Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A SAUDE DA MULHER, EM ESPECIAL COM A MORTALIDADE MATERNA. CRITICAS A ATUAÇÃO DA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE DIANTE DAS GRANDES ENDEMIAS, PRINCIPALMENTE NA REGIÃO AMAZONICA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A SAUDE DA MULHER, EM ESPECIAL COM A MORTALIDADE MATERNA. CRITICAS A ATUAÇÃO DA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE DIANTE DAS GRANDES ENDEMIAS, PRINCIPALMENTE NA REGIÃO AMAZONICA.
Aparteantes
Jefferson Peres, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/1999 - Página 6658
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SAUDE, MULHER, ESPECIFICAÇÃO, MORTE, GESTANTE.
  • ANALISE, CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO, IMPLANTAÇÃO, EFICACIA, PROGRAMA, SAUDE, MULHER, REDUÇÃO, MORTE, GESTANTE, FACILITAÇÃO, EXAME MEDICO, PREVENÇÃO.
  • CRITICA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, PREVENÇÃO, ENDEMIA, REGIÃO AMAZONICA.
  • SOLICITAÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), PRIORIDADE, TRATAMENTO, SAUDE, MULHER.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de manifestar ao País uma grande preocupação em relação à saúde da mulher, em especial à mortalidade materna, que aflige nosso País e coloca-nos numa condição que deve ser refletida pelas autoridades brasileiras.

Por ser uma linguagem de saúde, quero especificar que mortalidade materna é definida como mortes de mães que engravidam ou que evoluem com o parto com filhos nascidos vivos em cada 100 mil pessoas. Nosso País tem uma taxa de mortalidade materna de 160 mortes a cada 100 mil mulheres que têm filhos nascidos vivos. A Argentina tem 44 mortes em 100 mil; o Chile, 23; Cuba, 24; a Inglaterra, 7; os Estados Unidos, 8. Comparando, poderíamos dizer que, lamentavelmente, o Brasil está mais próximo do Sudão, que tem uma taxa de mortalidade materna de 550, do que do Chile, que tem 23 mortes de mulheres a cada 100 mil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, lamentável ainda é ter que dizer que 90% a 95% dos óbitos poderiam ser evitados - segundo dados de qualquer especialista na área de ginecologia e obstetrícia, na área saúde da mulher - se medidas racionais pudessem ser tomadas. A simples ação de governo, determinando um controle pré-natal, sob a proteção do Estado, permitiria a redução em até 50% da mortalidade materna, apenas com uma medida simples como a que acabei de me referir.

Lamento profundamente que as ações de saúde, tendo o Brasil um arcabouço institucional, técnico, uma estrutura normativa tão madura, bem preparada, dispondo de recursos de saúde minimamente suficientes para implantar um racional e eficiente programa de saúde da mulher, ainda não tenham sido tomadas, medidas simples e de baixo custo que seriam salvadoras de vida, reduzindo a mortalidade materna em pelo menos a metade, com a simples presença do pré-natal.

Gostaria de lamentar profundamente que as mulheres que alcançam o pré-natal ainda se encontram discriminadas nas regiões do nosso País. A Região Sul tem 62,4% de suas mulheres que fazem o pré-natal regularmente antes de o bebê nascer; a Região Sudeste encontra 59,6% das suas mulheres grávidas fazendo o pré-natal, o que não é o ideal mas já demonstra a presença do Estado mais próxima do cidadão; e a Região Norte encontra apenas 37% de suas mulheres alcançando um pré-natal, como um ato tão simples e de baixo custo. O meu Estado, o Acre, apenas 38,8% das mulheres que engravidam fazem o pré-natal de forma regular. É lamentável, porque a presença desse acompanhamento, como já afirmei, reduziria pela metade a mortalidade materna no nosso País.

Lamento profundamente que a décima economia do Planeta tenha que conviver com indicadores de saúde dessa natureza, quando o fundamental não seria o custo, investimento do Ministério da Saúde, mas apenas a ação administrativa eficiente do Estado perante seus cidadãos.

