Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE A GUERRA E O EXODO NA IUGOSLAVIA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. REGIMENTO INTERNO.:
  • COMENTARIOS SOBRE A GUERRA E O EXODO NA IUGOSLAVIA.
Aparteantes
Geraldo Cândido, Heloísa Helena, José Alencar.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/1999 - Página 7482
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. REGIMENTO INTERNO.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, FORMA, ESTADOS MEMBROS, ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLANTICO NORTE (OTAN), PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GRÃ-BRETANHA, FRANÇA, ALEMANHA, UTILIZAÇÃO, VIOLENCIA, BOMBARDEIO, TENTATIVA, ALTERAÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO, SLOBODAN MILOSEVIC, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, IUGOSLAVIA.
  • LEITURA, TRECHO, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, MARTIN LUTHER KING, LIDER, NEGRO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, VANTAGENS, LUTA, PODER, RESISTENCIA, AUSENCIA, UTILIZAÇÃO, VIOLENCIA, ARMA, GUERRA.
  • INTERPELAÇÃO, MESA DIRETORA, DIA, VOTAÇÃO, REQUERIMENTO, AUTORIA, LAURO CAMPOS, SENADOR, CONVOCAÇÃO, LUIZ FELIPE LAMPREIA, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), COMPARECIMENTO, SENADO, ESCLARECIMENTOS, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, REFERENCIA, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, IUGOSLAVIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ronaldo Cunha Lima, Srªs e Srs. Senadores, ou a humanidade acaba com a guerra, ou a guerra acabará com a humanidade. Essas são palavras do Presidente John Kennedy, em diversas vezes rememoradas por Martin Luther King Jr., em suas diversas obras e discursos.  

Por que venho hoje falar em Martin Luther King e de sua prática da não-violência? Porque estou extremamente preocupado com a forma como os países membros da OTAN, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha e outros, estão mais uma vez, pelo uso da violência, tentando modificar as ações de um governo como o da Iugoslávia, a forma como o Presidente Slobodan Milosevic tem agido.  

Será que são os bombardeios a única maneira de convencer o Presidente Slobodan Milosevic e os sérvios? Será que não há outra forma? O próprio Martin Luther King lembra métodos que, na história da humanidade, são muito melhores, como aqueles relatados na história da literatura grega a respeito de Ulisses, que estava muito preocupado com os marinheiros que se encantavam com as sereias, cujo doce canto os encantava e maravilhava, conduzindo-os à Ilha das Sereias. Os marinheiros, portanto, dirigiam-se àquela localidade, pulavam nas águas e abraçavam-se nas sereias, que os levavam inevitavelmente à morte. Foi então que Ulisses concluiu que era necessário não ser levado à morte – ele e sua tropa de marinheiros – pelas sereias. Assim, resolveu amarrar-se no mastro e colocar cera nos ouvidos dos marinheiros para que ninguém ouvisse aquele canto tão doce, encantador, mas enganador, que levava as pessoas a serem mortas. Eis que Ulisses descobriu uma maneira melhor e resolveu colocar Orfeu à frente do barco cantando músicas lindas, muito mais encantadoras, de tal forma que seus marinheiros passaram a ouvir apenas o canto de Orfeu, não mais o canto encantador das sereias. Assim, conseguiu evitar que fossem seus marinheiros e ele próprio conduzidos à morte.  

Por que Martin Luther King lembra essa história? Exatamente para lançar um desafio aos homens e mulheres de seu tempo. Martin Luther King falava disso, sobretudo nos anos 60, quando, tão preocupado com a Guerra do Vietnã, procurava convencer os Presidentes John Kennedy, Lyndon Baines Johnson e Richard Nixon a acabarem com a guerra. O que pode ser demonstrado por toda violência, por todos os gastos havidos na Guerra do Vietnã, como, mais recentemente, na guerra contra o Iraque, ou mesmo na Somália? É que não deu os frutos que imaginavam os condutores da guerra. O Vietnã acabou sendo unificado sob um regime marxista, dominados pelo Partido Comunista do Vietnã. Os curdos, uma das razões que levaram os Estados Unidos a bombardearem o Iraque, continuam sendo perseguidos. Na Somália, não foi a violência da guerra que acabou com perseguições e mortes. Há que se pensar em outro método que não a guerra.  

