Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A DOM HELDER CAMARA, ARCEBISPO EMERITO DE RECIFE E OLINDA, PERNAMBUCO, PELO TRANSCURSO DE SEUS NOVENTA ANOS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A DOM HELDER CAMARA, ARCEBISPO EMERITO DE RECIFE E OLINDA, PERNAMBUCO, PELO TRANSCURSO DE SEUS NOVENTA ANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/1999 - Página 6091
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, IGREJA CATOLICA, MUNICIPIO, RECIFE (PE), OLINDA (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ELOGIO, ATUAÇÃO, BENEFICIO, JUSTIÇA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, Dom Marcelo Carvalheira, Srs. Bispos, senhores integrantes da Igreja Católica, Srªs e Srs. Senadores, meu discurso de homenagem a Dom Hélder talvez seja um discurso mais formal.  

Sou político hoje graças ao trabalho dos seus discípulos. Aprendi a fazer política e entrei na vida política no Estado do Pará, aprendendo com o Padre Paulo, com a Irmã Dorothy, com tantas pessoas daquele Estado que se juntavam ao povo mais pobre, mais sofrido na luta pela terra, na luta contra os desmandos da Eletronorte, contra as pessoas que lá moravam. Eu era engenheiro da Eletronorte e trabalhava na construção de Tucuruí e com a Igreja e os discípulos de Dom Hélder entrei na política e filiei-me ao único partido de oposição que existia na época, o MDB. Hoje pertenço ao Partido Socialista Brasileiro, em nome do qual faço esta breve homenagem.  

Primeiramente, parabenizo o Senador Lúcio Alcântara pela iniciativa da homenagem.  

O Arcebispo Emérito de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, tendo completado 90 anos de vida profícua no dia 9 do mês passado, recebe, finalmente, nesta Casa Legislativa, uma homenagem que há muito lhe era devida; mais do que uma homenagem qualquer, o reconhecimento por tudo que fez em 67 anos de sacerdócio, pela Igreja Católica e pela sociedade brasileira; mais do que um mero reconhecimento, é um apoio, que redime, ainda que tardiamente, os erros e os preconceitos de que foi vítima no exercício do seu apostolado.  

Dom Hélder soube, como poucos, exercer sua catequese em favor dos oprimidos e, aliás, ensinou a muitos outros com os quais eu aprendi. Combateu as arbitrariedades sem pregar a violência; defendeu os pobres; fez de sua pregação um libelo contra as desigualdades, sem jamais escorregar para o radicalismo.  

Foi vítima da incompreensão e do preconceito, mas nunca se esmoreceu em suas convicções religiosas e em sua ação eclesiástica. Aposentado em 1985, Dom Hélder não deixou a militância da pregação, continua orando, meditando e celebrando missa diariamente.  

Oração é um caminho revolucionário de restauração da nossa existência pessoal. Oração não é ficar recitando preces e mais preces, ajoelhado numa igreja. Viver em estado de oração é viver em estado de abertura à possibilidade do amor. Insisto: oração é a versão pessoal do projeto revolucionário para as questões sociais. Muda-se o mundo fazendo-se revolução, muda-se a pessoa pela via da oração.  

Srs. Senadores, pela defesa de Dom Hélder aos oprimidos, aliada à serenidade e à bondade peculiares, enquadra-se, como disse o próprio Senador Lúcio Alcântara, no seleto rol em que se encontram grandes figuras, como Ghandi, Martin Luther King, Betinho e Madre Teresa de Calcutá e tantos outros.  

Hoje, Srªs e Srs. Senadores, Dom Hélder representa quase uma unanimidade nacional. Entretanto, no momento em que todos nós o saudamos é forçoso lembrar que nem sempre foi assim. O mesmo sacerdote que hoje homenageamos foi apelidado nos tempos obscuros do autoritarismo - com o aval dos governantes, da mídia e de parcela da classe política - de "bispo vermelho".  

Isso simplesmente porque Dom Hélder jamais compactuou com o arbítrio. Porque, mesmo não sendo comunista, como salientou em diversas ocasiões, não se calava ante as torturas nos porões do regime militar, não se entregava na luta em favor dos oprimidos, não fechava os olhos às atrocidades de um sistema econômico que se revelava, a cada dia, mais desumano e mais excludente.  

A opção de Dom Hélder, ao longo de sua carreira religiosa, bem cedo se revelaria. Nascido em 1909, em Fortaleza, se ordenaria padre em 1931. Naquele mesmo ano demonstraria a sua vocação para a militância, organizando a Juventude Operária Cristã.  

Nos anos seguintes, se envolveria com a Legião Cearense do Trabalho, que, por sua vez, se vincularia à Ação Integralista Brasileira, organização eminentemente direitista. Anos mais tarde, Dom Hélder considerou tal envolvimento um "erro de juventude’, induzido que fora a acreditar que o mundo se dividiria entre capitalismo e comunismo, e que, nessas condições, o capitalismo era "o mal menor". Nessa época, já se transferira para o Rio de Janeiro, onde trabalharia subordinado ao cardeal Dom Sebastião Leme e, em seguida, ao cardeal Dom Jaime Câmara.  