Outro dado que me preocupa profundamente é em relação ao parto cesariana. O Brasil tem, na Região Sudeste , 50% da população submetida a parto cesariana. O que é uma invasão e uma agressão ao mecanismo natural de evolução do momento sublime da vida da mãe, do filho, da família, que seria a gestação e o nascimento protegidos, sem risco para o bebê e para a mãe, salvo em condições inevitáveis, que seriam naturais que se pudesse ter que testemunhar alguns poucos casos de mortalidade. Lamento profundamente que os índices sejam tão altos. O Ministério já tem tido uma preocupação pública, que deve ser reforçada, de que o normal é o parto natural, o normal é a presença do Estado, encarando com toda a naturalidade a mulher.

Um outro dado que preocupa profundamente, principalmente à Região Norte, é o fato de que o Brasil tem 96,8% das mulheres fazendo partos dentro dos hospitais, como uma forma de proteção do Estado, em que pese as críticas que tenhamos à qualidade dessa assistência. Na Região Sudeste, 99,4% das mulheres são protegidas na hora do parto dentro de um hospital, embora não tenham sido atendidas completa e definitivamente no pré-natal. Na Região Sul, esse índice é de 98%, e, na Região Norte, de 87%. Onde a mortalidade infantil é maior, onde a mortalidade neonatal é maior, o Estado se ausenta na hora do nascimento do bebê, e, com isso, aumenta a mortalidade materna.

No Norte do Brasil, Sr. Presidente, a mortalidade chega a atingir 300 mulheres em cada 100 mil que engravidam e cuja gravidez evolui normalmente. Enquanto isso, a média do índice de mortalidade no País é de 160 mulheres em cada 100 mil. É lamentável essa situação. Imaginem que de 10% a 15% dos partos evoluem com complicações - é a chamada gestação de alto risco -, e o Estado não se faz presente em 13% dos casos das mulheres que têm filhos na Região Norte do País.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) - Senador Tião Viana, V. Exª, com a autoridade de um conhecedor profundo das questões da saúde, médico que é, aborda com muita propriedade essa questão em nosso País, destacando, inclusive, a situação horrorosa da saúde, principalmente nas regiões mais carentes do País, notadamente nas Regiões Norte e Nordeste. Mas precisamos analisar mais profundamente, Sr. Senador, as questões principais, inclusive no que diz respeito à administração da saúde. O Governo Federal precisa repensar esse modelo de saúde em que, por exemplo, ações de saúde são exercidas pela Fundação Nacional de Saúde nos diversos Estados, quando, de acordo com a própria filosofia do SUS, poderiam ser perfeitamente descentralizadas para os municípios, onde exatamente estão as mazelas, as doenças, os cidadãos doentes. Com isso, a Fundação Nacional de Saúde seria um órgão normatizador e supervisionador da aplicação da Política Nacional de Saúde. Começa justamente a partir da questão gerencial o grande problema da saúde. V. Exª, que é de um Estado pobre da Região Norte, como o meu, sabe perfeitamente que, em muitos municípios, os prefeitos gastam mais tempo indo à capital em busca de recurso na Secretaria Estadual de Saúde ou no órgão da Fundação Nacional de Saúde do que em seus municípios para resolver os problemas de saúde que surgem no dia-a-dia. Portanto, creio que um órgão como a Fundação Nacional de Saúde deveria, imediatamente, desativar suas delegacias e suas diretorias nos Estados e passar a ter apenas um papel fiscalizador dessas ações. Enquanto a Fundação faz de conta que cuida da malária, os índices da malária aumentam de forma alarmante na Região Norte; enquanto a Fundação faz de conta que cuida de outras endemias, essas endemias aumentam alarmantemente. É preciso, efetivamente, que o Governo Federal cuide de repassar os recursos dessas ações da Fundação aos municípios principalmente. Defendo não a estadualização, mas a municipalização da saúde. Nesse caso, as autoridades federais passarão a ter direito de cobrar um melhor desempenho. Senador Tião Viana, com esse modelo que está aí, em que o Estado faz uma parte, o Município tenta fazer outra e o Governo Federal se mete a fazer outra parte também, não iremos melhorar essa realidade da saúde no Brasil. Parabenizo-o pelo seu pronunciamento! Gostaria que nós, da Frente Parlamentar de Saúde no Congresso, realmente, atacássemos de frente esses pontos que são verdadeiramente os responsáveis por essa situação, inclusive cobrando do Ministro da Saúde, que por acaso não é médico, que analise pelo menos essa questão gerencial da saúde no Brasil. Muito obrigado.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço ao ilustre Senador Mozarildo Cavalcanti, que, por ser médico, divide essa preocupação em relação aos indicadores da Amazônia.

