Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO, DIA 27 DE JANEIRO ULTIMO, DOS 90 ANOS DE DOM HELDER CAMARA, ARCEBISPO EMERITO DE OLINDA E RECIFE.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • TRANSCURSO, DIA 27 DE JANEIRO ULTIMO, DOS 90 ANOS DE DOM HELDER CAMARA, ARCEBISPO EMERITO DE OLINDA E RECIFE.
Aparteantes
Heloísa Helena, Romero Jucá, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 02/03/1999 - Página 3847
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, IGREJA CATOLICA, ATUAÇÃO, MUNICIPIO, OLINDA (PE), RECIFE (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Dom Hélder: noventa anos! Mais do que a maravilha da longevidade, com ele se comemora o esplendor de quase um século de uma vida dignificante e bela em exemplos. É a festa do testemunho do amor e da coragem: amor ao povo e coragem de amá-lo com tamanha e cristã intensidade.  

Desejo, portanto, com uma singela homenagem, participar da alegria do povo brasileiro, registrando nos Anais desta Casa o transcurso, em 27de janeiro último, dos 90 anos de idade do Peregrino Evangelizador, do Bispo da Liberdade, do Padre do Povo, do revolucionário cristão, do educador e também poeta, Dom Hélder Câmara, Arcebispo Emérito de Olinda e Recife.  

Nordestino, nascido em terras cearenses, sob a claridade intensa dos céus de Fortaleza, o décimo dos treze filhos do guarda-livros João Câmara Filho e da professora primária Adelaide Pessoa Câmara, Hélder Pessoa Câmara parece ter sido tocado em seu caminho pelo mesmo sopro penetrante, revelador e imponderável que, na noite do apóstolo Paulo em Corinto, manifestou-se em poderosa e divina sentença:  

"Não temas! Fala e não te cales. Porque estou contigo. Ninguém se aproximará de ti para te fazer mal, pois tenho numeroso povo nesta cidade." (Atos 18, 9-10)  

Assim, também se cumpriu e se cumpre em Dom Hélder Câmara. Não calou, não temeu. Sua voz ecoa e sua coragem fortalece. Palavra e destemor: síntese ainda pobre de uma imensidade humana muito além do que lhe possa ser reconhecido e tributado como paradigma de transformador social, doutrinador cristão e pastor infatigável dos desvalidos, sobretudo nos momentos mais dolorosos de arbítrio e iniqüidade, desprezo à vida e às liberdades experimentados pelo povo em nossa história recente.  

Nas sombras vorazes da ditadura, não calou e não temeu. Enfrentou os tiranos e as suas patrulhas com a força e a verdade do seu ministério. Com um crucifixo sobre o peito cheio de amor, na gravidade daquela hora, compreendeu e sentiu com exatidão a dor dos oprimidos e denunciou a fereza dos opressores. Pregou e viveu com entusiasmo a mensagem para fazê-los mais fortes. Fortes e crentes, como ele, na possibilidade de edificar um mundo justo pela elevação da dignidade humana, sem que, para isso, ao seu apostolado, fosse necessário qualquer sorte de atrelamento, senão à plena convicção cristã dos seus deveres para com a humanidade.  

Eis por que também por isso imagino tenha D. Hélder abandonado o ideário integralista ao qual fora atraído nos dias da juventude para ainda nela integrar-se em definitivo ao ideal de redenção dos excluídos, inspirado essencialmente na inesgotável fonte de vida que jorra, eterna e sublime, dos Evangelhos de Cristo.  

Desse modo, insubmisso às cartilhas ideológicas dos homens, que não diferem muito uma das outras , lançou-se no universo turbulento e espinhoso da libertação dos mais fracos, por meio da força transformadora, verdadeira e invencível da evangelização, que ele soube e sabe como poucos entre nós exercitar no sentido uno, indivisível, monolítico do amor em plenitude e da doação incondicional aos pobres, perseguidos e injustiçados.  

Por tal perfil de grandeza, disse sobre ele, com indiscutível acerto, na ocasião das comemorações dos seus oitenta anos, D. Aluisio Lorscheider:  

"... Aberto para todos os povos sem discriminação, falando a língua universal da bondade e da paz; sensível a todos os problemas da humanidade, não buscando jamais a solução na violência, mas sempre na força do amor que se sabe dar sem limite".  

