Discurso no Senado Federal

ANALISE DA SECA DO NORDESTE, RESSALTANDO A DESCONTINUIDADE E FRAGILIDADE DOS PROJETOS DESTINADOS A RESOLVER A QUESTÃO DO ABASTECIMENTO DE AGUA E A NECESSIDADE DO ESTABELECIMENTO DE UM PLANO DECENAL, COM ENFASE PARA RECURSOS HIDRICOS E MODERNIZAÇÃO DA AGROPECUARIA.

Autor
Paulo Souto (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Paulo Ganem Souto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • ANALISE DA SECA DO NORDESTE, RESSALTANDO A DESCONTINUIDADE E FRAGILIDADE DOS PROJETOS DESTINADOS A RESOLVER A QUESTÃO DO ABASTECIMENTO DE AGUA E A NECESSIDADE DO ESTABELECIMENTO DE UM PLANO DECENAL, COM ENFASE PARA RECURSOS HIDRICOS E MODERNIZAÇÃO DA AGROPECUARIA.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Djalma Bessa, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/1999 - Página 6014
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, FALTA, PLANEJAMENTO, LONGO PRAZO, INSUFICIENCIA, INVESTIMENTO, AUSENCIA, CONTINUAÇÃO, PROJETO, EFEITO, INEFICACIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • DEFESA, PLANO, DESENVOLVIMENTO, ABRANGENCIA, DECENIO, PRIORIDADE, RECURSOS HIDRICOS, MODERNIZAÇÃO, AGROPECUARIA, GARANTIA, CONTINUAÇÃO, PROJETO, PARCERIA, ESTADOS, GOVERNO FEDERAL.
  • REGISTRO, SUPERIORIDADE, INVESTIMENTO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DA BAHIA (BA), COMBATE, SECA, ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, SETOR, ESPECIFICAÇÃO, DEMORA, DECISÃO, MODELO, IRRIGAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.

      O SR. PAULO SOUTO (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, eu gostaria, inicialmente, de fazer um pedido de apoio e mesmo de condescendência dos meus colegas Senadores para quem, pela primeira vez, participa de uma Casa Legislativa.

      A mim, tenham certeza todos, jamais faltará a humildade de aconselhar-me com todos aqueles que estejam dispostos a um diálogo construtivo, ainda que protagonizado por personalidades com divergências marcantes no diagnóstico e nas soluções dos nossos grandes problemas. Afinal, o que enriquece esta Casa Legislativa é a existência da pluralidade de pensamentos, cujo entrechoque, civilizado e respeitoso, mas nem por isso apático e desanimado, tem, certamente, o poder de encontrar os caminhos desejados pela sociedade que representamos.

      Tenho certeza de que vou encontrar, entre tantos Senadores que dignificam o seu mandato e que têm dado ao Brasil exemplos admiráveis de espírito público, a inspiração e a determinação de que preciso, para ser digno dos baianos que me elegeram.

      Escalei como tema deste pronunciamento uma das inúmeras questões que envolvem a região nordestina, que tem sido objeto de tantos posicionamentos do Senado.

      Srs. Senadores, as conseqüências sociais de mais uma seca no Nordeste do Brasil, dessa última vez - a do ano passado - prevista com muita antecedência, renovaram, no início de seus efeitos, com a mesma intensidade, os estigmas e os preconceitos de sempre com relação à região e às suas lideranças.

      Lembro-me bem de que, no ano passado, no início daquela seca, ao assistir na televisão a uma entrevista com dois lúcidos Parlamentares, ligados a partidos oposicionistas, fiquei estarrecido com a simplificação do problema. “Tudo se deve” - diziam eles -“aos desvios e à má aplicação dos abundantes recursos canalizados para a região, desvios esses resultantes, naturalmente, da má qualidade de suas elites, principalmente as políticas.”

      Claro que não são minhas essas palavras. Estou reproduzindo o que ouvi no início do ano passado, quando a seca começava.

      Portanto, aceita-se de forma, eu diria, quase leviana que muitos recursos teriam ido para o Nordeste e que a sua má aplicação é a grande responsável pelos problemas regionais.

      Essa visão, que felizmente o melhor conhecimento da situação atual está mudando desde o início da última seca, acabava conquistando a opinião pública e criando mais resistência para que decisões políticas e econômicas fossem tomadas em favor da região.

      Ninguém ignora que, no passado, houve problemas na aplicação dos recursos destinados à região. Nada tão diferente do que costumava ocorrer em todo o Brasil e não apenas no Nordeste. Mas isso não pode esconder a verdade incontestável: a falta de planejamento de longo prazo e de investimentos proporcionais à magnitude do problema são os grandes responsáveis pela persistência da situação.

