Pronunciamento de Carlos Patrocínio em 11/03/1999
Discurso no Senado Federal
SATISFAÇÃO COM OS RESULTADOS OBTIDOS PELO CINEMA NACIONAL, ESPECIALMENTE NO CASO DO FILME 'CENTRAL DO BRASIL'.
- Autor
- Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
- Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA CULTURAL.:
- SATISFAÇÃO COM OS RESULTADOS OBTIDOS PELO CINEMA NACIONAL, ESPECIALMENTE NO CASO DO FILME 'CENTRAL DO BRASIL'.
- Aparteantes
- Eduardo Siqueira Campos, Eduardo Suplicy.
- Publicação
- Publicação no DSF de 12/03/1999 - Página 5150
- Assunto
- Outros > POLITICA CULTURAL.
- Indexação
-
- CRESCIMENTO, MELHORIA, PRODUÇÃO, CINEMA, BRASIL, ELOGIO, FILME, AUTORIA, WALTER SALLES JUNIOR, DIRETOR, RECEBIMENTO, PREMIO, AMBITO INTERNACIONAL, INDICAÇÃO, SELEÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ESPECIFICAÇÃO, FERNANDA MONTENEGRO, ATOR.
- ANALISE, LEGISLAÇÃO, INCENTIVO, CINEMA, BRASIL, REGISTRO, DADOS, CAPTAÇÃO DE RECURSOS, APREENSÃO, CONTINUAÇÃO, PRODUÇÃO CINEMATOGRAFICA, MOTIVO, CRISE, SUGESTÃO, CRIAÇÃO, CREDITOS, FUNDOS, PRODUÇÃO, DIVULGAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, FILME, DEFESA, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL.
O SR. CARLOS PATROCÍNIO
(PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Antes de iniciar o meu pronunciamento permita-me dizer da minha alegria por ver o querido Senador Esperidião Amin, hoje novamente Governador de Santa Catarina, em nosso plenário. S. Exª, sem sombra de dúvida, será outra vez o grande Governador que sempre foi.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o cinema brasileiro, depois de um período de reduzida visibilidade, não só no cenário internacional como também nas nossas salas de exibição, vem apresentando trunfos e resultados os mais animadores. O sucesso no País e no exterior do filme Central do Brasil é, sem dúvida, o melhor exemplo disso. A conquista de vários prêmios internacionais, como o Urso de Ouro, no Festival de Berlim, e o Globo de Ouro, somada à indicação para o Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro, significam um importante reconhecimento do trabalho de um jovem e lúcido diretor, juntamente com o de toda a sua equipe de profissionais, em um momento especialmente inspirado. Igualmente dignas de festejo são a premiação da atriz Fernanda Montenegro com o Urso de Prata, no Festival de Berlim, e a indicação, inédita para uma latino-americana, para concorrer ao Oscar de Melhor Atriz, tornando evidente no exterior algo que há muito sabíamos: o incontestável talento dramático de Fernanda Montenegro. E aproveito este momento, Sr. Presidente, para, na pessoa de Fernanda Montenegro, homenagear todas as mulheres brasileiras nesta semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.
Mesmo antes da consagração de Central do Brasil , outros sinais já indicavam um processo de revitalização, tanto industrial quanto artística, de nosso cinema. Para continuarmos na esfera do Oscar, lembremos que a indicação para o prêmio, até há pouco muito rara para a cinematografia nacional, tornou-se repentinamente corriqueira - começando pela de O Quatrilho , em 1996, seguida pela de O que é isso, companheiro? , no ano passado, duas produções de inegáveis méritos. O fato de esses filmes não terem arrebatado o prêmio tão cobiçado e de o mesmo poder ocorrer com o filme de Walter Salles Júnior, tampouco nos deve impressionar. Não podemos confundir o significado do Oscar para o cinema com o de uma Copa do Mundo para o futebol: não temos, no caso, a competição de várias equipes em igualdade de condições, mas uma premiação submetida à influência de uma série de interesses econômicos e balizada por padrões culturais e estéticos que não podem pretender ter validade universal, pois relacionam-se com o modo essencialmente norte-americano de ver e de valorizar o cinema. Não resta dúvida, entretanto, de que as duas presentes indicações brasileiras para o Oscar, mesmo que não alcancem o prêmio máximo merecido, representam mais um importante estímulo à produção cinematográfica nacional, que sempre se deparou com grandes dificuldades para se consolidar economicamente. O que devemos passar a questionar é não apenas se o nosso cinema deve depender desse tipo de estímulo externo, mas também se o cinema brasileiro, mesmo com o reconhecimento lá fora, terá condições de sobreviver e continuar criando obras de valor.
