Discurso no Senado Federal

CRITICA AO VALOR DAS ALIQUOTAS DO IMPOSTO DE RENDA COBRADAS DOS ASSALARIADOS. POSICIONAMENTO CONTRARIO A CRIAÇÃO DE NOVAS CARGAS TRIBUTARIAS DE MANEIRA COMPULSORIA. PREMENCIA DA REFORMA TRIBUTARIA.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • CRITICA AO VALOR DAS ALIQUOTAS DO IMPOSTO DE RENDA COBRADAS DOS ASSALARIADOS. POSICIONAMENTO CONTRARIO A CRIAÇÃO DE NOVAS CARGAS TRIBUTARIAS DE MANEIRA COMPULSORIA. PREMENCIA DA REFORMA TRIBUTARIA.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 04/03/1999 - Página 4128
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • CRITICA, IMPOSTO DE RENDA, INCIDENCIA, SALARIO, SUPERIORIDADE, ALIQUOTA, EXCESSO, TRIBUTOS, AUMENTO, TRIBUTAÇÃO, DINHEIRO, RENDA, IMPEDIMENTO, SONEGAÇÃO.
  • URGENCIA, NECESSIDADE, REFORMA TRIBUTARIA, COMENTARIO, DADOS, INJUSTIÇA, NATUREZA FISCAL, ESPECIFICAÇÃO, INFERIORIDADE, TRIBUTAÇÃO, INDUSTRIA AUTOMOTIVA, CONSTRUÇÃO CIVIL, INDUSTRIA FARMACEUTICA, BANCOS.
  • ANEXAÇÃO, DISCURSO, ORADOR, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, MARCIO MOREIRA ALVES, JORNALISTA, EX-DEPUTADO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, GRAVIDADE, INJUSTIÇA, INCOMPETENCIA, LEGISLAÇÃO TRIBUTARIA, BRASIL.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como acontece todos os anos, é intensa a movimentação dos cidadãos brasileiros empenhados em atender às determinações do Imposto de Renda, que reafirma as exigências de sempre e traz algumas novidades para, como de hábito, tornar ainda mais sofridos esses dias para o trabalhadores assalariados. Sim, porque, em síntese, não se trata de imposto sobre a renda, mas de um imposto sobre o salário. Ao invés de voltar-se para aqueles que realmente detêm a riqueza nacional e consomem os benefícios do Produto Interno Bruto, o tributo devora partes substanciais dos proventos auferidos pelos empregados públicos ou da iniciativa privada. A alíquota maior, de 27,5%, abate-se sobre quem ganha R$21.600,00 anuais, tachado de rico, conceito que chega a ser risível se lembrarmos que isso equivale a menos de US$10,000, também por ano, que é o que recebe os pobres, os que exercem as mais humildes atividades nos países  

Existem muitos fatores que potencializam e tornam ainda mais grave essa taxação sobre o salário do povo brasileiro. A carga tributária redobra, a cada dia, sua sanha brutal e esmagadora contra os assalariados, numa perversa espoliação. Afinal, a sistemática vigente se apóia na voracidade ilimitada sobre os assalariados e uma complacência também ilimitada quanto aos donos do capital. Todos conhecemos a realidade: o trabalhador recebe seu holerite com os poucos créditos e muitos débitos. Não há como fugir; a perda é inevitável. Quando as contas oficiais não fecham, esta é a primeira providência dos gênios da tecno-burocracia: aumentar os impostos realmente compulsórios.  

Perdoem-me V. Exªs, mas não se trata de redundância ou pleonasmo: a subversão de valores expressa no sistema tributário nacional chega ao ponto de instituir impostos "impositivos" compulsórios e impostos que não se impõem. Impostos compulsórios, como disse, são aqueles realmente cobrados, aqueles inexoráveis, facilmente estabelecidos e mais facilmente ainda arrecadados. Não exigem esforço nem responsabilidade por parte do Poder Público, que se limita a contabilizar os lançamentos feitos nos espelhos de pagamento e cobrar o que julga devido. É muito fácil!  