      A falta de continuidade é talvez a principal característica em praticamente todos os projetos destinados a resolver a questão do abastecimento de água no Nordeste. Administrações estaduais têm feito um grande esforço para criar condições de convívio com a seca. Assim, se dependesse basicamente da qualidade dos dirigentes, o quadro não deveria ser esse.

      Confirma-se, portanto, a conclusão indiscutível de que o Nordeste não tem tido, ao longo dos anos e com a continuidade desejável, os investimentos necessários para reverter a situação, o que, aliás, qualquer análise criteriosa dos recursos aplicados na região mostrará claramente.

      O problema que o País tem nas mãos não é pequeno e precisa ser enfrentado. Afinal, trata-se de uma área de mais de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, onde moram mais de 30 milhões de pessoas e na qual existe uma evidente deficiência de recursos naturais e uma pobreza estrutural que já dura muitos anos. Nada, entretanto, que investimentos bem dirigidos, que criem oportunidades para o desenvolvimento regional, não possam resolver.

      Desde a campanha de 1994, tenho falado com insistência sobre a necessidade de um Plano Decenal, com ênfase para recursos hídricos e para modernização da agropecuária. Um programa desse tipo, aprovado pelo Congresso Nacional, garantiria recursos estáveis, evitando a descontinuidade e as mudanças das ações do Governo Federal, que ficaria confortável para solicitar a participação dos Estados.

      Quando estive na Sudene, verifiquei que ao longo dos trinta anos - agora mais anos - de existência daquele órgão, o Finor, responsável pelo financiamento de projetos industriais, agrícolas e outros, foi o único que teve continuidade no período. E, apesar das muitas críticas que têm sido feitas, foi responsável por uma verdadeira transformação, que favoreceu o desenvolvimento industrial do Nordeste. Quase uma dezena de projetos voltados para os recursos hídricos, praticamente com os mesmos objetivos, haviam sido iniciados, interrompidos e substituídos por outros basicamente idênticos, confirmando a tradição de descontinuidade e de pouca eficácia.

      Investimentos contínuos e bem estruturados resolverão a questão nordestina. Na Bahia, os investimentos que o Estado vem fazendo continuamente, desde 1991, apenas para falar na fase mais recente, já permitiram que a seca atual pudesse ser enfrentada com menos sacrifícios - com sacrifícios, é verdade, mas com menos sacrifícios - para a população, principalmente no que se refere às disponibilidades de água, o que não significa que não falte ainda muito a fazer.

      É evidente, entretanto que recursos estaduais serão insuficientes para o enfrentamento do problema. O Estado da Bahia, entre 1991 e 1997, investiu com recursos próprios quase R$1 bilhão apenas em sistemas de abastecimento de água na região do semi-árido, um nível de inversões que dificilmente o Estado poderá sustentar nos próximos anos.

      O Estado tem sido impelido a fazer investimentos com recursos próprios ou de financiamentos para a construção de barragens de porte médio e projetos de irrigação associados.

      Já foram investidos, por exemplo, com recursos do Estado, nos últimos três anos, R$50 milhões na construção de importantes barragens e seus respectivos perímetros de irrigação: na bacia do Rio Itapicuru; na bacia do Rio Jacuípe e em tantas outras. Na bacia do Rio Paraguaçu, o Estado tem construído, com seus próximos recursos, barragens para projetos de irrigação e abastecimento de água.

      Somente com essas intervenções, garantiu-se mais de 15 mil hectares para irrigação, acumulando um volume superior a 200 milhões de metros cúbicos de água que asseguram o abastecimento a um número considerável de habitantes da nossa região do semi-árido, proporcionando trabalho e renda, seja pela agricultura, piscicultura e pecuária nos perímetros irrigados, seja pela comercialização e distribuição da produção resultante.

      Nos últimos quatro anos, cerca de 700 pequenas aguadas foram disseminadas em toda a região do semi-árido pelo Programa Produzir, e elas tiveram um papel excepcional ao diminuir os efeitos negativos da seca atual, facilitando o abastecimento humano e animal.

      Nos últimos oito anos, mais de 5.000 sistemas simplificados de abastecimento de água foram construídos na zona rural, sobretudo a partir de poços tubulares; e mais de 100 dessalinizadores foram construídos nos últimos três anos, para aproveitamento de poços com água salinizada.

      Calcula-se que, entre 1995 e 1997, as transferências federais provenientes de recursos orçamentários para a Bahia chegaram a apenas R$50 milhões, não estando computados os recursos investidos diretamente por órgãos federais, como o DNOCS e a Codevasf, calculados em aproximadamente mais R$50 milhões.

