Discurso no Senado Federal

CONTINUAÇÃO DO DEBATE ACERCA DO EXODO DE ESTUDANTES BRASILEIROS PARA PAISES VIZINHOS. RESPONSABILIDADE DO MINISTERIO DA EDUCAÇÃO NA REAVALIAÇÃO DA QUALIDADE DOS CURSOS DE SAUDE, RESSALTANDO A CARENCIA DE PROFISSIONAIS NESSA REGIÃO AMAZONICA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • CONTINUAÇÃO DO DEBATE ACERCA DO EXODO DE ESTUDANTES BRASILEIROS PARA PAISES VIZINHOS. RESPONSABILIDADE DO MINISTERIO DA EDUCAÇÃO NA REAVALIAÇÃO DA QUALIDADE DOS CURSOS DE SAUDE, RESSALTANDO A CARENCIA DE PROFISSIONAIS NESSA REGIÃO AMAZONICA.
Aparteantes
Arlindo Porto, Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/1999 - Página 6862
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, SAIDA, ESTUDANTE, REGIÃO AMAZONICA, MATRICULA, ENSINO SUPERIOR, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, ESPECIFICAÇÃO, AREA, SAUDE, PERDA, RECURSOS.
  • CRITICA, EXTINÇÃO, PROJETO RONDON, ESPECIFICAÇÃO, ASSISTENCIA, SAUDE, POPULAÇÃO CARENTE, INTEGRAÇÃO, REGIÃO, BRASIL.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, MEDICINA, BRASIL, FALTA, QUALIDADE, OMISSÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), FECHAMENTO, FACULDADE.
  • DEFESA, ABERTURA, FACULDADE, MEDICINA, CRITERIOS, QUALIDADE, PORTARIA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), ESPECIFICAÇÃO, LOCALIZAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, ATENDIMENTO, DEMANDA, AREA, SAUDE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que trago à baila é continuação de um debate iniciado no jornal O Globo pelo nobre jornalista João Domingos, publicado num domingo deste mês, que aborda a preocupação de alguns Senadores da Amazônia atinente ao êxodo de estudantes para países vizinhos, especialmente para a Bolívia, onde há 5 mil estudantes brasileiros vivendo em situação duvidosa em termos de qualidade de vida e de relação cultural com os países fronteiriços. Tudo em função de algo chamado Formação em Saúde na Região Amazônica, um problema da mais alta seriedade.  

O Acre, por exemplo, dispõe de apenas um médico para cada 2.500 habitantes, enquanto outros Estados deste País contam com um médico para cada 166 habitantes, alcançando índices ótimos de distribuição e até além do necessário, uma vez que a Organização Mundial de Saúde estabelece um médico para cada 500 habitantes ou para cada mil habitantes como média ideal. Trata-se, portanto, de um problema seriíssimo que vive hoje a Região Amazônica. V. Exª é conhecedora dessa questão, porque sua região vive um pouco dessa realidade.  

Lamentavelmente, nosso País há mais de vinte anos abandonou o único movimento de solidariedade, de assistência à saúde, envolvendo as regiões do Brasil; um modelo de cooperação humano e, ao mesmo tempo, de integração cultural com a Região: o Projeto Rondon. Há algumas críticas ao Projeto Rondon, mas ele trazia a marca da integração nacional e da solidariedade entre as regiões, de modo muito especial, na assistência à saúde das populações pobres do nosso País.  

Lamentavelmente, os órgãos responsáveis pela integração regional, no que diz respeito à assistência à saúde, têm deixado esse assunto para a condução de mercado, ou seja, o profissional é atraído pelo valor do salário e, às vezes, por alguma condição boa de trabalho. Isso é muito delicado porque envolve um perfil profissional regional muitas vezes motivado apenas pelo lucro, pelo interesse de ganhar e acumular dinheiro e não por um perfil humanista, de solidariedade e de construção de sociedades, de modo muito especial, nas Regiões Norte e Nordeste.  

Gostaria de registrar que temos, com relação a cursos médicos no Brasil, apenas 4 faculdades de Medicina na Região Norte; 5 na Região Centro-Oeste; 12 na Região Nordeste e 44 na Região Sudeste, quase todas concentradas, de forma prioritária, no Rio de Janeiro, com 36 faculdades presentes, e a Região Sul, contando com 19 faculdades médicas, num total de 84.  

