Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROBLEMATICA DA UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS HIDRICOS DO PLANETA. CONTRARIA A PRIVATIZAÇÃO DA CHESF.

Autor
Maria do Carmo Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROBLEMATICA DA UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS HIDRICOS DO PLANETA. CONTRARIA A PRIVATIZAÇÃO DA CHESF.
Aparteantes
Moreira Mendes.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/1999 - Página 6763
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, INTEGRAÇÃO, UTILIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • CRITICA, GOVERNO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), AMEAÇA, RECURSOS HIDRICOS, RIO SÃO FRANCISCO, PREJUIZO, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESMEMBRAMENTO, USINA, ENERGIA ELETRICA, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, INTEGRAÇÃO, COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO SÃO FRANCISCO (CODEVASF), GARANTIA, CONTINUAÇÃO, PROJETO, IRRIGAÇÃO.
  • REGISTRO, PRORROGAÇÃO, LICITAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), NECESSIDADE, OPOSIÇÃO, SENADO.

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL-SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, tivemos oportunidade de ouvir aqui um brilhante discurso do Senador Paulo Souto, da Bahia, conclamando a todos para que se pensasse em se fazer um plano decenal sobre recursos hídricos.  

Lembrei, naquele dia, que há alguns anos, exatamente em 1991, eu participava, no Banco Mundial, de um seminário sobre recursos hídricos, no Estado do Colorado, reunindo vários conferencistas selecionados dentre os maiores especialistas no setor do mundo. Tive a oportunidade de assistir como convidada, ao lado do meu marido, àquela época Governador do Estado, a um seminário que tinha por objetivo discutir a importância fundamental que representa a questão hídrica no mundo, cada vez mais superpovoado, e analisar a forma como os países mais avançados no setor o encaram e, sobretudo, como cuidam para sua perfeita conservação. Particularmente, foi ressaltada a importância decisiva que terá que ser forçosamente, atribuída por toda a humanidade no próximo século, à conservação dos recursos hídricos, sob pena de inviabilizar a sobrevivência da espécie humana em áreas deterioradas, cada vez mais crescente em nosso Planeta.  

Ao fim de dias de ricos debates, saíram algumas conclusões claras daquela conferência importantíssima. Sem querer ser detalhista em análises técnicas, que não seriam pertinentes neste Plenário, gostaria de destacar algumas poucas que me parecem ser prioritárias para o Brasil e, em especial, para as imensas regiões semi-áridas do Nordeste.  

A primeira conclusão, embora aparentemente óbvia, cabe ser reiterada, pelo descaso que nós, brasileiros, acostumamos a atribuir a esta questão fundamental. Trata-se da advertência de que os recursos hídricos são bem finitos. Isto é, não sendo utilizados com extremo cuidado, nem operacionalizados de forma racional, simplesmente se esgotarão. Para visualizarmos o tema de forma objetiva, basta olharmos o que está acontecendo atualmente de forma terrível em regiões imensas do continente africano, que se estão tornando inabitáveis por escassez de água.  

Outra conclusão que é extremamente atinente à análise, que quero trazer a este Plenário, é que só se deve operacionalizar os recursos hídricos de forma integrada, racionalizando cuidadosamente seus inúmeros usos preciosos: o consumo humano e animal, a irrigação, a geração de energia, a navegabilidade, a pesca e até mesmo o lazer.  

A esse respeito, permito-me destacar o exemplo que conheci de perto em Telaviv, Israel, onde toda a água consumida pela população é inteiramente reciclada através do rigoroso tratamento dos seus esgotos, para de novo vir a ser consumida, fechando um ciclo virtuoso.  

Não se pode, conseqüentemente, sob pena de prejuízos incomensuráveis, formular um projeto, por exemplo, para fins energéticos, sem se preocupar simultaneamente em maximizar o emprego da água para o consumo humano, para a pesca, para irrigação e tantos outros usos. Há de se buscar um balanceamento o mais equilibrado possível.  

A falta dessa visão abrangente implica um erro crasso, que lamentavelmente tem sido cometido pelo Brasil em vários projetos, em particular no Nordeste, onde desafortunadamente os recursos hídricos são escassos, em termos relativos.  

Porém, voltemos às conclusões do Seminário do Colorado.  

Outra advertência gravíssima que foi colocada é que os recursos hídricos serão tão importantes no próximo século, que sua quantificação será parâmetro prioritário no processo de análise da viabilidade de uma nação. E a ilação mais preocupante é que se prevêem como certas para o próximo século inúmeras guerras entre países, na disputa pelo controle de recursos hídricos, em uma proporção bem maior do que aconteceu no século atual, nas guerras pela posse de reservas de petróleo.  

