Discurso no Senado Federal

LAMENTOS AOS CRIMES CONTRA A INFANCIA E A ADOLESCENCIA.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA SOCIAL. PRIVATIZAÇÃO.:
  • LAMENTOS AOS CRIMES CONTRA A INFANCIA E A ADOLESCENCIA.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/1999 - Página 6155
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA SOCIAL. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ACRESCIMO, COMPETENCIA PRIVATIVA, SENADO, APROVAÇÃO, ESCOLHA, PRESIDENTE, BANCO DO BRASIL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JURISTA, CRITICA, JUDICIARIO, MINISTERIO PUBLICO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, FALTA, PROTEÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • COMENTARIO, DADOS, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), EXPLORAÇÃO, VIOLENCIA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, FALTA, EDUCAÇÃO, CERTIDÃO, NASCIMENTO.
  • APOIO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, REGISTRO, EXPERIENCIA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO TOCANTINS (TO), BENEFICIO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, DEFESA, MOBILIZAÇÃO, SENADOR.
  • REGISTRO, LIBERDADE, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, AMBITO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), ESPECIFICAÇÃO, OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, BANCO DO BRASIL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar o pronunciamento acerca da questão da criança neste País, quero anunciar a esta Casa que vou dar entrada hoje em uma Proposta de Emenda à Constituição que acrescenta à competência privativa desta Casa a de aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de presidentes do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Petrobrás.  

O objetivo, Sr. Presidente, é exatamente aumentar a responsabilidade desta Casa, valorizar a participação de seus membros nesse debate, a exemplo do que ocorreu agora quando a Imprensa indica que o mercado absorveu bem o nome proposto pelo Presidente da República para dirigir a Petrobrás.  

Gostaria que esta Casa pudesse, antes do mercado, dar a sua indispensável participação, porque isso aumentaria não só a responsabilidade do Senhor Presidente da República pela indicação, mas a do Senado Federal.  

Trago a esta Casa, Sr. Presidente, a preocupação do povo tocantinense, representado por mim e pelos Senadores Carlos Patrocínio e Leomar Quintanilha, acerca de uma questão que tenho considerado prioritária desde o início de minhas atividades nesta Casa.  

Ocupo a tribuna na tarde de hoje para, mais uma vez, voltar ao tema que tem sido o centro de minha atenção nesse início de Legislatura e que espero venha a inspirar a expressiva maioria dos membros do Senado Federal, ressoando por toda a sociedade brasileira.  

Refiro-me à urgente necessidade de analisarmos de forma abrangente os diversos aspectos da situação da criança e do adolescente no Brasil, repensando as políticas públicas até então implementadas, propondo soluções e lutando por sua implementação. Isso foi objeto de requerimento que apresentei quando propus a criação da Comissão Especial da Criança e do Adolescente. Essa proposta aguarda inclusão na Ordem do Dia.  

Na semana passada, esse gravíssimo problema foi novamente objeto de detalhada análise feita por setores da sociedade, quando da 27ª Sessão do Tribunal Permanente dos Povos, realizada no Memorial da América Latina, na capital paulista, cuja sentença foi divulgada ontem. Firmado pelos juristas Dalmo de Abreu Dallari, Rubens Aprobato e Luis Moita, presidentes da sessão, o documento traz acirradas críticas ao desempenho dos Três Poderes frente à questão, condenando-os e responsabilizando-os pela falta de proteção à criança e ao adolescente. Critica o Judiciário e o Ministério Público por tenderem à criminalização excessiva das condutas dos adolescente e o Executivo, por omitir-se e não colocar em prática os imperativos constitucionais que priorizam a proteção à criança e ao adolescente, fato que se materializa no corte de verbas para a educação e programas sociais, e desvios de recursos internacionais destinados a programas infantis para atender a outras finalidades. Finalmente, critica os Parlamentares pela inércia no cumprimento da obrigação de complementar a legislação necessária à fiscalização do cumprimento das leis por parte do Executivo.  

