Discurso no Senado Federal

HOMENAGENS PRESTADAS PELO MUNICIPIO DE ASSARE E PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARA A PESSOA DO POETA POPULAR ANTONIO GONÇALVES DA SILVA, CONHECIDO COMO 'PATATIVA DO ASSARE'.

Autor
Sérgio Machado (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: José Sérgio de Oliveira Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGENS PRESTADAS PELO MUNICIPIO DE ASSARE E PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARA A PESSOA DO POETA POPULAR ANTONIO GONÇALVES DA SILVA, CONHECIDO COMO 'PATATIVA DO ASSARE'.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/1999 - Página 4996
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, HOMENAGEM, UNIVERSIDADE ESTADUAL, ESTADO DO CEARA (CE), INAUGURAÇÃO, MEMORIAL, CONCESSÃO, TITULO, ANTONIO GONÇALVES DA SILVA, POETA.

O SR. SÉRGIO MACHADO (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o dia 05 de março é data muito querida no Ceará, especialmente no município de Assaré: é dia de homenagear um dos filhos mais ilustres da terra, Antônio Gonçalves da Silva, o poeta popular Patativa do Assaré. E este ano com mais festa ainda: a inauguração do seu memorial, entrega a do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e, sobretudo, muita música, repente e cantoria para exaltar o menestrel dos sertões, que chega com plena lucidez aos 90 anos de idade. O prefeito do município, Antônio Benjamim de Oliveira Filho, político de largos horizontes, articulou tudo isso consciente do valor imperecível dos bens da cultura, indispensáveis para o desenvolvimento humano das gerações presentes e futuras.  

Há 90 anos, portanto, Deus conserva, para a alegria de todos nós cearenses, nordestinos, brasileiros, essa figura tão simples quanto maravilhosa, que tem como ofício, desde que se entendeu no mundo, semear poesia no roçado da cultura. A sua obra já reúne precioso acervo no campo da poesia e da música. Mas, entra ano e sai ano, ele prossegue, humilde, tirando para o seu povo safras cada mais generosas. É que essa lavoura, à diferença das que o sertanejo teima cultivar, não conhece a seca, o solo é sempre dadivoso, e quando a semente é boa e se sabe adubar bem o terreno (e aqui Patativa é sem igual), aí então a fatura é de perder de vista. E, assim, com o fruto sagrado dessa plantação pode-se enfrentar todas as intempéries da vida, inclusive as secas de alimentos e de bons governos, sem nunca desfalecer, com a esperança sempre acesa e renovada, pela certeza de que as coisas há de mudar para melhor.  

Sim, as coisas hão de mudar para melhor com esse alimento que vem da semente da poesia, lançada na terra fértil da sensibilidade das pessoas pelo lavrador consciente da nobreza de sua missão, com esse alimento que nos fornece não apenas a energia física e mental que nos mantém de pé, mas sobretudo a energia cívica que nos leva à luta sem temor pelas causas justas. E por que não? Patativa responde com altivez: "Não nego meu sangue/ não nego meu nome/ olho para a forme/ e pergunto o que há?/ Eu sou brasileiro/ filho do Nordeste/ sou cabra da peste/ sou do Ceará."  

É a cultura popular com toda a sua força que, de forma magistral, "mote vai e mote vem", sedimenta as relações entre as pessoas; é o que fica e que vai continuar na memória coletiva através dos tempos, de geração em geração; é, em suma, a própria alma de um povo, que jamais morrerá.  

O canto do Patativa hoje não ecoa só em Assaré, nem só no Ceará, nem mesmo só no Brasil; ele é universal. Esse canto, no dizer de Gilmar de Carvalho, é "mavioso como se fosse um vento que soprasse no final da tarde, ou uma chuva que tudo fertilizasse, terra molhada em sua serra, paraíso particular, onde deixou a mais valiosa de todas as sementes: a da poesia."  

Patativa não é mais só nosso, é certo; mas nunca deixará de ser o que há de mais autêntico em nós, o que há de mais nosso no Ceará mais profundo. E nos representa de tal modo coo o galo de campina que ele, indo morar na cidade, levou consigo para lembrar o sítio onde nasceu. Como diria o poeta de Terra Bárbara, Patativa é o índice do nosso povo: "Se o homem é bom – eu o respeito./ Se gosta de mim – morro por ele./ Se porque é forte, entendesse de humilhar-me,/ – ai, sertão!/ eu viveria o teu drama selvagem,/ou te acordaria ao tropel do meu cavalo errante,/ como antes te acordava ao choro da viola..." É o respeito e a lealdade às pessoas quando estas fazem por merecer; é a dignidade de vida que admite tudo, todas as possibilidades humanas, menos a humilhação pela prepotência; aí, não: ele reage de pronto com a sua fúria santa.  

Patativa são muitos; é plural, múltiplo, mas, ao mesmo tempo, um só, inteiriço, na sua luta indormida pela liberdade que retrata tão bem na Lição do Pinto: "O pinto dentro do ovo/ aspirando um mundo novo/ não deixa de beliscar/ bate o bico, bate o bico/ bate o bico tico tico/ pra poder se libertar."  

Eis aí o sentido da sua poesia e a razão do seu viver. Eis aí a grandeza de um homem e a força da sua obra.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/1999 - Página 4996