Discurso no Senado Federal

PROPOSTA DE CRIAÇÃO DE UMA MACRO COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO PARA APURAR O NEPOTISMO E O PROTECIONISMO NO BRASIL.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO.:
  • PROPOSTA DE CRIAÇÃO DE UMA MACRO COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO PARA APURAR O NEPOTISMO E O PROTECIONISMO NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/1999 - Página 5963
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO.
Indexação
  • PROPOSTA, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, NEPOTISMO, IRREGULARIDADE, PROTEÇÃO, INTERESSE PARTICULAR, CORRUPÇÃO, PODER PUBLICO, BRASIL.
  • DENUNCIA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), POSSIBILIDADE, IMPUNIDADE, RESPONSAVEL, CORRUPÇÃO, INDICAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TITULO DA DIVIDA PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, DIRIGENTE, BANCO PARTICULAR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), BANCO ESTADUAL, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARANA (PR).
  • DENUNCIA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUSENCIA, CONTINUAÇÃO, DIVULGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO, MOTIVO, INICIO, PATROCINIO, TELEJORNAL, BANCO PARTICULAR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RESPONSABILIDADE, CORRUPÇÃO.
  • EXPLICAÇÃO PESSOAL, ACUSAÇÃO, DIVULGAÇÃO, TELEJORNAL, NEPOTISMO, ORADOR, CONTRATAÇÃO, IRMÃO, GABINETE, SENADO.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tantas CPIs são sugeridas no Congresso Nacional - inclusive V. Exª coloca agora em discussão a CPI do Judiciário - que me estimulo e me encorajo a propor uma macro CPI do nepotismo, do protecionismo; uma CPI que investigue os grandes protegidos pelo Poder no Brasil.  

A palavra nepote surge do italiano. Nepote é o sobrinho do Papa. E o sobrinho do Papa, em conseqüência da influência do seu tio, sempre foi um protegido da estrutura política e administrativa na Itália.  

Mas estamos nos deparando com proteções muito mais sérias atualmente no Brasil. Abro o jornal O Globo e vejo um belíssimo artigo de duas jornalistas extremamente competentes, a Maria Luiza Abbott e a Leandra Peres, que fizeram a cobertura da CPI dos Precatórios. E elas nos mostram que alguns nepotes foram privilegiados com uma medida provisória que viabiliza - pasme, Senador Bernardo Cabral, meu Presidente da CPI dos Precatórios - a rolagem das letras financeiras fraudadas para pagar precatórios inexistentes. Medida provisória editada pelo padrinho dos banqueiros que ganharam com a CPI, o nosso Presidente Fernando Henrique Cardoso. A Medida provisória é a "mãe" de todo o nepotismo que ocorre no País hoje. A justificativa é que não se pode mais identificar nas mãos de quem estão as letras financeiras irregularmente emitidas.  

Meu Deus! Não se pode identificar nas mãos de quem estão?  

Pois se faltasse ao Presidente da República essa informação, consultasse ele o Senador Bernardo Cabral ou o Relator ou os autos da CPI. Os títulos estão nas mãos do Banco Bradesco e estão nas mãos do Banco do Estado do Paraná. Prova material da responsabilização do diretor do Bradesco Katsumi Kihara faz parte dos documentos da CPI. Prova material que descreve com uma antecedência enorme toda a cadeia da felicidade. E, se na ponta final não estivesse um grande banco comprando os títulos e jogando num fundo de renda fixa de curto prazo, ninguém roubaria nada, porque a operação cairia e os títulos voltariam para os fundos estaduais e municipais. Nas mãos do Bradesco e nas mãos do Banco do Estado do Paraná.  

Mas a medida provisória estabelece que a questão não é mais do Governo. O Governo rola, e a justificativa é a de que não podem ser identificados os responsáveis pelo processo; e, portanto, não se pode resolver, de outra maneira, um problema do mercado financeiro. Não se trata de um problema do mercado financeiro, mas sim dos "nepotões"; trata-se do acordo feito com o Governador do Paraná, que quebrou o Banco do Estado que está a ser vendido, e das ligações do Governo Federal com o Banco Bradesco.  

