Discurso no Senado Federal

ABORDAGEM SOBRE O TEMA DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE DESTE ANO, DA CNBB, 'SEM TRABALHO - POR QUE?'.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • ABORDAGEM SOBRE O TEMA DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE DESTE ANO, DA CNBB, 'SEM TRABALHO - POR QUE?'.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/1999 - Página 7296
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • ANALISE, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), DENUNCIA, DESEMPREGO.
  • COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATISTICA E ESTUDOS SOCIO ECONOMICOS (DIEESE), DESEMPREGO, BRASIL, ANALISE, SITUAÇÃO, MUNDO, AUMENTO, TECNOLOGIA, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, FALTA, ETICA, MERCADO FINANCEIRO, REDUÇÃO, SOBERANIA, TERCEIRO MUNDO.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com certo atraso, entendi que devia fazer, e faço nesta oportunidade, uma abordagem, mesmo que sucinta, do tema da Campanha da Fraternidade adotada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - neste ano, que é a respeito dos desempregados.  

Como é do conhecimento de todos nós, anualmente a CNBB traz para reflexão das autoridades, dos políticos e da sociedade como um todo temas importantes, alguns com grande profundidade de abordagem na área social como, por exemplo, a fome, a justiça, a saúde, a educação, a família, os presidiários. Neste ano, como disse, o tema é a fraternidade e os desempregados, por meio do qual a CNBB convocou a sociedade brasileira para uma análise crítica, com todo discernimento e toda responsabilidade que o assunto exige, das condições sociais que hoje afligem significativamente parcela da população.  

Propõe a CNBB, especificamente, examinar a questão do desemprego sob a argumentação de que, numa sociedade que se pretende solidária, fraterna e justa, deve haver meio de evitar os altos índices de desocupação que se vêm observando.  

"Sem trabalho... por quê?" é o apropriado lema encontrado pela CNBB para expressar a angústia de uma sociedade que vê aumentarem, dia a dia, os casos de trabalhadores sem emprego e sem perspectivas de prover o seu sustento e o de suas famílias.  

O lançamento da Campanha da Fraternidade, no mês de janeiro, coincidiu com a anúncio, feito pelo IBGE, da taxa de desemprego do referido mês, a pior nos 16 anos da Pesquisa Mensal de Emprego, realizada pela instituição. O índice, medido nas seis principais áreas metropolitanas do País, foi de 7,73%, denunciando o agravamento do desemprego que, em dezembro, foi de 6,32% e que vem aumentando a cada mês.  

A abordagem séria e isenta da questão do desemprego exige, inicialmente, que reconheçamos o seu caráter universal na presente conjuntura. O desemprego aflige hoje sociedades as mais diversas, incidindo mesmo, vigorosamente, sobre as nações mais ricas. Entretanto, há de se ressaltar, os seus efeitos são muito mais angustiantes nos países periféricos, onde o emprego quase sempre significa a garantia da própria sobrevivência do trabalhador e de sua família. A expectativa, em breve, é a de que haja 130 milhões de pessoas em grau de profunda pobreza, sobretudo nos países em desenvolvimento.  

É mister observar, ainda, que o desemprego tem um caráter estrutural tanto mais acentuado quanto mais periférica é a economia. Esse é um dos aspectos abordados com profundidade pelo texto base da Campanha da Fraternidade, ao salientar: "Se o problema do desemprego é caraterístico da sociedade industrial, a questão de não ter trabalho não é nova, pois há muito tempo, no Brasil, parte da população economicamente ativa vive desocupada. Nunca tivemos um sistema econômico que inserisse a todos, uma vez que nosso País não se desenvolveu em função de seus interesses".  

Antes de quaisquer outras considerações a respeito desse assunto, é preciso ter em mente o significado do emprego após o advento da Revolução Industrial. O trabalho, que até então comportava o significado de ocupação, reduziu-se paulatinamente à noção de emprego, uma atividade remunerada exercida regularmente mediante contrato entre as partes, indispensável para a manutenção do indivíduo e para sua integração na comunidade.  