A esse respeito, na ECO 92, realizada no Rio de Janeiro, foi explicitado o risco iminente de guerra entre várias nações do mundo moderno, principalmente no Oriente Médio, pela disputa pura e simplesmente da água. A título de ilustração, foram destacados vários exemplos, tais como a constante ameaça de guerra entre o Egito e a Etiópia pelo controle das nascentes do rio Nilo; a Jordânia, por sua vez, tem um relacionamento conflituoso com a Síria pelo domínio do rio Yarmuk; a Síria, por outro lado, vive em permanente ameaça de guerra com o Iraque, por conta do uso das águas do rio Eufrates; já a Turquia, por causa da construção da barragem de Ataturk, na Anatólia, criou um clima de guerra iminente com a Síria e o Iraque. Para ser exata, foram relacionados, naquela época, 25 países do Oriente Médio e da África que enfrentavam graves conflitos com seus vizinhos pela contenda de recursos hídricos cada vez mais escassos.  

Fica claro, portanto, que um dos problemas mais graves da humanidade é a escassez de recursos hídricos, e a tendência dessa questão será agravar-se profundamente durante o próximo século. Sobreleva, por via de conseqüência, a necessidade premente da operacionalização racional e integrada dos vários usos da água, considerando-a um fator escasso e da maior importância para a própria sobrevivência humana. Registre-se, por fim, que metade da população mundial atualmente sofre de infecções promovidas pelo consumo de água de má qualidade.  

Toda essa análise que fizemos vem à baila a propósito da estapafúrdia idéia do Governo de privatizar a Chesf, logo após se proceder à irracional divisão daquela empresa em quatro partes. Tudo isso nasce de uma fixação obsessiva em privatizar todos os bens estatais, mesmo aqueles estratégicos, construídos em nossa Pátria graças à clarividência e ao sacrifício imenso das gerações que nos antecederam. Parte-se da visão unilateral de que o setor privado é mais habilitado para administrar todos os bens da sociedade do que o Poder Público. E essa conclusão é equivocada, porquanto há setores e contextos onde o controle e a administração pública continuam a ser insubstituíveis. Cabe registrar que, sem sombra de dúvidas, um desses é indiscutivelmente a operação dos recursos hídricos em áreas onde há um delicado equilíbrio de múltiplos usos.  

Permita-me observar que não devo ser confundida com aqueles que defendem a preservação das nossas estatais por motivos ideológicos. Muito pelo contrário. Integro com convicção o PFL e sabidamente o PFL tem por uma das suas formas doutrinárias a valorização da iniciativa privada. Mais ainda, dirige empresas de diferentes ramos há mais de 30 anos na sofrida região nordestina.  

Ressalto esses pontos para elucidar que me sinto à vontade e acima de qualquer ranço ideológico ao criticar os exageros privatizantes do momento atual e, por cuja distorção e miopia, a sociedade brasileira poderá vir a pagar um preço altíssimo, com males irreversíveis. Compete termos em mente este fato, já que os supostamente brilhantes tecnocratas que estão implementando essa política, aquela que eles nos informam ser o processo privatizante mais amplo e mais rápido do mundo moderno, dentro de poucos anos ou quiçá meses, poderão voltar discretamente as suas atividades particulares, sejam elas acadêmicas ou da iniciativa privada.  

A Nação brasileira, dentro em breve, estará esquecida desses bravos senhores, mas cobrarão de nós, da classe política, a responsabilidade por havermos autorizado a consumação de ações, muitas delas insensatas. No caso do proposto retalhamento da Chesf e de sua posterior privatização, ocorrerá um erro fatal e impatriótico contra a toda e já tão sacrificada população nordestina.  

Nessa questão, há alguns pontos cruciais que devem ser encarados de forma isenta e desapaixonada. O Rio São Francisco, único grande rio perene do Nordeste, conhecido como o rio da unidade nacional, teve sempre, ao longo da nossa história, um papel absolutamente imprescindível para o Nordeste brasileiro.  

É fundamental analisarmos o papel da Chesf, criada por Getúlio Vargas há mais de 50 anos, cujas obras foram implantadas de forma tão interdependentes que a sua privatização significaria a privatização inimaginável do próprio Rio São Francisco, que não é um bem estatal, mas um patrimônio inalienável da Nação brasileira e da pura e simples sobrevivência dos nordestinos.  

O complexo energético implantado no Rio São Francisco é inteiramente entrelaçado, não apenas no que concerne às usinas de acúmulo de água e geração de energia, mas no rígido controle da vazão do rio, essencial para a boa gestão dos perímetro irrigados, para a navegação e até mesmo para o abastecimento de águas de comunidades ribeirinhas e núcleos habitacionais próximos.  

