Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O IMPOSTO TOBIN, PROPOSTA DE SE INSTITUIR TAXA SOBRE TRANSAÇÕES FINANCEIRAS INTERNACIONAIS. PREOCUPAÇÃO COM O AINDA INEXPLICADO BLECAUTE ACONTECIDO ONTEM, ATINGINDO DO RIO DE JANEIRO AO RIO GRANDE DO SUL E PARAGUAI.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ENERGIA ELETRICA. :
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O IMPOSTO TOBIN, PROPOSTA DE SE INSTITUIR TAXA SOBRE TRANSAÇÕES FINANCEIRAS INTERNACIONAIS. PREOCUPAÇÃO COM O AINDA INEXPLICADO BLECAUTE ACONTECIDO ONTEM, ATINGINDO DO RIO DE JANEIRO AO RIO GRANDE DO SUL E PARAGUAI.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/1999 - Página 5260
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PROPOSTA, JAMES TOBIN, PROFESSOR, ECONOMISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CRIAÇÃO, TAXAS, INCIDENCIA, OPERAÇÃO FINANCEIRA, AMBITO INTERNACIONAL, CONTENÇÃO, ESPECULAÇÃO, MERCADO FINANCEIRO.
  • APREENSÃO, ORADOR, AUSENCIA, ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, FALTA, ENERGIA ELETRICA, PAIS.
  • INFORMAÇÃO, DECISÃO, BLOCO PARLAMENTAR, OPOSIÇÃO, CONVOCAÇÃO, PRESENÇA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), PRESIDENTE, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL), SENADO, ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, EXTENSÃO, PROBLEMA, FALTA, ENERGIA ELETRICA.
  • SAUDAÇÃO, ESTUDANTE, UNIVERSIDADE ESTADUAL, MUNICIPIO, ARARAQUARA (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PARTICIPAÇÃO, CURSO DE EXTENSÃO, FUNDAÇÃO ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PUBLICA (ENAP), PRESENÇA, GALERIA, SENADO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Ademir Andrade, Srªs e Srs. Senadores:  

Estamos extremamente preocupados com o que aconteceu ontem à noite do Rio de Janeiro até o Rio Grande do Sul e o Paraguai.  

Na conclusão do nosso pronunciamento, hoje, sobre a importância do Imposto Tobin, vamos falar uma palavra sobre o maior blecaute ocorrido deste 1985.  

No último dia 3 de março, participei de debate no Congresso Nacional acerca da "Ditadura dos Mercados Financeiros". Um dos debatedores foi o Sr. Bernard Cassen, Diretor do Jornal Le Monde Diplomatique , Presidente da ATTAC - Associação para a Taxação das Transações Financeiras e Ajuda aos Cidadãos. Cassen disse que a livre circulação de capitais tomou conta do planeta nos últimos anos, sem que nos preocupássemos com as conseqüências que poderiam advir das entradas e saídas de grandes somas de recursos dos países. Mostrou também que o fluxo e refluxo de capitais têm contribuído para o aumento da insegurança financeira mundial e agravado as desigualdades sociais. O Brasil é um dos países que tem sido prejudicado fortemente por essa instabilidade.  

Cassen também nos alertou para um outro tema: as negociações que hoje estão acontecendo no âmbito da Organização Mundial do Comércio - OMC -, visando a implementação do Acordo Multilateral de Investimentos - AMI. Destacou alguns pontos inaceitáveis do Acordo, tais como os que garantiriam aos investidores estrangeiros o direito de investir em qualquer área, setor ou atividade sem nenhuma restrição, ou seja, os investidores estrangeiros teriam o direito de contestar qualquer política governamental que considerassem como uma ameaça aos seus lucros. O AMI também asseguraria o direito à indenização dos investidores estrangeiros ou que eles pudessem exigir a revogação de medidas que julgassem discriminatórias. Não bastassem essas cláusulas, o Acordo permitiria ainda que os investidores estrangeiros acionassem os governos nacionais em tribunais de sua própria escolha. Em outras palavras, isso significaria a abdicação da potestade do Estado. A adesão a esse acordo global de liberalização dos investimentos poderá reduzir de forma brutal a capacidade de defesa dos interesses de qualquer país frente aos interesses das empresas transnacionais.  

