta hora, somos tão poucos presentes a este Plenário – e talvez até pudéssemos conferir perdas salariais pelas horas ausentes nesta Casa. Então, tenho apenas a obrigação de, mais uma vez, saudar V. Exª pela promoção deste debate, de tão grande importância, que diz respeito à renda mínima e, portanto, a uma alternativa concreta e eficaz para diminuir os gigantescos números de miserabilidade crescente que verificamos em nosso País. Assim, este meu aparte era apenas para saudar a luta incansável, frise-se, de V. Exª a respeito desse tema.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço muito à Senadora Heloisa Helena, que também, ontem, esteve na CNBB, ouvindo Dom Raimundo Damasceno, Secretário-Geral, e o Presidente, Dom Jaime Henrique Chemello, que, com tanta clareza, expuseram-nos a importância de a sociedade brasileira se mobilizar para caminharmos na direção de não haver excluídos em nosso País, sobretudo, também, abraçando a Campanha da Fraternidade deste ano, a fim de que não haja pessoas sem emprego no Brasil, sendo a todos conferido o necessário à sua sobrevivência.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Senador Romero Jucá, com muita honra concedo-lhe o aparte.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Senador Suplicy, quero também, assim como o fez a nobre Senadora Heloisa Helena, associar-me ao seu discurso no que diz respeito tanto à Campanha da Fraternidade, quanto à questão do esforço, da luta de sua vida, qual seja, a implementação, em todos os quadrantes deste País, de um programa de renda mínima, do seguro desemprego; enfim, de alguns mecanismos que possam melhorar a condição de vida das famílias brasileiras. Já tivemos várias oportunidades de conversar a respeito disso e V. Exª sabe que, na pequena Prefeitura de Boa Vista, quando da gestão de Teresa Jucá, implantou-se naquela cidade um programa de renda mínima ligado à educação, assim como o fez o Governador Cristovam Buarque aqui em Brasília e alguns prefeitos deste País. Sem dúvida nenhuma, a meu ver, esse tema volta com uma força muito grande. A realidade que estamos vivendo, com a necessidade de buscarmos políticas compensatórias, políticas de equilíbrio regional, políticas de equilíbrio social, sem dúvida nenhuma, credencia o Programa Bolsa-Escola, o esforço de complementação familiar de renda como um esforço fundamental, de um lado, para dar melhores condições de vida à população e, de outro, até para reforçar o mercado interno de consumo, que precisa ser incentivado, uma vez que temos de promover o crescimento da produção, dividindo melhor essa produção e melhorando a qualidade de vida do povo brasileiro. Portanto, quero, rapidamente, associando ao pensamento de V. Exª, dizer que as suas preocupações também são as nossas. Espero que este ano possamos caminhar à frente, nesses projetos tão importantes para o Brasil. Meus parabéns!  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Romero Jucá. E, mais uma vez, reforço aqui a recomendação já feita ao Prefeito de Boa Vista, sucessor da Prefeita Teresa Saenz Surita Jucá, no sentido de que reconsidere a sua decisão de não dar continuidade ao referido programa. Avalio ser muito importante que o Prefeito de Boa Vista, assim como o Governador de Roraima, venham a colocar em prática um Programa de Garantia de Renda Mínima ou de Bolsa-Escola, pois, na verdade, estes são desenhos que podem ser aperfeiçoados, podem ser ambos tratados como sinônimos – e é preciso aperfeiçoar para se chegar ao melhor caminho, à melhor aplicação de programas desta natureza.  

Para concluir, Sr. Presidente, gostaria de ressaltar aqui também a importância da proposta internacional. Tenho apoiado inteiramente a proposta da instituição do chamado imposto James Tobin, com base na idéia do eminente economista da Universidade de Yale, laureado com o Nobel de Economia, segundo a qual uma pequena taxa, como 0,25%, pudesse ser cobrada sobre todas as transações financeiras internacionais, o que colaboraria para haver menos movimentos especulativos de capital. A destinação desses recursos poderia ser um Fundo, que, sobretudo colaborasse para que não houvesse instabilidade das economias em desenvolvimento e mais pobres, inclusive financiando projetos como um Programa de Garantia da Renda Mínima, um programa Bolsa-Escola e, com o tempo, um programa visando à criação de uma renda de cidadania para todas as pessoas no Planeta Terra.  

Muito obrigado.  

 

C


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/02/1999 - Página 3671