Discurso no Senado Federal

CRITICAS AO TRATAMENTO DADO AOS DEFICIENTES FISICOS NO PAIS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CRITICAS AO TRATAMENTO DADO AOS DEFICIENTES FISICOS NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/1999 - Página 5894
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, INJUSTIÇA, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, OMISSÃO, GOVERNO, FALTA, FISCALIZAÇÃO, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, PORTADOR, DEFICIENCIA FISICA.
  • ELOGIO, TRABALHO, PREFEITURA, MUNICIPIO, OLIMPIA (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ADOÇÃO, MEDIDA PREVENTIVA, PROTEÇÃO, PORTADOR, DEFICIENCIA FISICA, ESPECIFICAÇÃO, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL.
  • COMENTARIO, COMPETENCIA, ESTADO, GARANTIA, POLITICA, PREVENÇÃO, DEFICIENCIA FISICA.
  • IMPORTANCIA, INSTALAÇÃO, SUBCOMISSÃO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, CAMARA DOS DEPUTADOS, DESTINAÇÃO, ANALISE, ELABORAÇÃO, POLITICA, ATENDIMENTO, DEFICIENTE FISICO.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que trago a este Plenário diz respeito a uma minoria de pessoas que vive esquecida no nosso País. As políticas públicas não atendem àquilo que seria a dimensão correta e justa da dignidade humana. Refiro-me aos portadores de deficiência física.  

Essas pessoas encontram-se atualmente em uma situação muito especial e muito delicada, com o corte de recursos perverso, injusto e incompreensível por parte do Governo Federal. O orçamento previsto era de R$1,720 bilhão; houve um corte que o reduziu a R$ 1,590 bilhão. Essa situação é profundamente delicada, inaceitável e injustificável.  

Os portadores de deficiência física não foram sequer quantificados até hoje. Eu gostaria de ilustrar esse fato, de modo muito crítico, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com as estatísticas apresentadas pelo IBGE e reconhecidas pelo Ministério da Justiça, que é o órgão que trata da política regulamentadora e normativa em relação aos portadores de deficiência. A cada dez domicílios, o IBGE colhe dados de um e registra as estatísticas do nosso País. O Ministério da Saúde usa o mesmo tipo de método estatístico e controle de informação, possivelmente justificado pela contenção de despesas.  

O montante de portadores de deficiência física é da ordem de 10% da população brasileira: 5% são vítimas da deficiência mental, 2% vítimas de deficiência física, 1,5% vítimas da deficiência auditiva, 1% vítimas da deficiência múltipla e 0,5% vítimas de deficiência visual - dados do IBGE, reconhecidos pelo Ministério da Justiça do nosso País.  

Eu gostaria de justificar uma estranheza diante desses dados, que critico de forma clara, porque países de Primeiro Mundo, que têm uma política de proteção e cidadania a seus membros, como a Suécia, os Estados Unidos e a Espanha, têm os seguintes índices de registro de portadores de deficiência física: a Suécia, 19%; os Estados Unidos, 20,6% e a Espanha, 21,8%. É de se estranhar que o nosso País, com as características socioeconômicas de vulnerabilidade nas políticas públicas e de proteção ao cidadão, como mostram os jornais diariamente, encontre apenas 10% de registros, tendo como referência uma estatística realizada pelo IBGE, que, repito, a cada dez domicílios brasileiros, coleta dados de um e faz a sua estatística.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste pronunciamento, quero referir-me a um parente próximo, portador de deficiência; a um parente distante; àquele amigo que, naturalmente, ocupava as nossas atenções; às nossas famílias; àquela criança que, com suas diferenças, carinhosamente é acolhida pelas demais, como é próprio das crianças, que não carregam o preconceito na sua vida. Lembro-me das pessoas que são portadoras de deficiência motora, sensorial, visual ou auditiva.  

Eu gostaria de registrar o comportamento fantástico do Município de Olímpia, a que já fiz referência nesta Casa. A deficiência visual, auditiva, mental, orgânica ou de outra forma é decorrente de complicações que vão da gravidez, do parto, do puerpério ou de outras situações sociais. Pessoas portadoras de deficiência física necessitam - e todos o reconhecem - de cuidados especiais. A Prefeitura do Município de Olímpia, em São Paulo, há mais ou menos dois anos, realizou um trabalho em prol dos portadores de deficiência. A Prefeitura nunca se importou com origem partidária ou envolvimento político pela grandeza do assunto. Entende que a vida de uma criança, o cuidado e a atenção com o seu desenvolvimento iniciam bem antes do nascimento, na barriga da sua mãe. É seu direito ter condições de bom acompanhamento no pré-natal, com apoio social, nutricional e psicológico e um acolhimento da qualidade de vida, importante no momento de dar à luz.  