Já os impostos que o Governo não consegue impor são notórios. Sua perpetuação encarnece da sociedade, que os vê como "não impostos", as isenções absurdas; é a sonegação pura e simples, através de artifícios legais ou de simples desprezo pelas leis e pela fiscalização. O assalariado já recebe especificados seus descontos, mas as grandes empresas, os grandes capitalistas dispõem de exércitos de habilidosíssimos especialistas na arte da maquiagem contábil, da busca de brechas legais, da engenharia numérica que transforma fabulosos lucros tributáveis em prejuízos dignos de misericórdia e de isenções.  

É voz corrente no meio empresarial que os balanços anuais de muitas das nossas empresas são, na verdade, verdadeiras peças de ficção contábil, tecidos fio a fio, item por item, combinando todos os artigos, parágrafos, incisos e alíneas do farto cipoal de contradições que somente grandes tributaristas conseguem entender e manipular com eficácia. Ao fazer tal afirmação, não produzo nenhum juízo de mérito quanto a esses profissionais, porque eles se limitam a trabalhar com as regras existentes, explorando suas falhas e suas omissões.  

Já abordei o assunto do Congresso Nacional em diversas oportunidades, frisando sempre que as duas reformas realmente indispensáveis, urgentes, essenciais e inadiáveis são a reforma política e a reforma tributária.  

Temos dois monstros grotescos em nosso cenário institucional: as contradições das estruturas político-partidárias e a caótica sistemática tributária, uma pletora de normas loucas e absurdas, que veio minando, progressivamente, todas as bases da arrecadação na União, nos Estados e nos Municípios. São Paulo, que sempre se beneficiou desses mecanismos, hoje protesta com veemência contra a chamada "guerra fiscal", detonada por outras Unidades, empenhadas em tirar do irmão mais poderoso algumas indústrias e riquezas, para criar empregos em seus próprios territórios.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Parabenizo V. Exª pela importância do pronunciamento, de modo especial para a classe trabalhadora deste País, que é sacrificada com a pesada carga tributária imposta hoje. É uma situação delicada, que exige, de fato, como V. Exª coloca, uma reforma tributária urgente. Se o Brasil fosse um país em que a carga tributária fosse elevada, sacrificasse o trabalhador, mas as políticas públicas, especialmente as políticas sociais, no campo da saúde e da educação, dessem as respostas adequadas, haveria um contentamento e uma aceitação do povo brasileiro. Mas há uma carga tributária muito violenta sobre os pequenos e alguns benefícios, algumas fugas permitidas às grandes fortunas deste País. Conversei, há poucos dias, com um Procurador da Fazenda, e ele alertava para o fato de que hoje há grupos organizados, envolvidos em grandes fortunas, que fazem curso de como burlar a política tributária brasileira. E o pequeno, que é vulnerável, que não está preparado para se defender, paga um preço muito elevado. O Brasil não pode mais adiar a discussão sobre a reforma tributária. Devemos discuti-la de forma a rever o papel do Governo Federal na arrecadação e no manuseio dos recursos públicos e permitir um sentimento federativo verdadeiro, onde os Estados e os Municípios tenham mais acesso às políticas públicas e que torne justa a arrecadação do trabalhador, mas que fundamentalmente devolva-lhe o seu direito a políticas sociais, na área da saúde, na área da educação, áreas que eu diria sagradas para o brasileiro. Assim, parabenizo-o e solidarizo-me integralmente com V. Exª.  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Tião Viana. Os dados que fiz inserir no meu pronunciamento são fornecidos pela própria Receita Federal, cujo titular, Dr. Everardo Maciel explicitou alguns elementos, que citarei ainda no presente discurso, para conhecimento da Casa. Agradeço a V. Exª a oportuna participação e os comentários que tece a respeito do tema deste pronunciamento.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como dizia, reputo as reformas político-partidária e tributária como decisivas para o fortalecimento das estruturas nacionais. Hoje, todavia, por mais importante que seja a reforma política, não vou abordá-la, porque prefiro concentrar minha atenção e minhas palavras nos problemas fiscais do País, em suas três esferas de administração.  

