Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A DOM HELDER CAMARA, ARCEBISPO EMERITO DE RECIFE E OLINDA, PERNAMBUCO, PELO TRANSCURSO DE SEUS NOVENTA ANOS.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A DOM HELDER CAMARA, ARCEBISPO EMERITO DE RECIFE E OLINDA, PERNAMBUCO, PELO TRANSCURSO DE SEUS NOVENTA ANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/1999 - Página 6097
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, IGREJA CATOLICA, MUNICIPIO, RECIFE (PE), OLINDA (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ELOGIO, ATUAÇÃO, BENEFICIO, JUSTIÇA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no momento em que esta Casa Legislativa homenageia Dom Hélder Câmara, nos seus 90 anos de vida profícua e dedicada ao próximo, é mister salientar a coerência de sua trajetória religiosa e de sua ação política. Dom Hélder encarnou, na Igreja brasileira, a luta contra a dominação dos pobres e oprimidos, a audácia de aproximar a Igreja do povo, a modernidade de trabalhar estreitamente com os leigos, a ousadia de se fazer protagonista da história.  

Bem cedo revelaria seu pendor para efetiva uma ação pastoral que mudasse as estruturas arcaicas da sociedade, as quais permitiam a dominação do homem pelo homem. Ainda criança, sonhava em tornar-se padre. Seu pai, procurando adverti-lo, sem saber vaticinava: "Você sabia, meu filho, que onde exista um padre autêntico o egoísmo jamais existirá, porque reciprocamente se excluem? Um padre jamais pertencerá a si próprio, pois sua única razão de viver é, precisamente, viver para os outros".  

"Tal noção – analisaria, muito tempo depois, o próprio Dom Hélder – correspondia plenamente àquilo que o Senhor já semeara em minha consciência e no meu coração, pois sempre tive o desejo de formar uma unidade completa com o Cristo para ajudar meus irmãos na luta contra o egoísmo".  

Assim, não admira que, sagrado padre, em 1931, sua atividade eclesiástica, já então, tivesse conotação política. Sua ida para o Rio de Janeiro, alguns anos depois, balizaria em definitivo sua ação pastoral. O contato que teve com as favelas cariocas, a percepção da coexistência de dois mundos tão próximos fisicamente e tão distantes socialmente, aguçou sua sensibilidade de pastor inconformado com a opressão e a injustiça social.  

Sua inconformidade e sua capacidade de ousar tornaram-se característica de sua ação evangélica. Dom Hélder se notabilizaria, ao longo de sua vida religiosa, com a organização do secretariado nacional da Ação Católica Brasileira, movimento que se difundira mundialmente, com autorização do Papa Pio XI. Mais tarde, seria um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e seu primeiro secretário-geral. Da mesma forma, envolveu-se na criação do Conselho Episcopal Latino-Americano – CELAM, cuja importância não se pode desconhecer.  

Todos esses envolvimentos, Srªs e Srs. Senadores, são bastante conhecidos. O que importa observar, ao relacioná-los, é a coerência de uma vida sacerdotal devotada aos humildes, que também se revelaria em ações como a fundação do Banco da Providência, para atendimento da população miserável, e da Feira da Providência, evento que se tornaria uma tradição carioca, destinado a suprir o banco com recursos financeiros.  

A ação de Dom Hélder, porém, na sua "opção preferencial pelos pobres", reafirmada em Medelin, não se estancou no patamar do assistencialismo. Seu apostolado ia muito além, pois aliava, à sensibilidade, a perfeita compreensão do funcionamento das estruturas sociais e econômicas, as quais perpetuavam o domínio de umas classes sobre as demais, da mesma forma que, no plano internacional, garantiam a exploração dos países periféricos pelas economias centrais.  

Nesse aspecto, foi contemplado com a incompreensão, e não raramente com a repulsa, dos setores mais conservadores da sociedade brasileira. Dom Hélder, no entanto, seguia avante com seus projetos, eqüidistante das ideologias políticas. Simplesmente, punha-se em favor de um Brasil e de uma América Latina livres no plano político, mas livres, também, da espoliação econômica que sempre caracterizara as relações do continente com os países desenvolvidos.  

Foi acusado de ser subversivo, ao assumir a Arquidiocese de Olinda e Recife, por defender seus auxiliares, Dom José Lamartine e os padres Sena e Almeri; foi julgado socialista ao condenar as relações feudais que persistiam em nosso País. No entanto, ele próprio explicou sua convicção socialista: a mística da fraternidade universal, "incomparavelmente superior à mística do materialismo histórico".  

Também se notabilizou pela coragem e pela obstinação, que prevaleceram mesmo nos momentos mais difíceis, como o do assassinato, em 1969, do padre Henrique Neto, seu colaborador; ou quando teve sua casa metralhada; ou ainda nas inúmeras ocasiões em que foi jurado de morte.  

Jamais transigiu em suas convicções religiosas, em sua ação pastoral, em sua luta contra a opressão. Jamais pregou a violência, da mesma forma que nunca aceitaria a dominação do homem pelo homem. "Não é normal – afirmava –, que num País que se afirma cristão, haja 1% de muito ricos, 5% de bastante ricos, 10% de ricos e depois apenas a massa de pobres e dos muito pobres". Aceitava a pobreza, mas não a extrema miséria, que considerava "um insulto ao Criador".  

Hoje, aos 90 anos de idade e 67 de sacerdócio, afastado há 14 anos do comando da arquidiocese, em função da aposentadoria, mas ainda ativo na religiosidade cotidiana, Dom Hélder é um marco da Igreja Católica. Transcendendo a esfera da agremiação religiosa, é um símbolo católico no seu sentido original, ou seja, universal.  

O reconhecimento de sua atividade pastoral lhe valeu quatro indicações para o prêmio Nobel da Paz, o qual, se não lhe foi conferido oficialmente, rendeu-lhe outorga equivalente, em mais de uma ocasião, por organizações populares. Foi contemplado, igualmente, com 25 prêmios internacionais.  

Sua ação evangelizadora se espargiu mundo afora, em mais de 800 viagens para conferências, seminários e debates; sua ação pastoral se frutificou em instituições que permanecem ativas; sua opção pelos pobres, sem qualquer antagonismo com as categorias mais abastadas, vislumbrou uma nova etapa na história do povo brasileiro.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/1999 - Página 6097