Salientei ao Sr. Bernard Cassen, Diretor do Le Monde Diplomatique , a importância de vermos a questão da globalização, sobretudo do ponto de vista do ser humano, porque muitos Chefes de Estado, como o próprio Presidente Bill Clinton, têm visto a questão da internacionalização da economia muito mais do ponto de vista do direito de os proprietários de capital realizarem investimentos onde quiserem, de exportarem bens e serviços, como, por exemplo, desde o Alasca até a Patagônia, sem se dar a mesma atenção à questão dos direitos do ser humano, direitos à cidadania. Há que se ver, sobretudo e em primeiro lugar, os direitos da pessoa humana nesse processo de internacionalização, de globalização.  

Cassen informou que foi justamente para agrupar forças contra essa liberalização desmesurada dos mercados que foi criada, na França, a ATTAC - Associação para a Taxação das Transações Financeiras e Ajuda aos Cidadãos. Espelhando-se nela, organizações com as mesmas finalidades estão sendo constituídas em diversos países, tais como Bélgica, Alemanha, Canadá e Brasil, dentre outros. Delas participam pessoas de todos os segmentos. Bernard Cassen foi enfático ao afirmar que a ATTAC não é um movimento político, mas, sobretudo e antes, cívico, disposto a lutar frontalmente contra os efeitos adversos da globalização financeira. A principal fonte de inspiração da instituição presidida por Cassen é a famosa proposta do Imposto Tobin, que está por merecer mais atenção no Brasil.  

Em 1972, na Universidade de Princeton, o Professor James Tobin, laureado com o Nobel de Economia, formulou a proposta de se instituir uma taxa sobre as transações financeiras internacionais, menor que 0,5% sobre o valor de cada transação. Para usar a imagem do próprio Tobin, seria como colocar um pouco de areia nas engrenagens financeiras internacionais. O propósito é o de inibir os movimentos desestabilizadores dos capitais de curto prazo, sem prejudicar o movimento do comércio internacional e dos investimentos de capital de longo prazo. Os recursos arrecadados poderiam constituir um fundo para dar apoio à estabilização e ao combate à pobreza, à promoção da cidadania nos diversos países. A sugestão de Tobin é a de que os países possam ficar com, pelo menos, 50% da arrecadação do imposto, no caso dos países menores, até 100%.  

Mais recentemente, Tobin tem proposto que essa taxa seja, no máximo, de 0,25%. No seu exemplo, "um imposto de 0,2% sobre uma transação financeira, uma viagem de ida e volta para outra moeda, custaria 48% ao ano se realizada todo dia útil do ano; 10% se toda semana; 2,4% se todo mês. Mas seria uma taxa trivial sobre o comércio de mercadorias ou os investimentos de longo prazo" (Prólogo de The Tobin Tax. Coping with Financial Volatility ). 

Os objetivos fundamentais do Imposto Tobin, em suas palavras, "são (1) de fazer com que as taxas de câmbio reflitam sobretudo os fundamentos de longo prazo em relação às expectativas e riscos de curto prazo, e (2) preservar e promover a autonomia de políticas macroeconômicas e monetárias nacionais".  

Em anos recentes, a sua proposição vem alcançando apoio gradativamente maior. Na cúpula social da ONU, em março de 1995, em Copenhague, por exemplo, o Presidente da França, François Mitterand, e os primeiros-ministros da Dinamarca e do Canadá apoiaram firmemente a proposta, ocasião em que a Deputada do Congresso norte-americano, Bella Azburg, que infelizmente faleceu recentemente, também fez um discurso veemente a favor. Tendo sido representante do Senado Federal naquela Cúpula de Copenhague, pronunciei-me, logo ao chegar, da tribuna desta Casa, destacando a importância de o Brasil também estar apoiando a criação daquele mecanismo. Desde então, com as crises havidas na Ásia, na Rússia e no Brasil, cresceu o sentimento de que esses movimentos especulativos de capital precisam ser submetidos a um controle. Cresceu, em particular, o interesse pela proposta de James Tobin.  