A rigor, o Conselho Federal de Educação, numa nota lançada em março de 1988, tem razão quando diz que o Brasil não necessita mais de faculdades de Medicina.  

Gostaria de registrar, Srª Presidente, que, lamentavelmente, o perfil do profissional de saúde que se alcança neste País é algo delicado e que tem trazido graves problemas. Os médicos, que se tornam a ponta do atendimento, juntamente com os enfermeiros, dos problemas da assistência à saúde, são acusados todos os dias na Imprensa, porque os erros ocorrem e as falhas de ordem profissional existem com danos à população. Lamentavelmente, não se trata o problema em sua raiz.  

Quanto a isso, digo sem qualquer temor, pois, desde a época em que era estudante, discuto a formação médica em nosso País, que 50% das escolas médicas no Brasil deveriam ser fechadas, porque não oferecem condições mínimas de qualidade para colocação de um profissional com sentido de formação universal e preparado sob o ponto de vista humanista e técnico para atender à população.  

O Ministério da Educação tem tratado o problema com indiferença e insensibilidade ao longo de sua história, pois sabe que a qualidade está comprometida, conforme atesta o Provão das Universidades. No entanto, trata com vista grossa o problema da qualidade do profissional de saúde que sai das universidades brasileiras. Um exemplo disso é o Provão, que aponta uma reprovação em quase todas as escolas de terceiro grau, sem trazer uma proposta definitiva. Acredito ser inadiável a criação de uma comissão de notáveis para definir o perfil do profissional de saúde e fechar as faculdades que não prestam, mas abrir outras com comprometimento, qualidade e a necessária distribuição.  

O meu Estado tem um médico para 2.500 habitantes. Precisaríamos, de início, de mais 300 médicos para atendermos, minimamente, a relação preconizada pela Organização Mundial de Saúde. O nosso Governo oferece um salário que vai de R$4.500,00 a R$6.000,00, mas não há profissionais que queiram ir a nossa região, haja vista as condições socioculturais e econômicas que eles encontram em outras áreas da federação. Então, é necessário definir-se o que é prioritário e o que é a formação profissional em relação à Amazônia Brasileira em especial.  

Penso que escolas médicas devam ser abertas com condições estabelecidas pelo Ministério, por meio de portarias, como a Portaria nº 640, de 1997, que estabelecia condições de abertura de escolas neste País, de modo especial de nível superior e na área médica, impondo condições de qualidade e de excelência para a abertura. Penso que esse é o caminho a ser tomado: a imposição de que condições mínimas precisam ser estabelecidas.  

Não queremos escolas médicas para agradar político A ou B, do Rio Grande do Sul ao Amazonas, mas que o Brasil tenha a responsabilidade de fechar escolas que não formam adequadamente seus profissionais e de abrir escolas que os formam de maneira ética, comprometidos com a formação humanista, com a formação universal e com a necessidade de atender à população nas suas necessidades básicas.  

Penso que o Ministério da Educação tem a responsabilidade de, no Conselho Nacional de Educação, rever o assunto da formação em saúde, de modo muito especial na região Amazônica e na região Nordeste. É preciso que o Rio de Janeiro passe por uma revisão imediata da qualidade dos profissionais que tem apresentado para o mercado. Como médico, não gostaria nunca de ouvir denúncias como a da venda de vagas em escolas médicas neste País, como tem acompanhado pelos jornais, a entrada de profissionais nas faculdades. É preciso entender que a formação profissional em saúde é algo sagrado, porque o profissional de saúde vai tratar direta e imediatamente com vidas que estão sob risco iminente. Ou ele sai da faculdade com uma qualidade mínima de profissionalização, ou o resultado é desastroso.  

Então, pondero ao Conselho Nacional de Educação que imediatamente implante um modelo de fiscalização, de avaliação e de intervenção no sentido de melhorar a qualidade do curso bem como o seu conteúdo pedagógico, além de fiscalizar o preparo do aluno que vai entrar para a nossa sociedade tão carente de profissionais de saúde e que se estabeleça que algumas regiões carecem de um número maior desses profissionais.  