Hoje, Marilene Felinto, que escreve na Folha de S.Paulo com tanta acuidade, menciona que viu ontem, pela CNN, um militar americano da OTAN a relatar, dia por dia, os acontecimentos da guerra na Iugoslávia. O militar dizia, com um aparato verbal e uma firmeza de americano em guerra: " We said we are going sistematically and progressively to attack, disrupt and degrade. That is precisely the process that is under way now step by step, day by day ." Traduzindo, "Dissemos que iríamos, sistemática e progressivamente, atacar, desintegrar e degradar. É precisamente esse o processo que está em curso agora, passo a passo, dia-a-dia."  

Puxa! Que coisa! Passo a passo estar ali desintegrando, bombardeando, destruindo... Como seria importante se o povo norte-americano e toda a humanidade ouvisse com maior atenção as palavras de Martin Luther King. E Martin Luther King Jr. é o único cidadão norte-americano que tem um dia consagrado à sua memória, como um mártir da luta sem violência pelos direitos civis.  

Nesses momentos, é importante recordarmos as lições de Luther King sobre o significado da resistência pela não-violência. Acredito muito nesse proceder. Recomendo, assim, aos meus pares, aos movimentos com os quais tenho extraordinária afinidade, aos meus companheiros João Pedro Stédile, José Rainha e Gilmar Mauro, da coordenação do MST, que leiam bastante como Luther King ensinava à Humanidade sobre as vantagens da luta por meios pacíficos.  

Em certo trecho de seu famoso pronunciamento a respeito do sonho americano, ele diz:  

Eu acredito, mais que antes, no poder da resistência pela não-violência. Há um aspecto moral relacionado a ele. Torna-se possível para o indivíduo assegurar os fins morais por intermédio de meios morais. Esse é um dos grandes debates da História. As pessoas, às vezes, acabam achando impossível atingir finalidades morais por meios morais, e, assim Machiavelli acaba tornando-se e forçando uma espécie de dualidade na estrutura moral do universo. Até mesmo o comunismo poderia tornar-se realidade, qualquer coisa justificaria o sim de uma sociedade sem classes: a mentira, a falsidade, o ódio, a violência, qualquer coisa. É aqui que o movimento não-violento tem uma diferença com o comunismo e com todos aqueles sistemas que argumentam que o fim justifica o meio, porque percebemos que o fim preexiste nos meios. Ao longo da História, os meios destrutivos não podem trazer finalidades realmente construtivas.  

O aspecto prático da resistência pela não-violência expõe as defesas morais do oponente. Não apenas isso: de alguma forma, levanta a consciência das pessoas, ao mesmo tempo em que destrói, que quebra a sua moral. O oponente acaba não tendo resposta para tal metodologia. Se o colocam na cadeia, tudo bem. Se o libertam, tudo bem também. Se lhe batem, aceita; se não lhe batem, tudo bem. E, assim, vai-se caminhando, deixando de responder. Mas se se usa da violência, tem-se a resposta: a milícia do Estado, a brutalidade da polícia. A resistência pela não-violência é uma das mais magníficas expressões que ocorrem hoje.  

Esse é um trecho do discurso de Martin Luther King, na sua luta para convencer as pessoas de que deveria haver outras alternativas que não a guerra, que não o uso dessas armas que custam extraordinariamente caro.  

Sr. Presidente, parece um contra-senso isso acontecer na Europa, perto do mundo desenvolvido. Centenas de milhares de pessoas estão saindo da Iugoslávia, por serem albaneses, indo para Albânia, para a Turquia. Bill Clinton está querendo oferecer a base de Guantânamo, em Cuba, para abrigar uns 20 mil refugiados em função de bombas. Essas pessoas disputariam um pedaço de pão, um pouco de água ou alguma outra coisa, porque estão saindo sem nada.  

Há um contraste extraordinário: bilhões de dólares estão sendo jogados no centro de Belgrado, com uma tecnologia notável, e pessoas são deixadas morrendo de fome.  