A extinção da Embrafilme, no início do Governo Collor, lançou nossa produção cinematográfica em um estado letárgico, o qual só foi possível superar com grandes esforços. A edição da chamada Lei Rouanet, ainda no mesmo Governo, significou o reconhecimento de que não se pode aplicar à cultura um liberalismo econômico em estado puro, com base no entendimento de que "o mercado deve definir o que quer". A Lei Rouanet retomava e reformulava as disposições da Lei Sarney, concedendo incentivos fiscais às empresas que financiassem projetos aprovados pelo Ministério da Cultura. Como a nova lei se mostrasse insuficiente para alavancar a produção cinematográfica, foi aprovada, em 1993, por iniciativa do Governo Itamar Franco, a Lei do Audiovisual, de número 8.685, a qual passa a garantir abatimento, no Imposto de Renda, dos investimentos das pessoas jurídicas na produção de filmes e de outros produtos audiovisuais, até o limite de 1% do imposto devido.
Com a manutenção e o aperfeiçoamento das duas leis, no Governo Fernando Henrique, elevando-se o limite de abatimento no imposto para 3%, assistimos a uma vigorosa retomada dos investimentos na produção de filmes. Foram concluídos, com o apoio da Lei do Audiovisual, nove filmes em 1995, dezesseis de 1996 e 21 em 1997. A captação de recursos para os projetos cinematográficos aprovados atingiu R$74,8 milhões em 1997. É nesse contexto de um novo impulso na produção cinematográfica brasileira que surgem os filmes anteriormente citados, com merecido reconhecimento no exterior.
No final de 1997, entretanto, a crise das bolsas de valores dos países asiáticos e a situação de incerteza na economia dela decorrente diminuíram consideravelmente a disposição dos nossos empresários em contribuir para o desenvolvimento do cinema nacional. A captação dos recursos pela Lei do Audiovisual caiu 45%, em 1998, se comparada ao ano anterior. Inúmeros projetos em andamento permanecem em compasso de espera. A constatação de que alguns riscos ameaçavam o incipiente renascimento cinematográfico brasileiro veio à tona com a realização do Festival do Cinema de Brasília, em outubro do ano passado. Em um seminário que discutia o "cinema brasileiro hoje", diversos cineastas e produtores manifestaram a sua apreensão quanto às perspectivas da nova indústria cinematográfica, resultando em um documento que sintetizava as discussões bem como as reivindicações e sugestões levantadas no encontro, o qual foi entregue ao Ministro da Cultura, Francisco Weffort. A conclusão a ser tirada do documento é, antes de tudo, que a Lei do Audiovisual é importante e deve permanecer, mas também que ela, por si só, não configura uma política de apoio ao cinema nacional.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há dúvida de que o agravamento da crise econômica, no corrente ano, aponta para dificuldades ainda maiores, ameaçando pôr em colapso a produção cinematográfica brasileira. Cabe discutir medidas que dêem viabilidade a essa importante expressão da nossa cultura. A questão do cinema transcende, decerto, os aspectos puramente econômicos, ainda que a indústria de produtos culturais constitua, no mundo contemporâneo, uma atividade de considerável e crescente importância para a geração de renda e de empregos. Trata-se, no entanto, de algo ainda mais importante: nossa afirmação como nação autônoma no contexto de um mundo globalizado depende da capacidade de gerar uma cultura própria, profundamente enraizada em nossa realidade e em nossas tradições, ao mesmo tempo em que é aberta para o povo e para as influências externas, assimiladas seletivamente.
O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL-TO) - V. Exª me concede um aparte?
O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Concedo o aparte ao eminente Senador Eduardo Siqueira Campos.