Sr. Presidente, esquecem-se de nós, da Amazônia, em quase todas as situações, mas, quando do estabelecimento dos indicadores, somos os campeões. Não entendo como o nosso País, que tem a Amazônia como o seu maior patrimônio econômico, a sua maior potencialidade para alcançar a soberania no próximo milênio, trata com tanta desconsideração a população amazônica, esquecendo-se de proteger o seu tesouro, que é a ponta da soberania para o próximo milênio.

Senador Mozarildo Cavalcanti, de fato, o caso da Fundação Nacional de Saúde, a meu ver, às vezes, chega a ser um caso de polícia. Não consigo admitir a postura dessa Fundação, neste País, diante das grandes endemias, especialmente na Região Amazônica. Não consigo admitir sequer a intransigência e a insensibilidade do ex-Presidente. Tive a grata notícia de saber que ele saiu recentemente do Ministério, mas, ao mesmo tempo, fiquei triste por saber que isso ocorreu para que ele fosse promovido. Não consigo entender a presença ali de alguém tão insensível, que não debate com a comunidade amazônica os problemas das endemias, não procura ouvir a comunidade, não divide responsabilidades. Nesse caso, há um descontrole e uma perversidade em relação à malária, às hepatites, à febre amarela, sem que a sociedade fique protegida. E a Fundação Nacional de Saúde faz um discurso no sentido de que vai descentralizar, de que vai extinguir.

Reunimo-nos no Acre e montamos uma agenda comum, uma agenda de prioridades. Fui à Fundação Nacional de Saúde, e, lamentavelmente o seu Presidente se recusou a um diálogo naquele momento. Discuti com o Diretor-Geral ainda no mês de janeiro, quando eu não havia assumido o Senado, e a posição, de fato, é de insensibilidade. Eles fazem de conta que querem descentralizar, que querem melhorar, mas, na hora do debate sério, há uma decisão de fuga do ex-Presidente da Fundação Nacional de Saúde, Sr. Januário, e quem paga as conseqüências é a nossa pobre população amazônica.

Espero sinceramente que venha aqui o ex-Presidente da Fundação Nacional de Saúde, que é quem tem autoridade para falar sobre os problemas e as ações da Fundação na Região Amazônica, para que lhe possamos mostrar a verdade encontrada na Amazônia. Não sei nem se ele conhece a Região Amazônica, se ele sabe da importância de descentralizar e de utilizar um honrado, forte e competente exército de trabalhadores da antiga Sucam e Fundação Nacional de Saúde para, de fato, ajudarem a mudar os nossos indicadores.

A situação da mulher na Amazônia brasileira é muito delicada. Nem 10% das mulheres podem fazer o exame preventivo ginecológico no meu Estado, no Acre, porque não há uma ação de proteção no Estado. Isso se faz na hora do parto, no pré-natal, e se apresenta como uma complicação para as crianças. Hoje, a mortalidade apontada, que é sempre subnotificada, é de 17 crianças em cada mil no momento do nascimento. A mortalidade infantil constatada no nosso Estado só perde para a do Estado de Alagoas, da querida Senadora Heloisa Helena, em função desse conjunto de situações.