Belo Horizonte registra um caso de deficiência visual a cada oito horas em crianças recém-nascidas, acometidas exclusivamente pela toxicoplasmose, doença infecciosa que ocorre na gravidez. Isso indica que a gravidez não foi bem-cuidada, não foi bem-atendida.  

O Município de Olímpia registrava 52 mortes em cada mil crianças que nasciam e completavam um ano de idade. Eles tomaram cinco medidas simplificadas de prevenção e reduziram para nove, por mil, o índice de mortalidade infantil.  

O problema que atinge os portadores de deficiência física não diz respeito apenas à mortalidade, mas está em torno da mortalidade infantil, da mortalidade perinatal, da condição do nascimento dessas crianças brasileiras. O dano sócioeconômico, cultural, ético é irreparável em toda a existência dessas pessoas.  

Esses casos atingem aproximadamente 16 milhões ou 10% da nossa população; apenas 3% têm seus direitos de proteção observados.  

A simples identificação médica da pessoa portadora de deficiência não permite identificá-la, pois, de fato, o que identifica o portador de deficiência é o grau de dificuldade a ser superado não só pelo sujeito de direitos, mas também por seus familiares. Essa via crucis , que, para a grande maioria inicia-se na primeira infância, impede a visibilidade do Estado, primeiro e grande responsável pela política de saúde, de acordo com os compromissos firmados na Constituição Federal, no seu art. 203, incisos III e IV, da Legislação Ordinária e, ainda, por força dos compromissos internacionais aderidos e devidamente ratificados pelo Estado brasileiro.  

Identifico, em especial nos meus amigos pacientes, portadores de deficiência, a dificuldade imposta pelas suas condições econômicas, que determinam a qualidade de habitação, saúde, higiene, transporte, educação, etc.  

Sábio foi o Legislador Constituinte, Sr. Presidente, que previu a responsabilidade ativa e solidária do Estado, da família e da sociedade em proteger todo aquele que, por alguma limitação motora, visual ou mental encontra-se em desvantagem no campo da competição de oportunidades, conforme o art. 207 da Constituição Federal.  

Eu gostaria de lembrar, Sr. Presidente, que ao Estado compete garantir mecanismos de prevenção das deficiências. É à gestante e ao bebê que deve, em primeiro lugar, o Estado olhar com carinho, com o amparo institucional, iniciando, assim, a política de prevenção. Milhares de mães são impedidas do acesso a uma gravidez saudável, concebendo filhos não saudáveis.  

Crianças e adolescentes, na maioria dos casos, têm o seu acesso à escola materialmente proibido. Não raro, tomamos conhecimento que coube à pessoa portadora de deficiência física uma sala de aula situada no primeiro ou até mesmo no segundo andar de um prédio sem elevador e, às vezes, sem uma rampa.  

Em plena capacidade de produção, o portador de deficiência física iniciará a terceira e cruel etapa de sua vida. É uma verdadeira guerra a sua inclusão no mercado de trabalho.  

Não raro, mandados de segurança batem às portas do Judiciário querendo fazer valer a lei. Lembro a luta de um advogado, cujo procedimento tramita no Ministério da Justiça e na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que, após vencer concurso de acesso a serviço público, foi recusado, por tratar-se de portador de deficiência visual.  

Srªs e Srs Senadores, o idoso pobre, que já enfrenta muitos outros problemas, tem agravada a sua condição naquela etapa de vida quando nem sempre predomina o devido respeito, aumentando as carências a serem supridas. A quem recorrerão os idosos e as idosas quando lhes faltar aquele apoio que lhes assistiu a vida inteira, como o caso de um filho, uma filha ou um parente que venha a desaparecer antes mesmo do idoso, portador de deficiência física? Pode o Estado tapar ouvidos, olhos e não atender a casos de tal natureza?  

Exemplo recente é o dos nossos soldados da borracha, no Estado do Acre. O Estado está impondo a prova material do direito à aposentadoria, sem reconhecer as peculiaridades da nossa Região. Como o Senador Gilberto Mestrinho bem sabe, uma pessoa não pode conservar os seus documentos por 50 anos de vida, numa região de seringal, em uma área de floresta como aquela, onde as traças, a umidade e os fungos destróem, verdadeiramente, qualquer prova material do direito ao benefício. Todos sabem que os nossos soldados da borracha, quantos deles, são vítimas mutiladas de acidente por picada de cobras, por acidentes com madeira, no transporte de embarcações e das condições atuais. São situações inaceitáveis as que estão ocorrendo.  

Nos tempos atuais, a sociedade depara-se com a terrível realidade do desemprego. São milhões de desempregados e pessoas expostas a toda forma de sobrevivência, daí a necessidade de a sociedade rever suas exigências frente às relações de trabalho e serviço, rever a necessidade de produção de quantidade e qualidade para priorizar os serviços que devem ser prestados na sociedade.  

A Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, do ano de 1999, recomenda-nos a reflexão sobre a busca de alternativas à falta de lugar em postos de emprego e aponta o trabalho como fator determinante de inclusão e satisfação pessoal. Nessa busca, seguramente, nossos amigos e amigas portadores de deficiência física encontrarão espaço privilegiado. Caberá primordialmente à União, ao Estado e ao Município a proteção dos direitos dos portadores de deficiência e o acesso às formas laborais. Não obstante, Sr. Presidente, a responsabilidade definida na Constituição Federal não poderá ser de exclusividade do Estado. À sociedade impõem-se gestos e ações de solidariedade aos irmãos e irmãs mais necessitados. Uma sociedade que se pretenda justa deve buscar meios para incluir a pessoa portadora de deficiência.  

Iniciativas de grande importância, como os Seminários e Conferências realizados pelas entidades de direitos humanos, merecem nosso destaque. Ainda no ano de 1997, um grande Seminário foi realizado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, com a participação de ilustres militantes dessa nobre causa, a exemplo do radialista Osmar Santos, do escritor Marcelo Paiva e do atleta João do Pulo, entre outros.

 

Quero destacar a importância da instalação, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, de subcomissão destinada à reflexão e elaboração de políticas voltadas para a pessoa portadora de deficiência física, tendo à frente Parlamentares dedicados à causa, como os nobres Deputados Flavio Arns e Eduardo Barbosa.  

Não queremos mais assistir, indiferentes, à humilhação a que estão submetidos, nos corredores e vias públicas, os filhos diletos desta Nação, aqueles que mais necessitam ser protegidos pelo Estado e pela sociedade.  

Quis o legislador, de forma tímida, conferir a garantia da percepção de um salário mínimo ao portador de deficiência. No entanto, sem que o referido valor pecuniário pudesse atender as necessidades básicas do cidadão ou da cidadã, afrontou a dignidade de pessoas portadoras de deficiência a Lei nº 8742, de 07 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da assistência social e dá outras providências, quando determinou como parâmetro de carência familiar a renda mensal irrisória de um quarto do salário mínimo da renda per capita . 

Felizmente, tal ultraje que entende que uma pessoa, neste País, pode sobreviver com R$33,75 (trinta e três reais e setenta e cinco centavos) não tem passado indiferente à sensibilidade de um grande número de Parlamentares que materializaram suas críticas em diversas iniciativas legislativas, como o Projeto de Lei nº 738, de 1995, com dezesseis apensos, em que se apresenta um leque de opções para o aumento do parâmetro de renda, desde meio salário mínimo até dez salários mínimos. Destacaria, como lembrança e como uma coisa que não podia sair da pauta da política brasileira, o Projeto de Renda Mínima de V. Exª, Sr. Presidente.  

A omissão das autoridades, de um lado, a falta de fiscalização por quem de direito e, de outro, a desinformação contribuem para agravar a situação de milhares de cidadãos reduzidos em sua capacidade física e intelectual. Junte-se a essas preocupações a notícia veiculada há dois dias, por emissora de televisão, de que pais de deficientes físicos e mentais fizeram protesto, em Belo Horizonte, chamando a atenção para os problemas causados pelo corte de 27% dos recursos para a reabilitação dos deficientes.  

É preciso repararem-se as injustiças que já feriram profundamente a dignidade dos portadores de deficiência, sob pena de, não o fazendo, termos também a nossa dignidade de autoridades ferida de morte.  

A filosofia de inclusão da pessoa exige o cumprimento das normas de edificações de uso público e a fabricação de veículos de transporte coletivo de modo a facilitar a locomoção e a integração social dessas pessoas. Com o objetivo de normatizar o tema é que, tendo passado no Senado, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 5.993, de 1990, com nove apensos.  

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Permita-me V. Exª informar-lhe que, como o tempo da sessão está esgotado, esta Presidência vai prorrogá-la o suficiente para que possa concluir seu pronunciamento.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço a tolerância de V. Exª, Sr. Presidente.  

Para, afinal, ter de fato uma sociedade em que todos os cidadãos e todas as cidadãs sejam iguais, conforme preceitua a Constituição Federal, é necessário aos desvalidos compensar-lhes com programas e políticas de proteção.  

Em diversas passagens da Sagrada Escritura, Jesus tem uma atitude de caridade com os que estavam excluídos de seu meio por causa da doença: a lepra, a cegueira, a paralisia etc. Ao mesmo tempo, a cura pelos milagres tem o efeito pedagógico de enviar a pessoa que estava excluída do convívio dos demais. Muitas festas ocorreram para celebrar a volta de quem estava ausente, de quem não estava integrado socialmente.  

Sr. Presidente, conclamo que, inspirados pelo exemplo do Evangelho, tenhamos a responsabilidade e a eficiência de incluir os que estão à margem da sociedade, jogados nos semáforos e nas habitações precárias, ignorados pelo Estado e pela sociedade.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/1999 - Página 5894