Em 1947, organizou em nível nacional a Ação Católica Brasileira, que havia sido fundada em 1935, para integrar leigos e religiosos. Em 1952 se destacaria na criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por entender que a Igreja precisava ter um braço que se identificasse mais diretamente com o povo. Já, então, sagrado bispo, foi eleito secretário-geral desta instituição e todos sabemos dos grandes serviços que tem prestado a CNBB ao povo mais pobre do nosso País.  

Dom Hélder teve efetiva participação, também, na criação do Conselho Episcopal Latino-Americano - CELAM, durante a 1ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em 1955. Foi um período dos mais profícuos para um religioso que punha sua criatividade a serviço da ação social. No ano seguinte, organizaria a Cruzada de São Sebastião, para urbanizar e humanizar as favelas cariocas; em 1958, fundou o Banco da Providência, que viria a atender às pessoas mais carentes com micro-empréstimos e doações de remédios, alimentos e agasalhos, e que daria origem à tão conhecida Feira da Providência - bazar destinado a angariar fundos para o banco. Quem sabe o banco criado por Dom Hélder não tenha inspirado, hoje, tantos bancos populares e bancos do povo, criados por administrações de Governos populares e democráticos neste nosso País.  

Em 1960, foi eleito segundo Vice-Presidente do CELAM, instituição que ajudou a criar, como salientei, e que se tornaria importante referência para qualquer ação religiosa voltada para as classes oprimidas. Convocado pelo Papa João XXIII, integrou a Comissão para Disciplina do Clero, preparatória ao Concílio Vaticano II.  

Anos de chumbo: em março de 1964, pediu para ser transferido da Arquidiocese do Rio de Janeiro por divergir da orientação dada às questões sociais. Nomeado pelo Papa Paulo VI Arcebispo de Olinda e Recife, onze dias após o Movimento de 64, viveria períodos conturbados e graves desentendimentos com o regime militar, que o acusava de proteger subversivos e até de incentivar a subversão. Os desentendimentos com o regime militar agravar-se-iam dois anos depois, quando, heroicamente, se recusou a celebrar a missa comemorativa do segundo aniversário do Movimento de 64.  

Acusado por líderes militares de ser esquerdista e vinculado à Ação Popular, recebeu a solidariedade de amplos setores da Igreja. Em 1968, assumiu a presidência da Regional Nordeste II. Nesse período, as pressões conservadoras se exacerbaram, até culminarem com o assassinato, em maio do ano seguinte, do Padre Henrique Neto, aqui já tão comentado.  

Dom Hélder jamais se intimidou, jamais esmoreceu. Em 1970, após denunciar no exterior a falta de liberdade política e a tortura a presos políticos no Brasil, foi impedido de falar no rádio e na televisão. Tornou-se proscrito.  

O regime militar, ao deixar Dom Hélder proscrito, como todo regime de força, atuou com prepotência. E determina a prepotência que as flores devem vicejar fúnebres, sem pétalas e corolas, exalando o cheiro fétido da morte para envenenar abelhas. A fé, por sua vez, resplandece e orienta o caminho dos pobres, constituindo-se na flor de alfazema, que reflete cor e perfuma os campos, não mais usados para a guerra, ameaçando a autoridade, que, encastelada em sua torre, vigia e conspira contra essa virtude. Em tempo de escuridão, pune-se quem proclama o perfume do campo, a liberdade, e pretende, com isso, reverter a História. Puniu-se, portanto, Dom Hélder.  

Todavia, enquanto seu nome virava tabu no nosso território, era convidado a fazer conferências no exterior, onde denunciava, além da repressão política e o regime de arbítrio, as condições sociais e econômicas impostas ao Terceiro Mundo. Seus ataques ao capitalismo desenfreado podem ser vistos como prenúncio, hoje, do neoliberalismo e da globalização econômica, que empobrecem os países periféricos e concentram ainda mais a riqueza nos países já ricos.  

Nos anos seguintes, e até sua aposentadoria, em 1985, continuaria defendendo a redistribuição da renda e das oportunidades, e denunciando os males do capitalismo "que sobrepõe o lucro ao homem, esmagando-o".  

Ao aposentar-se, Srªs e Srs. Senadores, por limite de idade, Dom Hélder Câmara deixou o comando da Arquidiocese, embora seja reconhecido mundialmente como uma das mais expressivas figuras religiosas do Século XX. A Igreja deveria fazê-lo cardeal, à semelhança da homenagem prestada ao grande teólogo dominicano Yves Congar. Seu exemplo, no entanto, de luta, de dignidade, de opção preferencial pelos pobres continua vivo, como exemplo aos opressores e como poço de incentivo aos que como ele lutam pela dignidade do homem. Dom Hélder, aos noventa anos, é um monumento vivo à fraternidade humana!  

A história da democracia e da cidadania no Brasil deve, e muito, à presença de Dom Hélder. Sua firmeza de caráter tem muito a inspirar os homens públicos, que muitas vezes presos em seus cotidianos tornam-se insensíveis à violação da miséria humana.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado. (Palmas)  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/1999 - Página 6091