Não há uma maternidade que trate de casos de alto risco no Estado, e este não se posiciona no sentido de que essa é uma obrigação. Foi preciso criar num hospital filantrópico, que contou com a sensibilidade humana, uma Unidade de Terapia Intensiva para proteger os bebês na hora do nascimento, num momento de gravidade. Vivemos num Estado em que, por quatro anos, as maternidades nunca reanimaram sequer um bebê que tenha nascido com complicações, e isso se deu no principal serviço hospitalar do Acre.

O Estado brasileiro se mostra ausente e insensível a essa questão. Não entendo por que a décima economia do mundo está tão próxima do Sudão em termos dos indicadores de saúde em relação à mortalidade da mulher e tão distante do Chile, de Cuba e da Argentina. Isso é inaceitável. O Ministério toma algumas medidas que permanecem no plano cartorial e decide que só vai pagar 25% dos partos cesarianos. Mas, no Nordeste, no Sudeste e no Sul, constatamos taxas muito maiores; no Norte, pela ausência do médico, alcança-se uma taxa de 20%, não porque haja organização, mas porque, naquela região, ainda não há profissionais.

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT-AM) - Senador Tião Viana, ouvi sua referência à Fundação Nacional de Saúde e me ocorreu que, no Brasil, infelizmente, em muito setores, a Administração Pública cresce como rabo de cavalo. A FNS é sucessora da Sucam, a qual por sua vez foi sucessora do SESP*, o saudoso Serviço Especial de Saúde Pública, fruto dos acordos de Washington. Implantado na Amazônia durante a Segunda Guerra Mundial, esse era um serviço exemplar, com um corpo técnico de primeira qualidade, imune a interferências políticas, que montou um serviço de saneamento básico de água e de fossa em quase todo o interior da Amazônia, que, depois, espalhou-se por outras regiões do País. De repente, o SESP foi sucedido pela Sucam, que ainda era um órgão de bom desempenho, e, finalmente, pela Fundação Nacional de Saúde, um órgão desmontado, sucateado, vítima do corporativismo interno e da interferência política. Na última eleição, o ex-Superintendente da FNS se lançou candidato, felizmente não se elegeu e saiu acusado de gravíssimas irregularidades, com o uso da FNS em favor de sua candidatura. O Sr. Ministro José Serra, ao que parece, vai nomear o Sr. Mauro Costa, que deixaria a Superintendência da Zona Franca de Manaus. Eu posso lhe assegurar que o Sr. Mauro Costa fez na Suframa aquilo que, exatamente, acho que ele vai fazer na FNS. A Suframa também era um condomínio político-partidário. O Sr. Mauro Costa agiu como um técnico e saneou a instituição. Oxalá - e eu disse isto ao Sr. Ministro Celso Lafer - não haja um retrocesso e ela não caia, novamente, nas mãos do fisiologismo político. De forma que pode ser que, com a mudança da direção da FNS, ele realmente seja resgatado para desempenhar o papel que foi desempenhado, em sua origem, pelo antigo SESP, porque a situação da nossa região é gravíssima. V. Exª é médico e, mais do que eu, sabe avaliar o quadro nosológico da Amazônia hoje. Manaus, mesmo sendo a capital, é hoje vítima de um grave surto de dengue, que, pelos dados oficiais, já atingiu mais de 50 mil pessoas, mas, considerando-se os dados não notificados, já ultrapassou, tranqüilamente, mais de 100 mil pessoas afetadas. A malária constitui um quadro muito grave em toda a região e até na capital, para não falar da hepatite. De forma que seria muito bom que o novo Superintendente ou Presidente ou o que seja da FNS seja convocado por este Senado para explicar o que pretende fazer daquele órgão. Minhas congratulações a V. Exª pelo seu pronunciamento.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço ao ilustre Senador Jefferson Péres. V. Exª é uma referência para a região. A sua integridade e a sua responsabilidade para com a Região Amazônica são um alento para mim.