Diversos economistas do PT têm falado favoravelmente a respeito da proposição de Tobin. Em outubro de 1998, na cidade de Porto, Portugal, da Cúpula Ibero-Americana, o Presidente Fernando Henrique Cardoso apoiou a criação do Imposto Tobin. Pela primeira vez, o Governo brasileiro, que vinha expressando em fóruns internacionais a necessidade de criar mecanismos para conter os movimentos especulativos, resolveu apoiar abertamente aquela proposta.  

Se pudesse fazer uma recomendação ao Ministro Pedro Malan e ao Presidente do Banco Central, ainda que minhas recomendações dificilmente seriam por eles consideradas, eu diria que, na visita que ontem iniciaram pela Europa, Estados Unidos e Japão, aproveitassem a oportunidade não apenas para visitar banqueiros, investidores e o FMI, mas também para dialogar com pessoas iluminadas como o professor James Tobin, na Universidade de Yale. Não apenas sobre o Imposto Tobin, mas também sobre diversas outras contribuições que ele tem dado para temas altamente relevantes para o Brasil, como a questão dos regimes cambiais, controle dos movimentos internacionais de capitais em âmbito nacional, condução das políticas monetária e fiscal e a implementação de um programa eficaz de erradicação da pobreza por meio de um imposto de renda negativo que asseguraria a todos um mínimo de renda. Tenho a certeza de que, se tivéssemos seguido os conselhos de Tobin, estaríamos em situação muito melhor do que hoje, sem precisar nos sujeitar aos ditames do Fundo Monetário Internacional e dos mercados financeiros.  

Gostaria, Sr. Presidente, em minha conclusão, de destacar a gravidade do problema que viveu ontem o Brasil, sobretudo os Estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com conseqüências inclusive para o nosso país vizinho, o Paraguai, cuja energia é sobretudo servida por Itaipu.  

Ontem houve o maior blecaute desde 1985, com uma extensão ainda não completamente sabida. Até hoje de manhã, quando vinha para cá, ouvindo o noticiário de rádio, observei que as autoridades responsáveis pelo fornecimento de energia no Brasil, seja da Eletrobrás, de Itaipu, de Furnas ou da nova organização privada que estaria responsável pelo fornecimento de energia, não sabiam explicar completamente o que realmente aconteceu. Fico extremamente preocupado e, portanto, nós, do Bloco de Oposição, vamos requerer a presença do Ministro de Minas e Energias na Comissão de Infra-Estrutura para explicar a extensão, a causa desse grave fenômeno para a economia e para o bem-estar da sociedade brasileira.  

Será que a autoridade governamental brasileira está preocupada com a sua responsabilidade em garantir a continuidade de um serviço público, como o fornecimento de energia para as residências, para as indústrias, para o comércio, para os serviços, para toda a atividade econômica? Ou será que a autoridade governamental brasileira está muito mais preocupada com os negócios que se realizam com o sistema de eletricidade brasileiro? Há um contraste notável entre o que aconteceu ontem, prezada Líder, Senadora Marina Silva, e a informação que a jornalista Míriam Leitão publicou hoje, intitulada: Lightpar A Mil.  

"A ação da LightPar deu outro salto ontem de 42%. Em 13 pregões subiu 928,5%. A razão da euforia é uma decisão, no mínimo controversa, da Eletrobrás. A LightPar vai ter 49% de uma joint venture que terá o direito de uso das linhas de transmissão de energia." (...)  

A LightPar era, até esta decisão, uma empresa resultado da cisão da Light feita na época da privatização. Seu ativo foi formado com ações da Eletropaulo que pertenciam à Light, antes da privatização, e alguns créditos a receber."

 

O que me parece é que as autoridades da área de Minas e Energia, as autoridades do Palácio do Planalto, da Casa Civil, o Presidente Fernando Henrique, a Eletropaulo, a Eletrobrás e Itaipu estão mais preocupados em realizar negócios que rendem 1.000% praticamente em treze pregões enquanto, ao mesmo tempo, deixam o sistema de fornecimento de energia elétrica viver um dia de colapso tão grave quanto ontem registrado.  