Sem a menor sombra de dúvida, os "nepotões", os sobrinhos do Poder, são os dirigentes do Governo do Estado do Paraná e os dirigentes do Banco Bradesco, um dos quais é o Sr. Lázaro Brandão, já afastado da Diretoria, também citado na CPI, onde foi ouvido. Isso é proteção e nepotismo.  

A CPI verificou, com clareza, que os títulos foram emitidos com a defesa da Liderança do Governo no Senado em relação aos absurdos e com a proteção do Governo Federal, depois de acordos políticos, como, por exemplo, o segundo turno das eleições de então para o Governo do Estado de São Paulo.  

Quero aprofundar um pouco mais a questão do nepotismo. Assessores e amigos me disseram: "Roberto, não fale hoje sobre isso. Você vai ser perseguido para o resto da sua vida". Mas, meu Deus, de que vale um mandato parlamentar, cercado de imunidades e prerrogativas, se não for para se dizer a verdade? "Conhecerás a verdade, e a verdade vos libertará" é uma afirmação bíblica, não minha.  

Sr. Presidente, o outro caso de nepotismo é muito mais sério, pois envolve a fragilidade da imprensa brasileira. Mostra a fragilidade, por exemplo, de uma rede de comunicação que, até certo momento, viabilizou a CPI dos Precatórios com cobertura e denúncias: a Rede Globo . Mas a Rede Globo foi fragilizada pela influência do poder econômico, e até ela capitulou. A cobertura era absoluta, e, num belo dia, fiz uma reunião com o pessoal do jornalismo para entregar à mídia a denúncia maior, que eram as provas contundentes quanto à participação do Bradesco no processo. Eram provas materiais, roteiros da cadeia da felicidade pré-escritos. A Rede Globo topou fazer a denúncia, com a coragem que marcou a vida de Roberto Marinho, o construtor da maior rede de televisão do País, que, em termos de qualidade, é uma das melhores redes do mundo, senão a melhor. Senador Roberto Saturnino, foi feita uma denúncia no Jornal Nacional . Mas, no dia seguinte, não houve mais denúncia. No dia seguinte, o Bradesco passou a patrocinar o Jornal Nacional . Nepote é o protegido do Papa. No caso, o nepote é o Banco Bradesco. O jornal da manhã, o Bom Dia Brasil , passou a ser patrocinado pelo Banco Boavista, envolvido até o pescoço no processo de emissão dos títulos fraudados da CPI dos Precatórios.  

A Rede Globo tem abordado essa questão do nepotismo e, inclusive, expuseram-me outro dia no Jornal Nacional , dizendo: "o Senador Roberto Requião contratou o seu irmão". Contratei-o, sim, sem nenhuma perspectiva nepotista. Sou um político conhecido no Paraná pelo fato de ter acabado com a aposentadoria de ex-Prefeitos quando fui Prefeito; e de ter acabado, junto à Assembléia Legislativa, com a aposentadoria dos Deputados. Sou o Governador que se recusou a requerer a pensão de ex-Governador, por considerá-la imoral. Sou, como muitos outros Senadores, aquele que, por quase três anos, deixou de nomear os cargos de livre nomeação em seu gabinete, porque achava que, naquele momento, eles eram desnecessários e que essa seria uma despesa absurda para o Congresso Nacional. Dos 12 funcionários que podem ser lotados, em meu gabinete há apenas quatro ou cinco, porque não preciso de mais nenhum. Porém, fui exposto pela Rede Globo como nepotista, porque contratei um irmão extraordinariamente competente, ex-Deputado Federal, que faz política comigo há 30 anos.  