De acordo com matéria publicada hoje no prestigioso Correio Braziliense, com escopo em dados do Tribunal dos Povos, os números dos crimes contra a infância e a adolescência são estarrecedores. A taxa de mortalidade infantil é de 37,5 bebês mortos para cada 1.000 nascidos vivos, quando a média aceitável é de dez para cada 1.000. Quanto à gravidez na adolescência, 31 mil meninas, entre dez e 14 anos, dão entrada anualmente nas maternidades deste País. O trabalho infantil inclui 583 mil crianças entre cinco e nove anos, subindo para assustadores três milhões e meio de crianças se considerarmos as crianças até 14 anos. Um milhão e meio de crianças entre sete e 14 anos estão fora das salas de aula. Um milhão de adolescentes, entre 15 e 19 anos, 6,8% da população nessa faixa etária, são analfabetos.  

Sr. Presidente, num raciocínio e num exemplo simplista, comparo a situação da criança e do adolescente à dos carros abandonados. Devido ao avanço no cadastro organizado pelo Renavan, chegamos à triste constatação de que é possível localizar imediatamente o proprietário de um carro abandonado em qualquer rua deste país e recolhê-lo a um pátio do Detran, onde são tomadas todas as providências para que aquele veículo seja restituído ao seu proprietário. Ocorra esse episódio em qualquer cidade deste País, isso acontece com um veículo. Todavia, façamos a experiência de deixar uma criança na rua de qualquer capital brasileira e constataremos que essa criança vai permanecer por dias, meses e anos no mais profundo abandono, sem que tenhamos nenhum tipo de cadastro, de registro que possa identificá-la, de onde vem e quem são os seus pais.  

O mais defasado, o não informatizado de todos os registros, a saber, desde o Registro de Propriedade Imobiliária ou o Registro Nacional de Veículos Automotores, é exatamente o da certidão de nascimento – instrumento de cidadania negado a milhares de crianças brasileiras. Além de não ter seu registro informatizado, além de não permitir a imediata identificação da criança, à certidão de nascimento, o termo de cidadania brasileira, não têm acesso milhares de crianças neste País.  

Dentre as diversas propostas apresentadas, o documento do Tribunal Permanente dos Povos propugna pela eliminação do trabalho infanto-juvenil, a supressão dos tratamentos vexatórios nas instituições de internação, o abandono da prática abusiva de partos cesarianos, a repressão à pedofilia e à violência sexual contra crianças e adolescentes, inclusive no âmbito familiar.  

Mais relevante ainda e totalmente em consonância com a proposta que apresentei nesta Casa, a sentença sugere "que a proteção à criança e ao adolescente brasileiros seja assumida como uma causa nacional, a partir de um pacto firmado entre políticos e a sociedade civil, com aplicação garantida e continuidade assegurada, independente da alternância do Poder", e ainda, "a formulação de projetos de alterações legislativas com medidas pontuais de alta eficácia e duras sanções aos infratores".  

Assim, dada a relevância do tema, a seriedade do trabalho realizado pelo Tribunal dos Povos, em conjunto com a OAB de São Paulo, e a importância do seu conteúdo, requeiro a transcrição nos Anais do Senado Federal da sentença proferida na 27ª Sessão do Tribunal Permanente dos Povos, que anexo a este pronunciamento, convocando os colegas desta Casa a não medirmos esforços até encontrarmos os caminhos e implementarmos as soluções que propiciem a garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente brasileiros.  

Sr. Presidente, exemplos nós os temos: assistimos aqui, no Governo do Distrito Federal, ao surgimento da "Bolsa Escola". Este foi um grande avanço, Sr. Presidente.  

Mas quero falar um pouco sobre meu Estado, o Tocantins. Lá temos um programa, que considero de renda mínima, denominado "Os Pioneiros Mirins", que abriga hoje 30 mil crianças. São 30 mil famílias tocantinenses que se valem dessa iniciativa para escapar da fome, da miséria absoluta e do abandono, encontrando no Governo do Estado uma parceria que está funcionando para a família tocantinense. São 30 mil crianças, Sr. Presidente. Se transferíssemos proporcionalmente esse número ao País, equivaleria a dizer que o Governo Federal poderia estar com um programa abrangendo 4,2 milhões de crianças. Qual não seria a transformação, Sr. Presidente, se houvesse uma posição política firme e determinada com relação ao abandono da infância neste País?  