Repito: não sabemos ainda as razões completas, e estranho que os responsáveis pelo fornecimento de energia elétrica, passadas tantas horas desde o blecaute, ainda não tenham sabido informar ao povo brasileiro e sobretudo aos afetados, inclusive às pessoas que ontem ficaram presas em elevadores e nos trinta e cinco trens de metrô que estavam circulando às 22h20min de ontem, por que todas as cidades ficaram simplesmente às escuras, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Sul. Até este instante não temos a explicação completa sobre o que aconteceu.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Com muita honra, Senadora Marina Silva.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - Acompanhei o pronunciamento de V. Exª, que se divide em duas partes. Na primeira, V. Exª faz um questionamento da economia mundial, principalmente do ponto de vista de uma crítica ao que está sendo praticado pelo capital financeiro e seus interesses especulativos. V. Exª também afirma que a sociedade se organizou para tentar fazer frente a esse tipo de abuso às economias mundiais. Assisti à palestra a qual V. Exª se refere e confesso que saí dali com novo ânimo, o ânimo de que é possível dar resposta a uma nova fase que a humanidade está atravessando, o deslocamento das decisões políticas para as empresas transnacionais. Há cerca de 30 anos, vivíamos a ilusão de que eram os políticos que operavam diretamente a política, muito embora o capital econômico tivesse grande influência sobre os processos políticos, sobre a gestão do Estado. Hoje, as grandes empresas sobrepujam o Estado, a política, os políticos e constróem os seus próprios caminhos, as suas próprias leis. Posso citar um exemplo. Há mais ou menos um ano, foi constituído um pool de grandes transnacionais e queriam instituir uma espécie de pacto: o de que seus investimentos só seriam realizados em países que não colocassem barreiras ambientais aos seus projetos. Ou seja, essas empresas, na Europa, nos Estados Unidos, no Japão, são obrigadas a cumprir certos pré-requisitos ambientais, o que as leva a fazer um grande investimento. Portanto, elas têm que retirar do seu capital recursos para fazer esses investimentos. E querem impor como condição para os seus investimentos que essa operação não seja necessária nos países em desenvolvimento, desrespeitando as constituições desses Estados nacionais e as suas leis ambientais. Eu disse isso para que se tenha uma idéia de como essas empresas constituem um verdadeiro governo paralelo aos interesses da sociedade. Por último, V. Exª se referiu ao colapso de ontem. V. Exª discorreu muito bem sobre o assunto. Quero fazer apenas uma observação: no que se refere ao processo de privatização, além de outras justificativas, disseram que ela teria como objetivo responder a um item importante: o da eficiência e o da competência, porque as empresas públicas não eram capazes de dar respostas eficazes a determinadas questões. No entanto, após as privatizações, o que vemos são episódios como os que V. Exª acaba de narrar. Na área das telecomunicações, muitas pessoas, muitos cidadãos brasileiros reclamam dos péssimos serviços que estão sendo oferecidos. Então, concordo inteiramente com V. Exª que, infelizmente, o Estado fez da sua própria condição uma casa de negócios. Como observação, talvez o povo brasileiro devesse dizer àqueles que têm essa atitude: "Não façam da instituição que deveria defender os interesses da sociedade, que é o Estado, uma casa de negócios". Muito obrigada.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço o aparte da Senadora Marina Silva.  

Considero extremamente importante a observação de V. Exª de que os investimentos das empresas multinacionais precisam ser submetidos aos critérios dos diversos países que têm preocupação com a preservação do meio ambiente e com o bem-estar de seus povos.  

Também quero assinalar a importância de convocarmos o Ministro das Minas e Energia, o Presidente da Aneel, que tem responsabilidade, por responder sobre o colapso dos serviços de energia elétrica, bem como os Presidentes de Itaipu e de Furnas, enfim, as autoridades que podem esclarecer as razões pelas quais houve esse grave colapso ontem à noite.  

Sr. Presidente, concluindo, quero saudar os estudantes da Unesp de Araraquara, que estão esta semana em Brasília participando de curso na Escola Nacional de Administração Pública. Eles estão presentes nas galerias, visitando-nos nesta manhã, no Senado Federal.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/1999 - Página 5260