      Para se ter uma idéia da fragilidade dos programas de recursos hídricos para o Nordeste, basta se revelar que o seu principal programa, o Proágua, prevê durante cinco anos um investimento global de US$300 milhões para nove Estados nordestinos.

      Devo ressaltar, entretanto, a favor do Governo Federal, que, após dois anos iniciais de forte perplexidade, teve o mérito, em 1997 e 1998, de retomar um grande número de obras paralisadas, que se constituíram em resquício insuportável de falta de planejamento na aplicação de recursos públicos.

      Ainda assim, algumas obras sofreram atrasos de um a dois anos, muitas vezes pela falta de recursos inexpressivos, atestando um certo descompromisso no enfrentamento de problemas burocráticos e orçamentários.

      Uma questão que o Governo Federal precisa resolver é o chamado “Novo Modelo de Irrigação”, cuja decisão se arrasta há quatro anos entre os diversos órgãos governamentais envolvidos, paralisando quase que completamente os fluxos de recursos de organismos internacionais de crédito. Ninguém discute a necessidade de reformular os modelos inicialmente praticados pela Codevasf, mas não é possível que essa mudança seja a desculpa para que novas iniciativas no setor sejam indevidamente postergadas.

      Por mais privatista que eu seja, quero deixar claro que a participação de recursos públicos na infra-estrutura dos projetos de irrigação no Nordeste é indispensável, e ela não pode deixar-se envolver por preconceitos meramente ideológicos que querem restringi-la apenas a projetos que contemplem apenas pequenas propriedades, a cargo de colonos.

      Os grandes projetos de irrigação são essenciais para a formação de núcleos de desenvolvimento no semi-árido e, se eles só se tornam atrativos com investimentos públicos para a viabilização de sua infra-estrutura, não há por que não realizar esses investimentos, ainda que se considere o seu retorno por meio do pagamento de tarifas para a área utilizada. Investimentos semelhantes sempre foram feitos para o setor industrial, e não se entendem as resistências para um modelo semelhante para o setor da agricultura irrigada que, aliás, concilie tecnologia avançada com intensiva utilização de mão-de-obra.

      O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - V. Exª me concede um aparte?

      O Sr. PAULO SOUTO (PFL-BA) - Ouço V. Exª com prazer.

      O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - Nobre Senador Paulo Souto, V. Exª faz hoje sua estréia. Há de se dizer que, anteriormente, ocupou a tribuna do Plenário das Comissões, abordando temas que estavam em tramitação. Hoje V. Exª escolheu o seu tema, e embora trate de um problema regional, não há dúvida nenhuma de que se trata de uma situação nacional, uma vez que a repercussão do que acontece na Região Nordeste alcança todo o País. V. Exª disse aqui que é a primeira vez que parte para o mandato legislativo. Conheço-o há muito tempo e sei que exerceu funções executivas, como secretário, depois da Sudene. Desejo que V. Exª atue no Senado como atuou em funções executivas, com muita competência, eficiência e dignidade. Não foi por acaso que se elegeu Governador da Bahia, foi escolhido pelo seu trabalho anterior, pelo seu currículo. Possui autoridade, e muita, para abordar esse assunto. A Bahia, não há dúvida, depois do Governo do Senador Antonio Carlos Magalhães, passou a aplicar racionalmente recursos na área do semi-árido e a adotar providências. V. Exª realmente foi muito feliz e fez muito, não há dúvida, mas ainda há muito a fazer. Saúdo-o por essa escolha que toca muito de perto a nós, nordestinos. V. Exª faz sentir a necessidade de um plano decenal, de um plano que não seja mínimo e tampouco temporário. Há de se adotarem providências. O Nordeste já possui estudos, inclusive aqui no Senado. São muitos planos, muitos projetos, basta racionalizar tudo e partir para providências ininterruptas, para providências de grande alcance porque água é o essencial e não há falta dela na Região Nordeste. O essencial é aproveitar essa água e dar-lhe o destino adequado, para que o semi-árido nordestino melhore proporcionando à população do local uma convivência razoável com a seca. Parabéns a V. Exª.

      O SR. PAULO SOUTO (PFL-BA) - Muito obrigado, Senador Djalma Bessa. Seu aparte é valioso porque como parlamentar há longo tempo V. Exª conhece muito bem todos os problemas que vive o nosso Estado e toda a Região Nordeste.