Não descansarei, Sr. Presidente, já que outros Estados apresentam diferentes programas de renda mínima destinados à criança. Esse programa a que me referi – "Os Pioneiros Mirins" –, do Estados do Tocantins, envolveu todos os Municípios tocantinenses. A exemplo desse programa, como prefeito, criei "Os Amigos do Meio Ambiente", contemplando 700 crianças, que passaram a receber informação especializada sobre questões ambientais, preparo de mudas de árvores frutíferas, projetos de urbanização e paisagismo. Qual não foi a identificação daquelas crianças com esse programa, Sr. Presidente? A iniciativa foi tão eficaz que a Unicef a carimbou, dele passando a ser parceira. Portanto, Sr. Presidente, exemplos nós temos!  

Quero crer nas preocupações externadas pela digníssima Primeira Dama deste País, mulher respeitada pelo seu desejo de servir aos nossos irmãos brasileiros por meio do programa Comunidade Solidária. Todavia, sinceramente, no meu entendimento, esse programa é tímido, de pouca eficácia, tendo em vista a profunda crise vivida pela infância no Brasil, os problemas enfrentados pela criança brasileira, desde, como disse, o registro de nascimento e a expedição da respectiva certidão, talvez o primeiro passo.  

Portanto, Sr. Presidente, deve-se registrar a indignação, a voz veemente que se fará ouvir com a participação desta Casa, da Câmara dos Deputados, da sociedade civil, da OAB de São Paulo e, finalmente, do Tribunal Permanente dos Povos, que infligiu ao nosso País esta condenação, que, certamente, causará constrangimento ao Brasil lá fora. E é preciso haver constrangimento por parte de todos nós – e incluo nosso Senado Federal, o Congresso Nacional e todos os segmentos da nossa sociedade responsáveis por este grave problema.  

Não descansarei, Sr. Presidente, enquanto não entender que o Governo Federal tenha adotado alguma medida realmente eficaz. A este propósito, Sr. Presidente, como costumo ver alguns Srs. Parlamentares se referirem a colegas Senadores, do PFL ou de outros partidos que apoiam o Governo nesta Casa, como sendo da bancada governista, da bancada de apoio ao Governo Federal, quero deixar claro que minha missão nesta Casa é representar o povo do meu Estado. Sou do PFL, mas tenho adotado uma postura que está à altura do que desejava o cidadão tocantinense quando escolheu meu nome para representar a mais nova Unidade da Federação nesta Casa. Tenho tido, dentro do meu Partido, a liberdade para colocar temas à discussão contrários às privatizações da Petrobrás, da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, por exemplo, e não aceitarei nenhum tipo de restrição de quem quer que seja ao externar a minha preocupação com essas instituições, que considero estratégicas e fundamentais à estrutura do Estado, como condutoras de políticas importantes para a reconstrução deste País.

 

Portanto, Sr. Presidente, quero conclamar os meus Pares do Senado Federal para instituirmos a "Bancada da Criança", a fim de sermos veementes na nossa conduta, na nossa atuação, até que esse problema seja encarado com mais seriedade, com mais vontade e com mais determinação por todas as autoridades, por todos os Governadores de Estados e pelo Governo Federal.  

Ao pedir, Sr. Presidente, a transcrição, nos Anais do Senado, da Sentença proferida na 27ª Sessão do Tribunal Permanente dos Povos, quero deixar consignados aqui os meus votos de congratulação, de solidariedade à OAB de São Paulo, comungando da mesma indignação e da mesma preocupação, e, ao final de tudo, deixar consignada a minha esperança de ver surgir, nesta Casa e neste País, uma preocupação com relação a esse assunto, que, definitivamente, não nos deixa dormir: o abandono da criança e do adolescente em nosso País.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/1999 - Página 6155