Pela fertilidade das sementes que espalhou no deserto das injustiças sociais, peregrinando desde os mocambos pobres do Recife e de qualquer lugar, passando pelos campos conflagrados na luta pela terra e pelo pão, pela paz, até o enfrentamento dos poderosos em quaisquer circunstâncias, Dom Hélder Câmara é um homem que há muito já consumou a sua importância na história deste País, como exemplo de vida e obstinação, voltado à dignidade da condição humana.  

Presto-lhe, portanto, a minha modesta homenagem. Sei que longe, muito longe, de fazer-lhe justiça como devido, no entanto, neste breve registro o que pretendo é, em nome da conterraneidade paraibana, homenagear, com alegria, o Padre do Povo, pela graça dos seus 90 anos e por todos os anos de testemunho.  

Saúdo o Bispo da Liberdade, o Irmão-Oração, feito de luta e prece: prece que desperta a fé; fé que inspira a palavra; palavra que se fez ação; ação que se multiplicará sempre nas favelas e nos campos famintos, para redimir os despidos e desabrigados pela miséria, os que clamam na fome de justiça e padecem na sede da paz, onde quer que estejam e onde quer que esperem, Dom Hélder, por eles, com o hino de sua própria vida, entoa um canto de amor universal, que eu agora exalto na universalidade do seu amor, repetindo as palavras que lhe foram ditas pelo Santo Padre, o Para João Paulo II:  

"Irmão dos pobres é meu irmão."  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Senador Ronaldo Cunha Lima, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB) - Com muito prazer, Senador Romero Jucá.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Senador Ronaldo Cunha Lima, neste aparte, gostaria de associar-me à homenagem que V. Exª presta a Dom Hélder Câmara. Como pernambucano, tive o prazer de conviver com Dom Hélder e, inclusive, de trabalharmos juntos, eu do lado do Governo, dirigindo a Secretaria de Educação e Dom Hélder na sua luta, como foi dito aqui, pela justiça, como peregrino da paz e defensor dos pobres. Chegamos a fazer programas de habitação juntos, utilizando, inclusive, áreas da Arquidiocese para assentar pessoas que viviam em condições subumanas. Nesse convívio, aprendi a respeitar, a cada dia mais, um homem que, numa lição não só de humildade, mas de coragem, devotou sua vida a lutar contra a ditadura, pelas liberdades individuais, e depois pela consolidação de uma luta - a de buscar a igualdade e a condição de vida melhor para todos. Pela homenagem que V. Exª presta, sem dúvida nenhuma, esta Casa hoje está um pouco mais sensível e olhando em direção dos mais humildes. Portanto, gostaria de me associar às palavras de V. Exª, dizendo que D. Hélder Câmara é um exemplo a ser seguido e honrado no nosso País. Muito obrigado.  

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB) - Senador Romero Jucá, alegra-me a manifestação de V. Exª, a sua solidariedade à homenagem que presto a D. Hélder Câmara. Seu aparte enriquece o modesto pronunciamento que faço, pois V. Exª é testemunha da participação efetiva de um homem que, ao longo da sua experiência de vida, nos momentos mais difíceis desta terra, teve a coragem de enfrentar a ditadura e a opressão.  

Agradeço e registro a manifestação de V. Exª como um sentimento patriótico, vivenciado talvez pela Casa inteira, no instante em que o Brasil sente esse prazer de reverenciar um homem com a história e a vida de D. Hélder Câmara.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - V. Exª concede-me um aparte?  