Tive de sair da minha casa aos 16 anos, andar mais de 3 mil quilômetros para alcançar uma faculdade de Medicina, por não haver nenhuma alternativa, pois não havia escolas de saúde naquela região. Acredito que milhares de jovens passam pelo mesmo tipo de situação. Precisamos de faculdades com qualidade, como afirmo, para evitar a inviabilização do sonho de ser um profissional da área de saúde.  

O Sr. Arlindo Porto (PTB-MG) - V. Exª permite-me um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Pois não, Excelência.  

O Sr. Arlindo Porto (PTB-MG) - Senador Tião Viana, interrompo o pronunciamento de V. Exª para exaltar a importância do tema que está sendo levantado. Naturalmente pela sua formação profissional e por conhecer com profundidade a área da medicina, V. Exª, com tanta ênfase, mais do que uma denúncia, faz um apelo para que normas claras, rígidas, sérias, sejam implementadas. Quero neste aparte cumprimentá-lo e, mais do que isso, exaltar a necessidade de um conhecimento mais amplo a respeito do curso superior no Brasil. O curso de graduação deixa a desejar. Se deixa a desejar na Medicina, que é considerada - essa é a expectativa da população brasileira - a que melhor prepara os seus profissionais, porque tratam diretamente com a vida humana, com o cidadão, o que devemos pensar em relação a outros cursos, que não exigem residência, não exigem um aprofundamento, não exigem estágio e que não têm um conhecimento prático? São cursos feitos, às vezes, com sacrifício - temos de registrar isso. Muitos jovens conseguem vencer a árdua tarefa de passar no vestibular e se formam depois de quatro ou cinco anos, dependendo da extensão do curso, sempre com dificuldades enormes para aqueles que enfrentam e conseguem um espaço nas universidades públicas. Os que não conseguem ingressar nas universidades públicas entram nas faculdades ou universidades particulares. O que percebemos, sobretudo, é o sacrifício financeiro das famílias. V. Exª aborda os cursos que hoje são feitos na Bolívia e em Cuba, abrindo expectativas aos jovens brasileiros e - quem sabe? - alimentado a ilusão daqueles que vão em busca de melhores oportunidades. Ao voltarem, quando voltarem, de que maneira voltarão? É fundamental que seja chamada a atenção para esse momento de reflexão, de responsabilidade e de compromisso. Não tenho dúvida de que precisamos melhorar, e muito, a qualidade do nosso ensino superior. É missão do Poder Público, do Ministério da Educação e do Conselho da Educação, efetivamente, intervir, fixando regras claras, porque hoje há uma preocupação com o material. Preocupa-se em criar a Agência Nacional de Telecomunicações, a Agência Nacional de Petróleo, entre outras, para avaliar a qualidade do serviço. E a Educação? Diria que é fundamental e oportuno o pronunciamento de V. Exª. Quero, neste momento, cumprimentá-lo pelo que expõe, chamando a nossa atenção. Muito obrigado.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço ao ilustre Senador Arlindo Porto. Faço minhas as suas palavras.  

Srª Presidente, ilustres Senadores, acrescento ainda que esses cinco mil estudantes que estão na Bolívia passam por uma reflexão - que sempre fizemos no Brasil - de que a Bolívia é um país que tem dificuldades socioeconômicas.

 

A Bolívia acredita ser o Brasil um país que tem alto nível de desenvolvimento. No entanto, estamos nos socorrendo dela para formar profissionais de nível superior, a fim de que possam atuar na região amazônica. E um país como o nosso ainda transfere, no mínimo, US$2,5 milhões todos os meses para a Bolívia em função da formação.  

A SRª PRESIDENTE (Marluce Pinto) - Peço licença a V. Exª para prorrogar a sessão por mais 5 minutos, para que conclua o seu pronunciamento, que trata de um tema muito importante.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço a tolerância da Mesa. Já estou concluindo.  

Registro ainda, ilustres Senadores, que lamentamos a evasão desses US$2,5 milhões, acompanhados de êxodo e angústias culturais. Inclusive, já fiz um requerimento ao Ministro das Relações Exteriores pedindo esclarecimentos sobre o constrangimento cultural dos brasileiros que têm formação nessas regiões — o que não é intenção do governo boliviano nem do brasileiro. É preciso haver uma política cultural que acabe com o preconceito quanto à presença de jovens estudantes numa e noutra região.  