Será que não há alternativa de persuasão mais inteligente, à altura, por exemplo, daquilo que foi criado por Ulisses na história tão bem lembrada por Martin Luther King?  

O Sr. José Alencar (PMDB-MG) - Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. José Alencar (PMDB-MG) - Cumprimento-o, ilustre Senador Eduardo Suplicy, pela abordagem dessa questão. Assiste-se hoje pela televisão, em todos os lares do mundo, o que está acontecendo naquela região dos Balcãs. A violência alcançou tal magnitude que chega a atingir as crianças. Há poucos dias, uma das cenas da televisão mostrou um berçário num hospital em Belgrado com várias crianças recém-nascidas. Esse berçário ficava muito próximo de um dos alvos atingido pelo bombardeio naquela cidade. Então, eminente Senador Eduardo Suplicy, trago minha palavra de brasileiro, de chefe de família e de cristão para cumprimentá-lo. Com sua iniciativa, dizemos ao Brasil inteiro — que nos ouve, observa e acompanha — que estamos sensibilizados com o que está acontecendo na Europa, no Velho Mundo, na região mais civilizada do planeta — pelo menos do lado ocidental. Concluo meu aparte, agradecendo a oportunidade que V. Exª me concedeu e reiterando as minhas congratulações pela atitude de trazer tal tema a esta sessão do Senado Federal. Muito obrigado.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço as suas palavras, Senador José de Alencar, que sempre mostram bom-senso e levaram-me à preocupação de transmitir esse problema ao Governo brasileiro.  

Após ter a Rússia decidido realizar uma negociação para que não explodisse a guerra, o Governo brasileiro tomou uma posição favorável e coincidente até com os esforços de paz que normalmente o Brasil defende. No entanto, depois houve uma decisão da ONU, e o Governo brasileiro, para não desagradar o Governo dos Estados Unidos, resolveu aprovar, o que nos preocupa. O Senador Lauro Campos, inclusive, apresentou requerimento para convocar o Ministro Luiz Felipe Lampreia a nos explicar este passo de contradição.  

Até pergunto à Mesa, Sr. Presidente, se o dia de votação do requerimento já foi marcado, para que o Ministro Lampreia venha ao Plenário explicar-nos a posição do Governo brasileiro. Acredito que ela seja no sentido de realizar todo o esforço para que não seja o uso da arma, da violência, da guerra a solução do problema. Esta é uma iniciativa importante.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Ouço V. Exª, Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Querido Senador Eduardo Suplicy, solidarizo-me com V. Exª pelo seu pronunciamento. A benevolência que lhe é característica, que nos inspira também sentimentos de solidariedade, leva-o a crer que o Governo Federal tem o espírito de pacificação. No entanto, o Governo Federal — e o Senado também — está pecando por omissão, o maior e mais cruel pecado. O Senado tem obrigação de apresentar sua posição oficial em relação à OTAN, de cobrar do Governo Federal uma posição firme quanto ao assunto. Não acredito no sentimento de paz do Governo Federal, porque ele convive, de forma tão cínica, fria e insensível, com uma guerra que não ocupa os noticiários pelas metralhadoras — embora a guerra da miséria, que empurra as pessoas para a do crime organizado, seja feita com metralhadoras AR-15. Além dessas, há outra violência que é fria e que muitas vezes não sensibiliza a população. Esta não consegue entender a guerra que está existindo em nosso Brasil. Eu, que não acredito nos sentimentos de benevolência e de paz do Governo Federal, mas acredito francamente, de todo o coração, nos de V. Exª, pediria que apresentasse um requerimento à Casa, para que, mesmo antes da vinda do Ministro — infelizmente, os requerimentos às vezes ocupam o espaço das gavetas, em vez de virem ao Plenário —, o Senado se posicione. Quero ver quem, com um mínimo de bom-senso, defenderá, na tribuna do Senado, essa posição de arrogância e de truculência da OTAN e dos americanos. Os americanos e a OTAN se dizem tão preocupados com a "pureza racial" que está sendo imposta pelo Governo da Iugoslávia. Gostaria de ver a extrema solidariedade e fraternidade deles demonstrada na permissão para que esses povos se instalassem em seus territórios. O Presidente dos Estados Unidos já poderia começar a demonstrar solidariedade para com os excluídos, derrubando o muro de concreto que existe na travessia México—Estados Unidos. Solidarizo-me com V. Exª por seu pronunciamento. Sinto-me feliz por ouvir V. Exª. Espero que esta Casa possa apresentar uma moção de protesto no sentido de mostrar que o povo brasileiro e seus representantes que aqui estão não aceitam a arrogância, a truculência com que essa guerra monstruosa e miserável está sendo patrocinada pela OTAN.