O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL-TO) - Ilustre Senador Carlos Patrocínio, que tem a honra, junto comigo e o Senador Leomar Quintanilha, de representar o Estado do Tocantins, nesta manhã, quando V. Exª se pronuncia a respeito da cultura, dos valores culturais, dos investimentos necessários para o fortalecimento dessas atividades, principalmente quando se refere à grande dama da cultura, do teatro e do cinema brasileiro, Fernanda Montenegro. Como prefeito de Palmas, ainda no ano de 1996, com a participação de V. Exª e da nossa Bancada, tive a honra de inaugurar o Espaço Cultural de Palmas. Um complexo que contempla cinema, biblioteca, um belo teatro e outras dependências, onde está sediada hoje a Secretaria de Cultura do Município de Palmas. Pude experimentar, como prefeito, como cidadão, como tocantinense e como brasileiro, o convívio durante três dias com Fernanda Montenegro, que se apresentou ali e inaugurou aquela casa; pude constatar a atenção dispensada por essa mulher, que hoje é motivo de orgulho para todos os brasileiros, que vai a qualquer recanto deste País onde seja convidada para divulgar, contribuir, incentivar os valores culturais. Portanto, Senador Carlos Patrocínio, quero fazer este registro no seu pronunciamento, para deixar aqui o nosso agradecimento, não só a ela, como a Arthur Moreira Lima, Ziraldo e outros grandes nomes que nos deram essa contribuição ao participarem das atividades de inauguração do Espaço Cultural de Palmas; e também deixar aqui a nossa esperança de que Fernanda Montenegro, com todos os produtores e diretores que participaram deste grande projeto, Central do Brasil, obtenham êxito. Mas, se isso não ocorrer, não será um demérito para ela e para nós brasileiros. Já pela simples menção, pela sua participação e pela sua vida, ela é motivo de grande orgulho nacional. Parabéns, Senador Carlos Patrocínio, pelo seu pronunciamento.
O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Agradeço o aparte de V. Exª, que incorporo ao meu pronunciamento. Gostaria de enaltecer o seu trabalho, quando prefeito da nossa capital, a capital mais nova do Brasil, de incentivo à cultura, construindo um belíssimo espaço cultural, onde tivemos a oportunidade de receber a presença sempre marcante de Fernanda Montenegro. Faço este discurso, neste exato momento, aproveitando o Dia Internacional da Mulher e, sobretudo, a proximidade da maior festa do cinema mundial, a festa do Oscar, de que participarão a nossa Fernanda Montenegro e o nosso filme Central do Brasil como indicados. Ainda que não ganhemos o galardão, nós já teremos chegado muito longe. Hoje, Fernanda Montenegro e o cinema brasileiro são expressões da cultura espalhada por todo o mundo.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senador Carlos Patrocínio, V. Exª me concede um aparte?
O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Concedo um aparte ao eminente Senador Eduardo Suplicy.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senador Carlos Patrocínio, gostaria de somar ao pronunciamento de V. Exª o cumprimento a Fernanda Montenegro, a Walter Salles e a todos aqueles que colaboraram com o extraordinário filme
Central do Brasil . Tenho convicção de que esse filme merece ganhar o Oscar. O seu grande competidor, A Vida é Bela, é também um filme muito bonito, mas, assistindo aos dois, percebi que há uma superioridade - claro que torcendo como brasileiro -, mesmo vendo de forma isenta e imparcial, na qualidade desse filme pela sua forma de avaliar os problemas sociais, muito bem retratados, do nosso Brasil, a maneira como pessoas que vêm do Nordeste para encontrar pessoas na cidade do Rio de Janeiro, a busca do menino por seus familiares. O personagem protagonizado por Fernanda Montenegro é lindíssimo e ela está no auge de sua carreira de atriz. Assim, expressamos, também, a nossa torcida para que ela ganhe o Oscar. Meus cumprimentos a V. Exª.
O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Agradeço o aparte ao eminente Senador Eduardo Suplicy, que, como eu, estará torcendo pela nossa querida Fernanda Montenegro e pelo nosso filme Central do Brasil .
Não assisti ao filme A Vida é Bela , mas tive informações de que foi muito bem feito também. Portanto, podemos dizer que a concorrência será muito difícil, mas estaremos torcendo. Chegou a hora de o cinema brasileiro mostrar a sua qualidade e o seu valor.