Vou solicitar uma audiência com o novo Presidente da Fundação Nacional de Saúde para tratar do problema da FNS do Estado do Acre, que passa por situação muito delicada. Tenho informações, ilustre Senador, de que há mais diárias pagas para técnicos da FNS do meu Estado, que vão trabalhar com a saúde do índio, do que o valor que seria necessário para enfrentar as doenças apresentadas por índios.

É preciso rever procedimentos, é preciso fazer uma política austera do ponto de vista administrativo. É preciso que se olhe mais para o cidadão e menos para interesses de um ou outro sujeito administrativo envolvido, que nega o papel do Estado como um protetor para a saúde do cidadão.

Gostaria de ressaltar, Sr. Presidente, que é possível mudar os indicadores de saúde em relação à mortalidade materna. A simples determinação da obrigatoriedade do pré-natal, um simples exame de urina feito uma vez durante a gravidez e uma orientação básica do médico, do enfermeiro ou do agente de saúde do programa de saúde da família poderiam resultar em mais vidas salvas, com uma redução da mortalidade da ordem de 50% - apenas com essas simples medidas.

Tenho uma amiga - este exemplo é importante - que, morando em Cuba, engravidou e tinha de fazer o pré-natal. Faltou um dia, não pôde ir para o exame mensal do seu pré-natal. No outro dia, o médico estava na residência dela para saber o motivo pelo qual ela não havia ido à consulta, se tinha havido algum problema. Isso não custa dinheiro. Cuba gasta menos de vinte dólares por habitante em saúde, e o Brasil gasta quase duzentos dólares. Ainda assim, Cuba tem indicadores comparáveis aos do Canadá, enquanto o nosso País se aproxima, às vezes, do Sudão, como no caso da mortalidade materna.

Essa situação tem de mudar. Gostaria de apresentar projeto de lei que pudesse mudar esse estado de coisas, mas não posso fazê-lo, pois trata-se de atribuição do Executivo, de responsabilidade que lhe diz respeito. Faço, no entanto, algumas sugestões. No nosso País, alguns exames teriam de ser obrigatórios durante a gravidez, como o exame das doenças infecciosas de transmissão vertical - da mãe para o bebê -, na hora do nascimento. O simples exame pré-natal ajudaria muito.

Faço questão de registrar que, em Belo Horizonte, no último Congresso Brasileiro de Medicina Tropical, foi apontado que, a cada oito horas, nasce uma criança com problemas graves de visão, como a retinocoroidite decorrente da toxoplasmose - manifestação que poderia ter sido detectada e evitada com o exame pré-natal.

Medidas simples, que não elevariam os custos para o nosso País, mudariam os nossos indicadores, dos quais poderíamos nos orgulhar muito.

Ontem, o Ministério da Saúde reuniu-se com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde e tratou também do problema da mortalidade materna num programa de pré-natal, de proteção à saúde da mulher.

Mas, para que iniciativas como essas sejam bem sucedidas, é preciso afastar o corporativismo. Há uma estrutura normativa, há regras de organização estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde, colocadas na Norma Operacional Básica de 1996. A elas não é preciso acrescentar quase mais nada para que se promova um bom gerenciamento. O problema é que não são cobrados resultados de suas unidades, não se cria o espírito verdadeiro da parceria, que não significa apenas repassar recursos, mas cobrar bons resultados nos seus indicadores.

Faço um apelo no sentido de que o Ministério olhe a saúde da mulher como algo sublime. Nada mais bonito do que o momento da gestação, a relação da família com a gestação, a expectativa da chegada de um novo ser, o nascimento de um bebê. O País não pode se mostrar ausente e não ser solidário num momento como esse.

Só há uma maneira de se mudar esse curso: a responsabilidade com os resultados. É preciso punir Estados e Municípios que não alcancem os indicadores mínimos. É perfeitamente possível trabalharmos com uma medicina simplificada, que não aumenta custos e cujo resultado é fantástico em termos de mudança dos indicadores de saúde. Temos de atribuir responsabilidades às maternidades que possam, em razão de sua hierarquia e organização, ter unidades de gestação de alto risco para atender minimamente às necessidades dessas mães e de seus bebês. Com isso, apenas um número muito pequeno de doenças, apenas fatos inevitáveis levariam ao êxito letal ou à perda de uma vida.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR)- V. Exª me concede um outro aparte?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Com o maior prazer, se a Mesa o permitir.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) - Ouvi a parte do pronunciamento de V. Exª que faz referência à punição de Municípios que não cumprirem...