Nessas condições, se falta o emprego a determinado indivíduo, as conseqüências são da maior gravidade, porque, conforme salienta o texto base da Campanha da Fraternidade, "o trabalho assalariado ainda é a fonte principal de sobrevivência da maior parte da humanidade".  

O desespero de um indivíduo que quer trabalhar e não consegue emprego é tão grande que, não raro, leva ao suicídio ou a outros atos desesperados, como roubos e assaltos ou ainda o envolvimento com drogas, na tentativa de garantir o próprio sustento.  

O mundo inteiro hoje se preocupa com o problema do desemprego. A Organização Internacional do Trabalho estima em 1 bilhão o número de pessoas desempregadas ou subempregadas. Embora múltiplas, de caráter estrutural ou conjuntural, as causas do desemprego são identificadas sem maiores dificuldades. Em muitos casos, poderiam ser evitadas ou ter seus efeitos amenizados.  

Uma dessas causas na sociedade moderna é a revolução tecnológica, supressora da mão-de-obra, tão contundente que alguns pesquisadores e estudiosos já falam numa sociedade futura sem emprego. Inegavelmente, hoje se produz mais com menos trabalho, a tal ponto que o grande problema da humanidade deixou de estar na produção para concentrar-se numa distribuição desigual de oportunidades de empregos e de renda.  

O documento da CNBB alerta para o fato de que, no conjunto dos países capitalistas europeus, "a produção da riqueza quase quadruplicou em 35 anos, sem, no entanto, quadruplicar o trabalho. Pelo contrário, "na Alemanha, a partir de 1955, o volume anual de trabalho diminuiu em 30%. Na França, em 30 anos, a diminuição foi de 15%, passando a 10% no espaço de 6 anos".  

À revolução tecnológica soma-se o que chamaríamos reestruturação empresarial. A CNBB cita Michel Hammer, um dos grandes teóricos do assunto, que garante: a reengenharia das empresas pode levar a demissões em massa sem, contudo, afetar o volume de produção.  

Finalmente, a financeirização da economia e a globalização dos mercados encerram os grandes fatores responsáveis pelos altos índices de desemprego em todo o mundo. O capital, nos dias atuais, deixou de ser um instrumento de produção. Deixou de gerar bens para gerar mais capital, ou seja, deixou de ser trocado por outro produto, por mercadoria, para obter rendimento por si mesmo. O domínio do capital especulativo não conhece barreiras éticas nem alfandegárias ou geográficas. O conceito de soberania diluiu-se, e o esquema do capital especulativo foge ao controle das nações para se subordinar aos interesses das instituições financeiras internacionais.  

Um grande especulador, hoje, pode quebrar a economia de um país de porte médio da noite para o dia e pode causar graves prejuízos, por mero prazer, até às economias mais fortes – e temos visto vários exemplos no decorrer desse período.  

Há menos de dois anos, o governo canadense embargou a importação de um aditivo para gasolina, produzido pela Ethyl Corporation , empresa americana, dadas as evidências de toxidade do produto. Inobstante alguns estados americanos tivessem também proibido a aquisição do produto, o governo canadense foi obrigado a indenizar a Ethyl Corporation , com base nos dispositivos do Acordo de Livre Comércio dos Países da América do Norte – o Nafta.  

A medida provocou a indignação até de parlamentares governistas do Canadá, como Clifford Lincoln, do Partido Liberal, que protestou: "Não posso acreditar que uma companhia estrangeira possa ditar suas regras e que, nós, como uma nação soberana, estejamos impotentes para fazer qualquer coisa a esse respeito".  

Nesse ponto, Sr. Presidente, o texto base da CNBB não deixa de ser um libelo contra a submissão do Governo brasileiro ao Fundo Monetário Internacional, ainda que a ele não faça referência. Por outro lado, se não denuncia o acordo com o Banco Mundial, que sobreveio à elaboração do documento, a CNBB faz ressalvas ao Plano Real, quando diz: "Desde a implantação do Plano Real, em 1º de julho de 1994, até o final de 1996, o Brasil já perdeu 755.739 empregos formais". E vale notar que a retração prevista no recente acordo com o FMI, da ordem de 4% do PIB, excluirá do mercado cerca de 1 milhão de brasileiros.  