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB) - Com prazer, ouço a Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Senador Ronaldo Cunha Lima, nesta tarde de hoje, embora sejamos poucos, quando deveríamos ser muitos, o pronunciamento de V. Exª não é um modesto discurso, mas um pronunciamento com a grandeza e a sensibilidade peculiar dos poetas. E saudar D. Hélder Câmara é importante para todos nós, especialmente os nordestinos. Claro que D. Hélder não é patrimônio nosso; é patrimônio da humanidade, porque seu exemplo de coragem, de solidariedade, de esperança, exemplo também da opção cristã pelos pobres, pelos oprimidos, pelos marginalizados é, sem dúvida, um patrimônio da humanidade, especialmente neste momento em que se considera moderno ser consumista, individualista e não fazer da vida cotidiana exemplo de solidariedade. Então, só tenho que me solidarizar com as palavras de V. Exª em homenagem ao nosso querido D. Hélder Câmara, que nós sempre tratamos como se fosse um pouco de nós, como parte integrada das nossas próprias famílias. Lembro que é muito fácil pegar uma Bíblia e percorrer os templos; o difícil efetivamente é destruir o abismo que pode haver entre o que se verbaliza como opção cristã e as atitudes cotidianas. E D. Hélder, sem dúvida, é um exemplo para todos nós de verdadeiro cristão, está efetivamente em nossos corações brasileiros e especialmente nos corações nordestinos. Parabenizo V. Exª de todo o meu coração, por lembrar, na tarde de hoje, esse homem tão pequeno e aparentemente frágil, mas um gigante, que é o nosso querido D. Hélder Câmara.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB) - Ouço o Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Também parabenizo o ilustre Senador Ronaldo Cunha Lima, que traduz, de forma muito clara, o sentimento dos nordestinos, elevando um personagem da história do Nordeste, do Brasil e da Humanidade como D. Hélder Câmara. Imagino a importância do Brasil inteiro, a olhar para um homem de 90 anos como D. Hélder Câmara, um tradutor do sofrimento, da angústia e da resignação do nordestino, mas que, apesar de olhar para todas essas dificuldades, sempre tratou este País com muita esperança. Este é o grande mérito de D. Hélder Câmara: o de tentar traduzir, durante sua vida, o sentimento de que nada é mais belo para este planeta do que o cristianismo, do que a visão cristã da vida e do exercício do dia-a-dia. A homenagem de V. Exª a D. Hélder traduz o respeito de todo o Brasil. Ao seu pronunciamento, ainda não concluído, só acrescentaria uma preocupação: sou um jovem de 38 anos, e fico pensando em D. Hélder, com 90 anos; em D. Paulo Evaristo Arns, com idade próxima; em nossos nomes de referência da integridade, patrimônios deste País na luta religiosa, que já se aproximam dessa idade também; no Norte, lembro-me da figura exemplar de D. Moacir. E fico pensando também nos filhos, no sentido simbólico, de D. Hélder e de D. Moacir, porque imagino que a responsabilidade de nossa geração é olhar para D. Hélder como uma luz a ser seguida na luta cristã por um Brasil justo, verdadeiro, cristão, solidário. Que o Nordeste melhore seus indicadores sociais a partir do compromisso que têm hoje os políticos nordestinos de mudar a realidade deste País.

 

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB) - Registro com indisfarçável contentamento os apartes que acabo de receber da Senadora Heloisa Helena e do Senador Tião Viana. Confesso esse contentamento pela autoridade que emana dos conceitos emitidos pela Senadora Heloisa Helena, pelo que vejo na força da sua convicção, na forma como transmite suas idéias, a começar do dia em que inaugurou sua fala nesta Casa, emocionando e emocionando-se. S. Exª tem segurança nos conceitos e visão ampla do universo que contempla, visão essa mais bonita do que vemos na sua realidade. E o Senador Tião Viana começa igualmente nesta Casa com segurança, firmeza, sensibilidade e fidelidade às suas convicções e à sua história tão jovem, mas certamente promissora e alentadora.  

Na verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso não se completar essa manifestação sobre a vida e obra de D. Hélder Câmara na evangelização, como sacerdote que buscou no seu ministério identificação com os mais humildes, com os oprimidos, na manifestação da sua coragem, não apenas a peregrinação de quem busca na fé ou na crença o consolo na busca da palavra de Deus, mas interpretando a palavra de Deus como mensagem a retemperar a nossa força, a transmitir mais coragem, a dar na coragem mais alento, no alento mais esperança, e na esperança mais certeza para os embates da vida.  

Ao registrar esta homenagem que faço, com profunda sensibilidade, a D. Hélder Câmara - e o faço em nome do Nordeste, principalmente, mas por extensão em nome do Brasil inteiro -, existe a certeza de que outros sacerdotes, com a sua coragem e a sua história, continuarão a tarefa missionária, evangelizadora, cristã, corajosa, mas, acima de tudo, patriótica exercida por D. Hélder Câmara.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/03/1999 - Página 3847