Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A DOM HELDER CAMARA, ARCEBISPO EMERITO DE RECIFE E OLINDA, PERNAMBUCO, PELO TRANSCURSO DE SEUS NOVENTA ANOS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A DOM HELDER CAMARA, ARCEBISPO EMERITO DE RECIFE E OLINDA, PERNAMBUCO, PELO TRANSCURSO DE SEUS NOVENTA ANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/1999 - Página 6095
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, IGREJA CATOLICA, MUNICIPIO, RECIFE (PE), OLINDA (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ELOGIO, ATUAÇÃO, BENEFICIO, JUSTIÇA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, admirável Dom Marcelo, a minha geração também tem o dever de prestar uma homenagem singela a Dom Hélder, que, para nós, é o vetor do cristianismo. É ele alguém a quem eu não poderia deixar de trazer uma homenagem que, na verdade, é o testemunho ocular de uma cristã e companheira chamada Sueli Belato.  

Tuca, Teatro da PUC de São Paulo, que favoreceu o encontro de muitos brasileiros que lutaram contra a ditadura militar. Foi num desses momentos inesquecíveis da vida brasileira que, no ano de 1982, o teatro paulista acolheu uma grande multidão, composta de estudantes, professores, intelectuais, operários, domésticas, alunos, religiosas, padres, que, como que desafiando a noite, foram testemunhar a outorga do título de Doutor Honoris Causa, pelo Grão Chanceler D. Paulo Evaristo Arns, ao Profeta Hélder Câmara. Os cantos, as faixas e aquela rosa branca deixada no palco expressavam a reverência ao homenageado e o protesto contra os que perseguiram cruelmente D. Hélder. Era noite de muitos símbolos, em que os gestos falavam por si.  

Devidamente justificada a concessão do título, foi, afinal, dada a palavra ao profeta, que, não devemos olvidar, é também um grande poeta. Sim, D. Hélder podia falar, pois, afinal, naquela noite ninguém ousaria novamente calar a sua voz, como haviam feito por dez longos anos.  

Quem não visualizará esta cena? De pequena estatura, D. Hélder não fala somente com palavras. Fala com os braços, que dançam em movimentos desalinhados, como quem tenta alcançar a paz; fala como os olhos claros e límpidos, próprios de quem vê o futuro; fala com o coração puro, sem rancor, próprio ao que irradia o amor de Deus.  

E prossegue, após um rápido e não tão solene agradecimento: Este prêmio Doutor Honoris Causa é importante, mas - advertiu - não se trata do mais e, tampouco, do primeiro.  

O público então tentava descobrir que outra grande universidade teria agraciado Dom Hélder com um prêmio. Talvez alguma dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra, da Itália? Não, não era nenhuma dessas.  

Certa ocasião, Dom Hélder foi convidado por um padre amigo seu para pregar numa igreja de Engenho Novo, na cidade do Rio de Janeiro. Admirado com a paixão e a veemência das palavras de Dom Hélder, um líder comunitário de grande estatura, negro, referia-se a Doutor Hélder, lendo uma pequena apresentação onde estavam escritas as iniciais do tratamento "Dom". Ao ouvir o tratamento "Doutor", Hélder, o pároco, tentou corrigi-lo dizendo não se tratar de Doutor e sim de Dom Hélder. Mais uma vez, o líder comunitário repetiu a expressão "Doutor Hélder". Outra vez, o outro líder soprou no seu ouvido: "Não é Doutor, é Dom". À terceira tentativa de correção, o homem alto, negro e forte, com três socos sobre a mesa, bradou: "É doutor, doutor, doutor". Foi assim, portanto, que Dom Hélder recebeu seu primeiro prêmio de Doutor Honoris Causa . 

Aquele prêmio, vindo dos moradores da favela, certamente encontra-se entre os mais apreciados por Dom Hélder, pois, em toda sua vida, no Ceará, no Rio de Janeiro, no Maranhão e, por fim, na sua querida Recife, ele esteve a serviço dos mais pobres.  

Esse prêmio e tantos outros não se prestaram para simples contabilidade, mas, certamente, para apoiar as difíceis horas que Dom Hélder corajosamente viveu defendendo os direitos humanos. Perseguido, foi por várias vezes atingido no seu sentimento, no seu direito de ir-e-vir, na sua integridade moral e psicológica. Contudo, nenhuma dor se comparará àquela que o atingiu no ano de 1969, com o covarde assassinato do seu auxiliar, Padre Henrique Neto, de 27 anos.  

O amor aos pobres, aos jovens e à Igreja permitiram a Dom Hélder, no ano de 1952, com o apoio do então Cardeal Montini, futuro Paulo VI, suscitar no seio da Igreja Católica no Brasil uma organização que dá visibilidade à colegialidade dos Bispos do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, à qual, na pessoa de Dom Marcelo Carvalheira, quero prestar minha profunda homenagem.  

Dom Marcelo, quando vemos a CNBB, de forma corajosa e evangélica, convocar a sociedade para debater as causas do desemprego e procurar, como exigência do seguimento ao Evangelho de Jesus Cristo, soluções que dignifiquem os filhos de Deus, visualizo a vocação de justiça a que a Igreja é chamada, e a vida de Dom Hélder nos compromete na luta do bom combate.  

Dom Hélder amou profundamente as crianças, os jovens e os idosos. Criou associações para trabalhar com favelados. Abraçou a luta dos camponeses e camponesas, operárias e operários.  

Na poesia de D. Hélder, figuras como as lavadeiras, cuja vida Dom Hélder tão bem conhecia, encontram-se em lugar privilegiado, pois são elas que lavam a sujeira do mundo e que têm na pessoa de Maria, nossa Mãe, sua protetora.  

Dom Hélder foi também responsável pela criação do Celam - Conferência Episcopal da América Latina - e teve participação importantíssima no Concílio Vaticano II, em Puebla e Medelim (conferências latino-americanas que adaptaram o Concílio Vaticano II para a realidade latino-americana).  

Ao comemorarmos os 90 anos de vida de Dom Hélder, nenhuma homenagem poderia ser mais agradável ao grande Pastor que o compromisso de seguirmos os seus passos no caminho da paz e da justiça.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/1999 - Página 6095