      Estou convencido de que precisamos encontrar - e aqui não tenho nenhuma pretensão, mas sim espero ter a solidariedade e a compreensão dos colegas senadores, não apenas dos nordestinos, mas de todos os senadores que compõem esta Casa - um meio que possibilite que tenhamos esses recursos de uma forma mais duradoura, por isso falo em plano decenal, para que não haja interrupções.

      O ex-governador Geraldo Melo, Senador que nos dá a honra de presidir esta sessão, sabe o que isso significa. Trata-se de projetos que a cada vez mudam de nome, que começam e são interrompidos e não há continuidade. Não é preciso mais fazer planos, porque cada Estado sabe exatamente o que quer, o que precisa, bastaria apenas que tivéssemos um programa de longo prazo. Falo decenal para que esses recursos pudessem vir e para que o Governo Federal pudesse também exigir recursos dos Estados, para que os Estados também possam participar desses recursos e para que façamos um programa no qual tenho certeza de que teríamos êxito.

      O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - V. Exª me concede um aparte?

      O SR. PAULO SOUTO (PFL-BA) - Concedo o aparte a V. Exª.

      O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Senador Paulo Souto, a descontinuidade na execução de projetos dessa natureza é o objetivo da presença de V. Exª na tribuna na tarde de hoje. Em função disso, em fins de 1995, por proposição do Senador Carlos Wilson, constituiu-se uma comissão especial nesta Casa para se analisarem as obras federais inacabadas pelo Brasil afora. Tive a honra de secretariar essa comissão, percorremos o Brasil inteiro do Oiapoque ao Chuí e de leste a oeste. Em todos os quadrantes, encontramos obras federais inacabadas. Cerca de mais 1200 iniciadas há dezenas e dezenas de anos e paralisadas. Inclusive, quando chegamos à Bahia, juntamos com V. Exª, o então Governador, constatamos na troca de idéias que a questão que V. Exª aborda na tarde de hoje referente à seca no Nordeste - e até nós do Sul já sentimos, às vezes, esse problema - é conseqüência da descontinuidade na execução de projetos dessa ordem. Quando V. Exª levanta a questão de se dar continuidade aos projetos, não interessando o Governo que venha a assumir, isso é imprescindível. Precisamos mudar essa cultura no Brasil. Não interessa se a sucessão se dá na esfera municipal, estadual ou federal; tem de haver continuidade. Precisamos fazer com que essa cultura se altere. Tudo precisa ter começo, meio e fim. Aprendemos nos bancos escolares que até para se fazer uma simples redação é preciso que haja começo, meio e fim. Assim também deve ocorrer com projetos fundamentais como os da irrigação e os relativos ao desenvolvimento do Nordeste em geral. Portanto, a cultura da continuidade deve ser estabelecida no Brasil. Nesse sentido, até a responsabilidade civil deve ser adotada na legislação brasileira para os governantes que não derem continuidade às obras. Precisamos impedir o início de obras sem condições de serem continuadas. Não se pode mais fazer o lançamento de pedra fundamental de qualquer obra - açude, barragem, hospital, ponte ou estrada - sem previsão de continuidade. Muitas vezes os governantes fazem o lançamento, até pela tradição e pressões, e depois “embarriga-se”, na expressão popular, ficando para outros a realização do projeto, restando perdida a previsão de conclusão. Precisamos estabelecer essa obrigatoriedade no Brasil. Quero cumprimentá-lo, Senador Paulo Souto, por defender a tese da continuidade e do estabelecimento de projetos de longo prazo, no mínimo de dez anos, para que busquemos soluções para o Brasil. V. Exª recebe a solidariedade do Sul do Brasil não só para a questão que apresenta, mas para as questões do Brasil inteiro, nas três esferas de Governo.

      O SR. PAULO SOUTO (PFL-BA) - Agradeço a V. Exª, Senador Casildo Maldaner, por esse aparte tão enriquecedor. O problema hídrico certamente não é o único do Nordeste, mas um dos principais da Região que afeta principalmente as populações mais carentes. Portanto, nada mais justo do que um programa aprovado pelo Congresso que dê continuidade a uma área tão importante.

      O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Permite-me V. Exª um aparte?

      O SR. PAULO SOUTO (PFL-BA) - Concedo um aparte ao Senador Ramez Tebet.