Ora, temos que encarar de frente essa questão. O nepotismo é um mal na política do Brasil e no mundo quando é o nepotismo da proteção, da vantagem, dos recursos públicos e do desvio de trabalho. Porém, parentesco não é cláusula infamante. Há mais de 20 cargos em meu gabinete; preenchi um cargo com um irmão, ex-Deputado Federal de extraordinária competência, porque precisava dele.  

Na Rede Globo , um Senador, nosso Colega, disse: "É isso que desmoraliza o Senado Federal!". Meu Deus! Será que o Senador não preencheu os mais de 20 cargos inúteis em seu gabinete? Será que não aceitou as possibilidades exageradas de cargos em comissão? Mas vem à crítica - usando uma frase do Senador Artur da Távola - "dos falsos lírios do lodo", dos que se valem do moralismo de momento, e não verdadeiro, para conseguir aparecer na mídia.  

Eu gostaria de entrevistar o pessoal da Rede Globo para saber, em detalhes, por que suspenderam a denúncia dos crimes da CPI e por que, logo depois, o Banco Boavista e o Bradesco passaram a patrocinar o Jornal Nacional e o Bom Dia Brasil . No entanto, embora contamos aqui com essa maravilhosa TV Senado , que leva para o País a minha indignação neste momento, não posso entrevistá-los.  

Mas poderíamos aprofundar essa questão numa CPI, que libertasse definitivamente a imprensa do poder desses grupos poderosos. A Globo foi fundamental para que a CPI fosse adiante e para que as acusações finais dos verdadeiros responsáveis pelo desvio de dinheiro público fossem paralisadas e não fossem conhecidas.  

Hoje tenho conhecimento de que o Everardo Maciel, o nosso "xerife da Fazenda", já aplicou multa no valor de R$700 milhões em instituições financeiras envolvidas no processo de emissão fraudulenta dos títulos públicos. No entanto, tenho informações de que o Bradesco não foi sequer referido nesse processo. Vamos aprofundar essa questão.  

Mas, acima de tudo, peço aos meus amigos e aos meus assessores que nunca me digam: "Não levante determinada questão, porque o grupo é poderoso e você poderá pagar pelo resto de sua vida". "Veja o que aconteceu com o Brizola", dizem eles. Sou movido a adrenalina. Penso que a nossa função aqui é dizer a verdade. Não posso aceitar que se tente denegrir o Congresso Nacional por alguns erros, porque erros existem e sempre existirão no Senado e na Câmara, não somos perfeitos, mas não posso aceitar que, de forma fraudulenta e absurda, eu seja envolvido num processo com o qual não tenho nada a ver.  

Entrevistaram-me, coloquei as minhas razões e mostrei que não se tratava de nepotismo, mas a minha entrevista não foi ao ar. Tive que utilizar o plenário do Senado Federal e as antenas parabólicas da nossa televisão para dizer à rapaziada do Dr. Roberto Marinho que não aceito essa agressão gratuita e despropositada.  

Penso que o que interessa ao Brasil não é o irmão competente que trabalha no meu gabinete. Entre aquele Senador que falou da desmoralização do Senado e o meu irmão, eu contrataria o meu irmão, mesmo sabendo que seria criticado por isso, porque a qualidade entre um e outro é extraordinariamente diferente. O que quero saber é por que o Banco Boavista e o Bradesco passaram a patrocinar, durante a CPI dos Precatórios, o Bom Dia Brasil e o Jornal Nacional . 

Que se manifeste agora a Globo! E se pretenderem agressão, vamos aos tribunais, como disse o nosso Presidente ontem. Não quero brigar com a Globo, Presidente Antonio Carlos Magalhães. Quero simplesmente que haja uma discussão. A CPI, certamente, não será realizada; é mais uma imagem retórica. Que se consiga viabilizar para a Globo e para os outros meios de comunicação a necessária independência, para que o processo de limpeza da política financeira e administrativa do Brasil, iniciado na CPI, não seja paralisado com a contratação de dois jornais dos mais importantes do Brasil pelos grupos envolvidos!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/1999 - Página 5963