 

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Muito obrigado, Senadora Heloisa Helena. Acato a sugestão de V. Exª. Redigirei esse requerimento e o mostrarei a V. Exª, para que juntos possamos assiná-lo e apresentá-lo à Comissão de Relações Exteriores e, em seguida, ao Plenário, nos termos que V. Exª sugere.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT-RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT-RJ) - Senador Eduardo Suplicy, penso que só V. Exª, com a sua sensibilidade, um homem sensato, amante da paz, poderia abrir no Senado este debate em relação à agressão de que está sendo vítima o povo da Sérvia por parte das forças da OTAN. Este assunto merece um debate mais profundo, iniciativas que visem justamente a que esta Casa tome uma posição. A Senadora Heloísa Helena tem razão: o Senado não pode ficar omisso, como se nada estivesse acontecendo. Não somos defensores da Sérvia de Milosevic, mas somos amantes da paz. O que queremos é que cesse a agressão naquela região. Os Estados Unidos, ao tomarem iniciativa junto à OTAN para defender o povo albanês, acabaram criando uma tragédia, uma situação muito pior do que a que existia antes. As populações daquela região estão migrando para outros países. Sabemos o que aconteceu com os vietnamitas repatriados para os Estados Unidos: acabaram também sofrendo uma tragédia, porque não conseguiram adaptar-se ao sistema de vida do povo americano. Temos de estar atentos a isso e denunciar essa questão. Segundo algumas estimativas, a quantia gasta com essa guerra poderá chegar a US$10 bilhões. É um absurdo que se gaste tanto dinheiro em uma campanha desse tipo, que não vai levar a nada. O resultado é o pior possível, já está provado. A população do mundo enfrenta a fome, a miséria, a falta de moradia, de educação, de saúde e outras coisas mais; esse recurso poderia ser utilizado para outras finalidades, para beneficiar as populações carentes do mundo, e não para manter aquele tipo de guerra, que é insana e, realmente, não resolve nada. Concordo com V. Exª e parabenizo-o pela iniciativa.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço, Senador Geraldo Cândido, a preocupação de V. Exª e o seu apoio a esta causa.  

Gostaria ainda de registrar que o Prêmio Nobel da Paz em 1989, Dalai Lama – que visita o Brasil e estará amanhã aqui no Congresso Nacional –, também expressou sua preocupação e disse que normalmente um conflito resolvido com o uso da violência, "como ocorre na província de Kosovo, gera "efeitos colaterais que aparecerão no futuro. É pouco provável que a violência dê resultado. Os problemas continuam ou aparecem sob outras feições".  

"Às vezes um único fator parece ser a causa do problema e eliminando-o pensamos que achamos solução. Mas quando se vê a interligação dos diversos fatores é possível ver também uma resposta mais ampla". Para se alcançar a paz mundial, pregou, é preciso essa "visão ampla e vontade política".  

Assim, gostaria de enfatizar a importância de caminharmos na direção de soluções que levem em consideração a realização da justiça, para que haja uma paz verdadeira. É muito difícil substituir a injustiça, a perseguição, mas essas condições precisam ser transformadas. O povo está sofrendo diante das diretrizes do Presidente Slobodan Milosevic, que busca uma solução, e certamente teria outros meios para isso que não a guerra. O uso da violência, normalmente, acaba gerando outros problemas; logo, não se justifica o uso de armas tão violentas.  

Espero, Senador Geraldo Cândido e Senadora Heloisa Helena, que possa o Governo brasileiro, o mais rápido e com a vontade expressa pelo Congresso Nacional, agir na direção da construção da paz.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/1999 - Página 7482