      O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Senador Paulo Souto, em primeiro lugar, confesso minha admiração pelo grande trabalho que V. Exª realizou como Governador da Bahia, credenciando-se para chegar ao Senado da República. Em certa ocasião, num seminário promovido pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, tive oportunidade de defender - eu, de forma modesta, e V. Exª, como profundo conhecedor de causa -, exatamente o que V. Exª defende hoje nessa tribuna. Naquele evento, V. Exª ressaltou a necessidade imperiosa de programas de desenvolvimento regional que atendessem às maiores necessidades e vocações das regiões brasileiras. O gravíssimo problema da seca no Nordeste se arrasta há muitos e muitos anos. Assim, é inacreditável que ainda esteja sem solução. Como Relator do Orçamento para 1989, levo comigo a satisfação de ter procurado respeitar as disposições transitórias da Constituição, garantindo recursos para a irrigação no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Cumprimento V. Exª e formulo votos de sucesso nessa causa. V. Exª pediu a solidariedade da Casa e do Brasil, que já temos. Precisamos colocar imediatamente em ação aquilo que pode resolver esse angustiante problema das regiões Norte e Nordeste do Brasil.

      O SR. PAULO SOUTO (PFL-BA) - Muito obrigado, Senador. Estou convencido de que esta Casa tem feito um enorme esforço, que tenho acompanhado. Quando Governador, aqui se constituiu uma Comissão, tendo realizado um trabalho de primeira qualidade, apontando exatamente o que se precisava fazer. Precisamos criar um mecanismo no Orçamento Federal, que aliás estou estudando, para aprovarmos um programa de longa duração, com a parceria entre Estados e Governo federal, que permita a consecução desse objetivo.

      Concluindo, tem sido relevado o fato de que, além dos recursos hídricos, são também necessários investimentos para a implantação de um sistema produtivo adaptado às condições do semi-árido. Como não é possível irrigar senão uma pequena área do semi-árido, em virtude da falta de disponibilidade de água e de solos apropriados - aliás, solo até que temos, mas não temos água suficiente para fazer da irrigação uma atividade extensiva -, a permanência do homem no campo, em condições de gerar renda para a sua sobrevivência, depende de tecnologias capazes de explorar, em condições de sustentabilidade - econômica e ecológica -, os recursos naturais da região. Ou, pragmaticamente, encontrar meios econômicos de desenvolver a agropecuária em condições de sequeiro.

      A irrigação vai nos possibilitar ilhas de desenvolvimento, núcleos de desenvolvimento que serão extremamente importantes, mas nunca haverá uma atividade extensiva numa área deficiente em recursos hídricos como o Nordeste. Portanto, é preciso criar tecnologias próprias de exploração, principalmente a de agropecuária na região do sequeiro, tecnologias essas que já existem, bastando apenas serem difundidas.

      A experiência tem demonstrado que preconceitos, de natureza inclusive ideológica, têm sido responsáveis pela manutenção das atividades ligadas à agricultura de subsistência na região, absolutamente imprópria nas condições do semi-árido nordestino. Eu sei que isso é polêmico. Contudo, muitas vezes assistimos a programas praticamente oficiais - hoje um pouco contornados -, quase que obrigando o pequeno agricultor a plantar feijão e milho, em condições de pluviosidade e de regularidade climática absolutamente incompatíveis com essas culturas, em se tratando de pequenos produtores. Há um pouco de preconceito ideológico, pois se considera que o pequeno produtor deve necessariamente praticar a agricultura de subsistência, quando esta muitas vezes não tem qualquer sentido nas condições nordestinas. É claro que a deficiência na educação e na profissionalização dos nossos pequenos agricultores também contribui para esse grande equívoco.

      Ao lado de poucas oportunidades ligadas a culturas mais resistentes à seca, não tenho qualquer dúvida de que as tecnologias apropriadas para o semi-árido, e que já são disponíveis, constituem a alternativa mais atraente para o desenvolvimento da atividade pecuária no Nordeste. Na Bahia, a Secretaria da Agricultura, a partir de desenvolvimentos feitos pela Embrapa, implantou, em onze municípios do sertão, núcleos de um sistema de produção pecuária conhecido como CBA, que aproveita racionalmente pastagens de caatinga natural, do capim buffelgrass e da leucena, em diferentes épocas do ano e utilizando técnicas simples de silagem, com resultados muito satisfatórios. Neste momento, em programa conjunto com o Banco do Nordeste, o Estado tenta expandir esse sistema.

      Enfim, com investimentos adequados, teremos tecnologias que permitem o suprimento de recursos hídricos e a implantação de um sistema agropecuário produtivo na região do Nordeste, evitando o dispêndio de recursos em programas emergenciais que, nas condições atuais, são imperiosos, mas não criam a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da região.

      Estou convencido, entretanto, de que somente uma decisão política, cuja iniciativa parta deste Senado Federal como uma posição colegiada e solidária, a partir de uma programação decenal estabelecida em conjunto com os Estados Federados, resolverá definitivamente um dos mais graves problemas da região nordestina e do País.

      Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/1999 - Página 6014