Há um ano, fui convidado para proferir uma palestra na Universidade de Marília, município de São Paulo, na área de Medicina tropical e deparei com algo fantástico: a referida instituição acadêmica dispunha de 12 mil jovens alunos, sendo a maioria absoluta migrantes, que criaram nova realidade socioeconômica e cultural naquela região.  

Poderíamos estar vivendo essa situação na amazônia, formando nossas cidades de jovens estudantes e comprometendo-nos com novo nível de cultura e de benefício se o Ministério da Educação e o da Saúde tratassem com mais zelo o problema da distribuição de bons profissionais em todas as regiões do Brasil. Acredito, por isso, que a pertinência e a seriedade do assunto...  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Nobre Senador Tião Viana, serei breve para não perturbar a análise que V. Exª faz hoje nesta Casa acerca desse tema tão significativo. É muito bom V. Exª também preocupar-se com a qualidade da formação dos nossos profissionais e alertar nossas autoridades para a necessidade de instituir um sistema de avaliação ou de fiscalização — ou, se eles já existem, de aprimorar o seu funcionamento, porque a realidade ressaltada por V. Ex.ª é gritante e traz um prejuízo enorme para a sociedade, já que os custos pagos para a formação profissional daqueles que freqüentam as escolas em quaisquer níveis são bastante elevados. A sociedade cobra uma resposta positiva daqueles que, de forma privilegiada, podem cursar e concluir um curso de nível superior. Entendo, nobre Senador, a preocupação de V. Exª com relação à qualidade do serviço prestado pelos profissionais da Medicina. Às vezes agride-se a dignidade humana, fere-se todos nós, e fico a avaliar experiências em outras atividades que já vimos. É muito fácil verificar dificuldades com a língua pátria inclusive dos bacharéis de Direito, que teriam no mínimo a obrigação de escrever corretamente. Não falo da exigência, em virtude da experiência e da vivência nos cursos que fazem, de dar consistência ao que escrevem, mas pelo menos terem a preocupação de escrever escorreitamente. Ora, estudam cerca de onze anos, entre o segundo grau e o ensino fundamental, recebem uma multiplicidade de informações, inclusive da língua pátria, depois escolhem uma atividade profissional — Medicina, Engenharia, ou qualquer outra — e vão estudar mais cinco anos. Nesses cursos também estudam a língua pátria e, mesmo assim, concluem sem saber escrever. É um assombro, um espanto. Ora, onze anos somados a mais cinco anos de universidade são dezesseis anos, e se nesse tempo essas pessoas não conseguiram aprender a escrever corretamente o Português, então o que foi que elas aprenderam em cinco anos na atividade profissional que escolheram, quer na Medicina, quer na Engenharia, quer no Direito, enfim, em qualquer atividade profissional? Isso nos preocupa muito. Não precisamos ir longe para verificar que a preocupação em escrever escorreitamente não passa pela cabeça de muita gente. Muitas pessoas não se incomodam em escrever corretamente muitas vezes debocham dizendo que, se deu para entender, está bom. Mas, nós nos preocupamos. Se o profissional não sabe escrever corretamente, se não teve a preocupação de aprender a sua língua, qual é o conhecimento que amealhou da atividade profissional que escolheu? Cumprimento V. Exª pela preocupação que nos traz e o alerta que faz notadamente às autoridades da área de educação sobre a importância de estabelecer um sistema e um critério de fiscalização mais rigoroso com relação à qualificação daqueles que concluem o ensino de nível superior.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Muito obrigado.  

Srª Presidente, concluo meu pronunciamento dividindo também com o Senador Leomar Quintanilha as palavras. Quero registrar que o Estado do Acre tem a responsabilidade de fazer a sua parte na busca da qualificação e de um novo perfil profissional para a região amazônica tendo-se em conta que não vamos nos considerar periferia deste País e vamos implantar uma estrutura à altura de nossa dimensão humana e de comprometimento com um país diferente.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/1999 - Página 6862