As usinas funcionam em cascata, sendo as de Itaparica e de Sobradinho também armazenadoras de água para as demais Usinas – Paulo Afonso I, II, III e IV, Apolônio Sales e Xingó. A partir de Sobradinho, a vazão é regularizada, garantindo uma vazão média de 2.060 m 3/seg, suficiente para os múltiplos usos das águas.  

Destaca-se, em especial, a inteira dependência da direta gestão da Chesf dos projetos de irrigação pública, controlados pela Codevasf e pelos perímetros privados. Atualmente, há cerca de 300.000 hectares irrigados, que deverão alcançar o limite de 800.000 hectares. A Chesf tem um compromisso firmado com a Codevasf, garantindo uma vazão mínima de água necessária não apenas para gerar energia a todos as usinas, mas para irrigação plena de todos os projetos a serem implantados, além das obras visando a navegabilidade máxima do rio.  

Por essa razões, cabe à Chesf coordenar não apenas a vazão mínima de água para a geração de energia de cada usina de per si – que, portanto, não poderia funcionar de forma estanque, com proprietários e comandos independentes –, mas deve prevalecer uma sintonia fina na operação da água, para garantir o equilíbrio pleno entre os demais usos dos recursos hídricos. É forçoso, portanto, uma integração perfeita entre a Codevasf e a Chesf.  

Em tempos de seca, por exemplo, a geração de energia é sacrificada em prol da irrigação. Ora, como seria possível isso funcionar sem que houvesse uma única vinculação hierárquica do Governo Federal no estabelecimento das prioridades, visando o equilíbrio a favor do bem comum? Como poderia isso funcionar se a Chesf fosse privatizada, ainda mais fatiada em quatro grupos privados independentes, que, necessariamente, estariam buscando a maximização dos seus lucros?

 

Esse não é um problema exclusivamente brasileiro, visto que se verifica igualmente nos sistemas hídricos integrados de inúmeras nações, tais como Índia, China, Canadá e Estados Unidos, principal modelo do liberalismo mundial. O mais bem sucedido exemplo de sistema hídrico integrado da nação americana, o Tenesse Valley, inspirou a criação da Codesvasf. Todo seu sistema energético é inteiramente controlado pelo poder público, pelas mesmas razões que impossibilitaria funcionar a Chesf sob o controle do setor privado.  

Em todo esse clima de insensatez que prevalece com a idéia precipitada de se privatizar a Chesf, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, na semana passada, cedeu às ponderações de uma grande mobilização de Parlamentares nordestinos para, pelo menos, adiar a licitação para o fatiamento e para a privatização da Chesf, a fim de haver tempo para melhores estudos. Mas não basta a prorrogação. Urge a extinção definitiva dessa idéia insensata.  

O Senado deve manifestar-se de forma clara contra a idéia de privatização da Chesf, que promoveria males incomensuráveis e irreversíveis a toda a região nordestina.  

O Sr. Moreira Mendes (PFL-RO) - Concede-me V. Exª um aparte?  

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL-SE) - Ouço V. Exª.  

O Sr. Moreira Mendes (PFL-RO) - V. Exª traz um debate de grande importância para a Nação brasileira. O Governo, em determinadas situações, como no caso da Chesf e da Eletronorte, deveria ter mais cuidado e agir sem precipitação, visto que as populações do Nordeste e da Amazônia dependem muito da presença do Estado. Na qualidade de integrante do PFL, sou partidário da privatização, mas, neste caso, o Governo deve agir com maior cautela. Parabenizo V. Exª por esta brilhante explanação e somo ao seu discurso o meu posicionamento. Muito obrigado.  

A SRª MARIA DO CARMO (PFL-SE) - Obrigada, Senador Moreira Mendes.  

Não sou contra a privatização, sobretudo de empresas estatais deficitárias que promovem ônus a toda a sociedade brasileira. Mas, indubitavelmente, não é esse o caso da Chesf.  

Trata-se de uma empresa superavitária, eficiente e, principalmente, que lida com fatores essenciais ao bem público brasileiro, fatores que só podem ser administrados de forma integrada e consensual. Sua correta operacionalização é imprescindível à sobrevivência de 30% da população brasileira, exatamente aquele percentual mais carente, por quem cabe a todos nós lutar para erradicar a miséria que afronta nossos brios cristãos.  

Com a venda da Chesf, seriam conseguidos R$6 bilhões, menos do que o Brasil precisa para pagar um mês de juros da nossa dívida. O mais grave é que estaríamos consumando um crime hediondo contra os interesses do povo que habita aquela região, berço da nacionalidade brasileira.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigada.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/1999 - Página 6763