Contra fatos não há argumentos; mais, ainda, contra números definitivos não cabem sofismas ou tergiversações. O próprio Secretário da Receita Federal admite que o Brasil nunca teve um pacto federativo tributário, uma justa divisão de responsabilidades entre União, Estados e Municípios. O que existe é uma série de colagens, uma aberração tão desconjuntada que nem mesmo o Dr. Frankenstein seria capaz de imaginar, em seus delírios. Mas o que para nós é um horror, para os beneficiários é o paraíso: metade das 530 principais empresas do País estão absolutamente a salvo do Imposto de Renda, inclusive duas das maiores montadoras de veículos. Esclareço que estou usando expressões fornecidas pelo Secretário da Receita Federal, Dr. Everardo Maciel.  

Quem deu números atualizados a essa antiga informação foi o ex-Deputado, hoje articulista do jornal O Globo , Márcio Moreira Alves, em sua coluna, domingo passado. Ele trouxe a realidade concreta das distorções fiscais, que poderiam ter na indústria automobilística o melhor exemplo, porque o setor contribui com apenas 0,16% de seu faturamento para o Imposto de Renda - enquanto, não podemos esquecer, o cidadão que ganha R$2 mil mensais está enjaulado na alíquota 27,5%.  

A construção civil - também são dados da Receita Federal - comparece perante o tímido "leão" com 1,21% de suas receitas, enquanto os operários que ganham uma média de R$1 mil mensais pagam 15%. O poderoso setor farmacêutico também se contenta em contribuir com uma média de 2,54% de Imposto de Renda, embora tenha sido um dos maiores beneficiários pelas portas escandalosas da globalização que o Brasil foi obrigado a implantar.  

Aqui abro um parênteses, Sr. Presidente, para informar que, hoje, pela manhã, ouvi, pela rádio CBN , que a indústria farmacêutica, nesses dois primeiros meses de 1999, já reajustou em torno de 18% os seus produtos, alguns medicamentos foram reajustados em até mais de 50%. E a indústria farmacêutica contribui com o Imposto de Renda em apenas 2,54%, embora tenha sido, repito, um dos maiores beneficiários pelas portas escandalosas da globalização que o Brasil foi obrigado a implantar.  

Mas a festa é delirante nas corporações financeiras: computadas 66 empresas importante, 28 não pagam um reles centavo; outras, com louvável consciência, contribuem com menos de 1%. Existem duas que pagam 4%, mas, certamente, tentarão "corrigir" isso no atual exercício.  

A pergunta que Moreira Alves se faz é a que qualquer pessoa lúcida também faria a si própria e às autoridades: como isso é possível, sem que ninguém vá para a cadeia? O próprio articulista se incumbe de responder, no artigo intitulado "Por que não pagam?".  

Mais uma vez citando o Secretário da Receita Federa, aponta três causas para essas aberrações: interpretações elásticas do critério de "prejuízos" nos balanços das empresas, a morosa ação do Judiciário contra os fraudadores e os malabarismos promovidos pelas empresas multinacionais nos fluxos de investimentos, lucros e perdas.  

O artigo do ex-Deputado Márcio Moreira Alves, como disse há pouco, foi publicado há quatro dias, em O Globo , mas não perdeu a atualidade, ao contrário, deti-me, neste início de semana, na leitura e releitura de suas informações, procurando conhecer com profundidade os mecanismos deletérios que transformam a legislação tributária brasileira em uma campeã de perversidade, injustiça e incompetência.

 

Sempre ouvimos, de autoridades e especialistas da área econômica que para cada real arrecadado existe um real sonegado. Ou seja, o Estado só consegue arrecadar a metade do que poderia e deveria arrecadar. As teorias e as explicações também convergem, com pequenas elevações, para aquele elenco de três pontos. Só falta esclarecer uma coisa: por que isso continua assim?  

V. Exªs já leram, decerto, o artigo que citei no presente pronunciamento. A quem não leu, permito-me, com humildade e muita ênfase, sugerir que o faça com urgência, pois ali estão as raízes e as evidências do grave descontrole fiscal brasileiro. Não adianta devorar os parcos proventos dos aposentados; é inócuo qualquer aumento setorial de tributos; é cruelmente covarde o avanço praticado sobre os salários dos trabalhadores. Nada justifica a perpetuação dos erros que marcam as distorções da receita colhida pela máquina oficial.  