Deparamo-nos, cotidianamente, com o fenômeno da banalização da cultura, tanto de origem interna como externa. No caso específico do cinema, a inegável hegemonia norte-americana constitui quase um monopólio, impondo seus produtos, de qualidade muitas vezes discutível, ao mercado nacional.
Esquecemo-nos com freqüência, Sr. Presidente, de que a sociedade brasileira tem a grande responsabilidade de exigir e incentivar a produção cultural de qualidade, desenvolvendo, especialmente em nossos jovens, a sensibilidade e o espírito crítico, ao invés de estimular a alienação e o embrutecimento mental e espiritual. Além disso, devemos, enquanto brasileiros, ter voz própria nas diversas expressões artísticas; não apenas para levar ao mundo um ponto de vista único e insubstituível; mas, sobretudo, para que, mirando-nos no espelho da obra de arte, possamos entender-nos melhor. Os cineastas brasileiros têm, sem dúvida, uma grande contribuição a oferecer nesse sentido, desde que lhes sejam oferecidos os meios para que exerçam o seu ofício.
Várias idéias surgiram no intuito de garantir a continuidade da produção cinematográfica nacional. Uma vez que as empresas deparam-se, presentemente, com a perspectiva de diminuição dos lucros, cumpre criar outros canais de captação de recursos, além dos propiciados pela Lei do Audiovisual. A criação de uma linha de crédito específica, com condições favoráveis, pode representar uma boa opção. A política de crédito adotada na França, por exemplo, vem resultando na produção de mais de 180 filmes por ano, o que garante aos filmes franceses 40% do mercado consumidor interno.
Outra questão das mais sérias diz respeito às dificuldades encontradas na distribuição e exibição dos filmes nacionais em nosso próprio País. Os filmes brasileiros, que já chegaram a ocupar metade do mercado, vinham mantendo na presente década uma irrisória fatia de 5%. Os últimos anos vêm mostrando, no entanto, um notável crescimento na receptividade do público, com quatro títulos que ultrapassaram a marca de um milhão de espectadores. O número de ingressos vendidos no primeiro semestre de 1998 alcançou o triplo dos vendidos no mesmo período do ano anterior, mas essa notável performance se explica, sobretudo, pela excepcional audiência de O Noviço Rebelde , com o inexaurível humorista Renato Aragão, e de Central do Brasil. A produção cinematográfica brasileira não pode, no entanto, depender do sucesso ocasional de uns poucos filmes, ainda que esse sucesso seja muito bem-vindo.
Mesmo os números citados deveriam ser maiores, pois a publicidade agressiva e os esquemas de distribuição e exibição favorecem enormemente os filmes norte-americanos, fazendo com que o cinema brasileiro se torne "estrangeiro em seu próprio País", conforme a expressão do cineasta Gustavo Dahl. Além da proposta polêmica, levantada pelo próprio Ministério da Cultura, de se taxar adicionalmente os filmes importados de baixa qualidade, o chamado "lixo cultural", clama-se, no mínimo, por uma melhor fiscalização da cobrança da contribuição por registro de filme estrangeiro, abrangendo os importantes mercados da televisão aberta e da televisão por assinatura. A criação de um fundo voltado para a divulgação e distribuição dos filmes brasileiros tem sido também defendida pelos produtores. O argumento incontestável é que a produção nacional necessita de visibilidade para atingir o público interno, que já mostrou em inúmeras ocasiões ter interesse pelos filmes brasileiros. Em outras palavras, não basta produzir filmes: é preciso fazer com que eles cheguem às pessoas para as quais se destinam.
Há, portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma série de medidas a serem debatidas para assegurar a continuidade do presente ressurgimento do cinema brasileiro, debate do qual não se deve furtar o Congresso Nacional. O risco de interrupção da produção cinematográfica brasileira é concreto, mas pode, sem dúvida, ser superado, de maneira que os brasileiros continuem a assistir aos filmes brasileiros; a ver tanto as qualidades genuínas de nossa cultura como os problemas de nosso povo. Filmes como Central do Brasil mostram a necessidade de olharmos para a realidade do País, pois é nessa mesma realidade que podemos detectar sinais de que é possível transformá-la.
Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.