Discurso no Senado Federal

DESENVOLVIMENTO DE VACINA CONTRA ESQUISTOSSOMOSE PELA DRA. MIRIAM TENDLER, DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ), EM PARCERIA COM O INSTITUTO BUTANTÃ.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • DESENVOLVIMENTO DE VACINA CONTRA ESQUISTOSSOMOSE PELA DRA. MIRIAM TENDLER, DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ), EM PARCERIA COM O INSTITUTO BUTANTÃ.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/1999 - Página 5902
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ELOGIO, TRABALHO, MIRIAM TENDLER, COORDENADOR, GRUPO, PESQUISADOR, FUNDAÇÃO INSTITUTO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ), DESENVOLVIMENTO, VACINA, COMBATE, ESQUISTOSSOMOSE.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, "Brasileiro desenvolve vacina inédita"! Sob esse título, um periódico de grande circulação trouxe-nos uma notícia alvissareira: uma equipe de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantã desenvolveu uma vacina contra a esquistossomose.  

Tal feito nos levou a diversas conclusões positivas, que pretendo informar a este colendo Plenário. Antes, porém, sinto-me no dever de corrigir o título do jornal, para que se faça justiça: "BRASILEIRA desenvolve vacina inédita".  

Sim, nobres Colegas, uma mulher, a brasileira Míriam Tendler, da Fiocruz, que há 15 anos pesquisa a solução para a esquistossomose, é a coordenadora da equipe que conseguiu produzir em laboratório a molécula de uma proteína chamada Sm14. A Sm14 é a base da nova vacina e teve que ser modificada, subclonada, para ser aceita em testes com seres humanos.  

Feita esta indispensável ressalva, passemos aos aspectos positivos do trabalho da Dra. Míriam Tendler. A aprovação da vacina pela Organização Mundial de Saúde colocou o Brasil na vanguarda da luta contra a esquistossomose. Essa doença crônica, que tem como hospedeiro o caramujo, atinge quase 300 milhões de indivíduos no mundo. Só no Brasil, estima-se em 12 milhões o número de pessoas contaminadas. A doença, que é endêmica no Nordeste, em Goiás e em Minas Gerais, encontra-se em franca expansão nas regiões Sul e Sudeste, em conseqüência das migrações internas.  

A esquistossomose causa complicações intestinais, hemorragias e disfunção do fígado. Dependendo do grau de infestação, o fígado pode aumentar muito de tamanho. O doente fica com o abdomem dilatado, o que originou a expressão popular "barriga-d’água", uma das tristes características do nosso sertanejo.  

Existem algumas drogas terapêuticas, como o hicantone, capazes de matar o verme no organismo humano. Entretanto, além de serem tóxicas, não são totalmente eficazes e de pouco adiantam, se o fígado do doente já estiver muito prejudicado.  

Inegavelmente, a melhor forma de combater a esquistossomose é a educação. Quando os brasileiros do interior tiverem possibilidade de freqüentar ao menos as duas séries iniciais do ensino fundamental, aprenderão as medidas preventivas básicas, das quais as mais importantes se resumem em ferver a água a ser bebida e não nadar em água contaminada.  

É claro que, quando as populações interioranas dispuserem de instalações sanitárias adequadas, mesmo que rústicas, a contaminação dos rios, lagos e açudes em muito se reduzirá. Mas a consciência da necessidade de fossas sépticas e de outros sistemas de escoamento de dejetos é também decorrente de um mínimo de escolarização.  

Compreendemos que, em um país de dimensões continentais como o nosso, os problemas têm também dimensões continentais. Assim, os 12 milhões de brasileiros infectados constituem uma população maior que a de Portugal ou a da Suécia; mais que o dobro do número de habitantes do Paraguai e mais que o triplo da população do Uruguai.  

Portanto, Sr. Presidente, enquanto a educação não atingir o interior do Brasil, enquanto as normas de higiene mais elementares forem desconhecidas desses compatriotas, endemias como a esquistossomose encontrarão solo fértil no organismo de cada brasileiro ignorante.  

A esperança para esses indivíduos está nas mãos da Dra. Míriam, porque, pela primeira vez no mundo, seres humanos poderão ser vacinados contra a esquistossomose.  

Todos nós conhecemos a carência de recursos para pesquisa, no Brasil. Mesmo assim, a equipe dessa médica da Fiocruz superou três outras instituições; duas norte-americanas, que não conseguiram ainda adaptar a vacina a seres humanos, e uma francesa, cuja vacina apresenta resultados apenas contra um tipo de parasita restrito às regiões da África.  

A vacina brasileira terá sua toxidade avaliada, de início, em voluntários saudáveis, do sexo masculino. Em breve será testada, simultaneamente, no Brasil e no Egito, onde a esquistossomose também é endêmica.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há precisamente oitenta anos, em 1919, surgiu em nossa literatura um personagem que, em pouco tempo, se transformou no símbolo do caboclo brasileiro, o Jeca Tatu.  

No dizer do seu criador, o genial Monteiro Lobato, o Jeca "não fala, não canta, não ri, não ama". "Antes de agir, acocora-se" Mas o próprio escritor reconheceu que a indolência, a incapacidade de agir e até de pensar do pobre Jeca eram causadas pela doença. E em uma nota, dirigida ao próprio personagem, reconheceu a injustiça da crítica que fizera ao pobre Jeca Tatu: "Está provado que tens no sangue e nas tripas um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte. Tens culpa disso? Claro que não."  

Um dia, nobres Colegas, Jeca Tatu existirá apenas nos textos das escolas brasileiras e na obra imortal de Monteiro Lobato. Mas só quando o analfabetismo for completamente erradicado, de todo o território nacional.  

Enquanto essa "idade de ouro" não chega; enquanto a educação não se tornar o principal instrumento da medicina preventiva, que a primeira vacina parasitária do mundo torne a Dra. Míriam Tendler a libertadora dos 12 milhões de Jecas do nosso Brasil.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/1999 - Página 5902