Observem bem, Srªs. e Srs. Senadores, que esses dados não mostram toda a realidade, vez que, até a elaboração dos documentos, os dados de 1997 ainda não estavam disponíveis.  

A abertura econômica indiscriminada, bem ao agrado das economias centrais e de instituições como o FMI, levaram ao fechamento de 770 empresas do setor de tecelagem, quebraram as indústrias de brinquedos, provocaram o desemprego no campo. Nesse aspecto, é forçoso reconhecer que nossos governantes, ao ignorarem a voz do povo, da classe empresarial, das diversas categorias obreiras, optaram por uma política que só rende dividendos para as empresas transnacionais.  

Em 1994, a taxa de desemprego no Brasil era de 3,42%. Em janeiro deste ano, foi de 7,73% – isso pelos critérios questionáveis do IBGE. Ou seja, mesmo pelos critérios questionáveis do IBGE, o desemprego dobrou entre 1994 e janeiro deste ano. O DIEESE estima em mais de 17% a taxa de desemprego do ano passado.  

O que se observa é que, apesar de toda a empáfia, o amargo receituário das economias centrais e das instituições financeira internacionais proporciona bons resultados, mas para elas. Do contrário, como explicar nossos indicadores sociais e econômicos? Hoje, importamos milho, arroz e feijão; o déficit público triplicou; a dívida mobiliária interna, de R$61 bilhões há quatro anos, superou os R$300 bilhões ainda no final de 1998; os servidores públicos estão sem reajuste há mais de quatro anos; os contribuintes sofrem com uma carga fiscal voraz e os investimentos sociais foram reduzidos ao patamar mínimo. Mas, os juros, esses fazem a festa dos grandes especuladores, dos nossos credores externos, e são, de longe, os maiores responsáveis pelo insustentável crescimento da dívida brasileira.  

Assim, não é de se surpreender que o economista Paulo Batista Nogueira Júnior, da Fundação Getúlio Vargas, tenha denunciado recentemente os organismos internacionais por imporem suas políticas aos países periféricos. Por meio delas, as empresas brasileiras ficam debilitadas e "se tornam presas fáceis de aquisição por parte dos grupos transacionais".  

Os países-modelos, que seguiram à risca o receituário das instituições financeiras internacionais, porta-vozes das nações mais ricas, se revelaram com pés de barro. Inicialmente, foi o México; em seguida, a derrocada atingiu os países asiáticos, que hoje amarram taxa de desemprego de até 20%; a Rússia foi, então, a chamada "bola da vez". Há algumas semanas, o FMI reconheceu ter errado na avaliação da crise russa e na administração do remédio. A economia russa – admitiu o FMI – não estava preparada para a globalização e a abertura do mercado. Cabe agora perguntar: e daí? O que vai fazer o Banco Mundial além de reconhecer ter destroçado uma economia que já estava debilitada, levando pânico à população, provocando suicídios, sofrimentos e perda de esperança?

 

O charme da globalização, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se esvaneceu. O rei está nu, e, apesar das advertências de vários setores, os formuladores de nossa política econômica ainda não se convenceram disso. A Campanha da Fraternidade veio, em boa hora, despertar os brasileiros imersos nessa longa letargia. Mais do que denunciar os erros de uma política equivocada, venho conclamar a sociedade brasileira a refletir sobre a questão, a buscar as soluções possíveis, a unir suas forças com intuito de gerar empregos, de redistribuir a renda e de construir um País mais fraterno.  

Encerro, portanto, Sr. Presidente, congratulando-me com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em razão do oportuno tema escolhido e pelas profundas reflexões que traz no bojo do texto base que divulgou sobre o tema e o lema da Campanha da Fraternidade deste ano.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/1999 - Página 7296