A precariedade dos quadros e dos instrumentos da fiscalização deve ser encarada como o primeiro inimigo digno de combate frontal e decidido, mas esbarramos, novamente, na falta de recursos e de critérios da ação governamental, que cortou as verbas para treinamento dos fiscais e vem achatando seus salários nos últimos anos.  

Para economizar, não permite uma fiscalização eficaz; e sem fiscalização, não há arrecadação. Qualquer pessoa razoavelmente versada na administração pública saberia que uma estrutura obstinada de fiscalização paga seus próprios custos e vai muito além, gerando receitas e fechando as brechas por onde se esvaem os recursos que tanta falta fazem para a educação, a saúde, a segurança pública, as estradas destruídas que maltratam a frota automotiva nacional.  

O ex-Ministro da Fazenda, atual Deputado Delfim Netto, ensina que "a parte mais sensível do corpo humano é o bolso". Talvez por isso, no Brasil da virada do terceiro milênio, o ramo mais lucrativo dos grandes escritórios de advocacia e de consultoria seja aquele voltado para os tributos, onde a habilidade de sonegar e de distorcer ganha cores mais requintadas e sofisticadas a cada dia.  

Acompanhamos, nas últimas semanas, a queda-de-braço entre a indústria automobilística, seus empregados e o Governo. Mesmo com os pátios atopetados e demitindo os trabalhadores por falta de mercado, as grandes montadoras, no primeiro bimestre do ano, aumentaram os preços em 10%, 13% e até 16%. Parecia absurdo, mas, no Brasil, a coisa funciona assim mesmo: agora, em nome da manutenção de suas folhas de pagamento, elas estão conseguindo a isenção de impostos para baratear os veículos que produzem, acenando com a estabilização das tabelas por alguns meses - mas não falam em recuar os aumentos insanos já cometidos. Trocando em miúdos, como diz o povo, a jogada é antiga; porém, sempre funciona: aumentaram os preços e foram em busca de isenções fiscais equivalentes, prometendo não fazer novos reajustes. Jogam nas costas do povo, dessa forma, duas contas distintas e cumulativas, os preços majorados e o dinheiro subtraído pela isenção. Além de praticamente não pagar Imposto de Renda, furtam-se novamente de outros tributos, como o IPI e o ICMS.  

Concluo, Sr. Presidente, com um detalhe espantoso, dentro do conjunto de informações valiosas trazidas à sociedade por Márcio Moreira Alves, no citado artigo: "não espanta que alguns advogados fiscalistas estejam também na relação dos 500 maiores contribuintes do Imposto de Renda de pessoas físicas. São eles que fazem a engenharia fiscal que permite às empresas elidir impostos; ganham uma percentagem sobre o que poupam aos seus clientes".  

A lição que daí se pode extrair é acaciana, no sentido de sua explícita natureza: no trato dos interesses das pessoas jurídicas, a saída está naquilo que a voz do povo chama de "o caminho das pedras", a trilha reservada aos iluminados, por meio do pântano que caracteriza o sistema tributário nacional. Mas quanto às pessoas físicas, a ordem é ponderar e ter prudência na hora de apresentar a conta à Receita.  

E se aqueles profissionais - a elite da casta especializada na manipulação dos fatores econômicos - evitam abusar de suas habilidades e não se expõem como contribuintes individuais é porque aí reside o único ponto digno de respeito de toda a máquina. Que o digam os assalariados, que simplesmente não têm defesas nem técnicas para escapar do apetite insaciável dessa fera voraz, impiedosa e vesga, que dispensa os grandes predadores da sociedade e lança suas garras nas costas das presas mais fracas e mais desprotegidas: os trabalhadores.  

Sr. Presidente, rogo a V. Exª que a íntegra do artigo "Por que não pagam", assinado pelo jornalista e ex-Deputado Márcio Moreira Alves e estampado em O Globo de domingo último, dia 28 de fevereiro, seja publicado na íntegra como parte integrante deste pronunciamento.  

Muito obrigado a V. Exª.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/03/1999 - Página 4128