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Desde que haja o repasse.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) - É preciso punir também o órgão federal que não cumpre seu dever.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Com certeza.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) - Precisamos punir a Fundação Nacional de Saúde, que é omissa, que gasta dinheiro de maneira errada - comprovadamente, de maneira irregular. Gostaria muito, Senador Tião Viana, que invertêssemos esse pensamento - que, aliás, é generalizado na imprensa -, de que a corrupção está no Município ou no Estado. Ela está em nível federal, principalmente. Precisamos investigar, por exemplo, os recursos do Fundo Nacional de Saúde, como é que eles estão sendo aplicados, de que maneira. É preciso saber se deles estão se utilizando com intenção politiqueira para contemplar afilhados políticos. A esse propósito, inclusive, fiz denúncia desta tribuna. Segundo noticiário da Rede Globo, dos nove mil índios ianomâmis de Roraima, cinco mil - segundo estatística da própria Fundação Nacional de Saúde - estão acometidos de malária. Além disso, não citaram que toda aquela população de índios está acometida de oncocercose. É preciso que tenhamos, efetivamente, uma postura de exigência diante do Ministério da Saúde para corrigir esses erros. A continuar da forma como está, não vamos a lugar nenhum. Aqui, em Brasília, nos órgãos federais - nível central de saúde - é que está o maior câncer da saúde do Brasil.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - De fato.

Tenho insistido, ilustre Senador Mozarildo Cavalcanti, no sentido de que o Ministério tem sido muito mais cartorial do que efetivo, do que prático nessa relação. Temos Municípios que têm 1,8% de cobertura, apenas, para enfrentar a poliomielite. Diante de dados como esses, não pode haver dúvida de que tem de haver alguma decisão; alguém é culpado, seja no Ministério ou na Secretaria Municipal da Saúde. O que não se pode admitir é que essa situação fique como está. O Brasil tem de ter responsabilidade com seus indicadores, tem de mudar essa triste realidade.

Gostaria, Sr. Presidente, que o Ministério criasse uma comissão para tratar da saúde da mulher de modo verdadeiro. A coordenação do serviço materno-infantil do Ministério deveria debater com representantes das regiões e achar um caminho comum. Se não podemos legislar sobre matéria do Executivo, que o Executivo nos procure para ouvir sugestões e dividir responsabilidades. Não se pode adotar a mesma postura do ex-Presidente da Fundação Nacional de Saúde, de ficar alheio ao debate político, ao debate técnico - não sei nem por que razões.

Para concluir, reafirmo, Senador Jefferson Péres, que também devoto o maior respeito pela história da Sucam, da Fundação Nacional de Saúde, que vem caminhando desde a época de Oswaldo Cruz. Ela ainda se inspira no modelo verticalizado de saúde do Walter Reed Army Institute dos Estados Unidos, que era um instituto militar, que ainda atua na pesquisa científica para o controle das endemias, de doenças como a malária.

Lamentavelmente, vemos o descaso, hoje, com um órgão que tem uma história tão nobre neste País, que veio da Fundação SESP, que se acompanhou da Sucam, que trabalhava com saneamento e controle de endemias. Hoje é um órgão omisso, lamentavelmente, na Região Amazônica; é indiferente ao sofrimento da população da nossa região, por culpa de sua administração. Eu não atribuiria os atuais problemas à falta de recursos, mas apenas aos gestores desses órgãos.

Espero que o Sr. Ministro Serra compreenda a grandeza da saúde pública e compreenda o quanto é belo ver uma mulher engravidar e ser protegida na evolução de sua gestação, da mesma forma que o seu bebê à hora do nascimento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/1999 - Página 6658