Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO HOJE, DO DIA MUNDIAL DA SAUDE, OCASIÃO PROPICIA A REFLEXÃO SOBRE A SITUAÇÃO DA SAUDE PUBLICA NO BRASIL. PAPEL DA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, ORGÃO QUE ENFRENTA SERIAS PRECARIEDADES NOS ULTIMOS 20 ANOS NO COMBATE AS ENDEMIAS, DESTACADAMENTE A MALARIA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • COMEMORAÇÃO HOJE, DO DIA MUNDIAL DA SAUDE, OCASIÃO PROPICIA A REFLEXÃO SOBRE A SITUAÇÃO DA SAUDE PUBLICA NO BRASIL. PAPEL DA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, ORGÃO QUE ENFRENTA SERIAS PRECARIEDADES NOS ULTIMOS 20 ANOS NO COMBATE AS ENDEMIAS, DESTACADAMENTE A MALARIA.
Aparteantes
Carlos Patrocínio, Geraldo Cândido, Gilberto Mestrinho, Lauro Campos, Moreira Mendes, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/1999 - Página 7582
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, SAUDE, ANALISE, GRAVIDADE, SAUDE PUBLICA, BRASIL.
  • REGISTRO, DADOS, SAUDE PUBLICA, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, MALARIA, FALTA, DECISÃO, GOVERNO, COMBATE, CRESCIMENTO, CONTAMINAÇÃO, GENOCIDIO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • ANALISE, HISTORIA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, REGISTRO, INEFICACIA, ATUALIDADE, PREVENÇÃO, COMBATE, ENDEMIA, CONFLITO, RESPONSABILIDADE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje é comemorado o Dia Mundial da Saúde. Há manifestações tanto da sociedade como das entidades de saúde, e este dia deve servir para reflexão do País inteiro sobre um assunto que tantas vezes e insistentemente tem sido colocado num plano secundário dos interesses e das decisões do nosso País.  

A situação da saúde pública do Brasil fere todos os princípios da administração pública e todos os indicadores tolerados por uma opinião pública consciente e envolvida em aspectos éticos. Eu diria que, de modo muito especial, os profissionais de saúde têm sofrido profundamente, dentro dos hospitais públicos, com a situação que estamos vivendo no País.  

Gostaria de trazer, como referência ao Dia Mundial da Saúde, a situação amazônica, que é muito amarga e muito dura de se viver. São registrados, na nossa região Amazônica, 600 mil casos de malária por ano. Essa doença atinge todo o terceiro mundo, deixando vulneráveis cerca de 2 bilhões de cidadãos do planeta. São 200 ou a 300 milhões de casos agudos por ano e 2 a 3 milhões de óbitos todos os anos, atingindo de modo muito especial a região da África, que vai até à Saara, e crianças com menos de 5 anos de idade.  

A malária é injustificável nos dias de hoje. É uma doença que reflete as decisões políticas dos governantes, a sensibilidade e a determinação com que se trata a saúde pública em nosso planeta, principalmente na África, no Sudeste asiático e na região da América do Sul exposta à doença. O arsenal terapêutico para o tratamento da malária é fantástico. Tivemos a idéia do milagre da cura, da erradicação da malária logo após a II Guerra, quando o Instituto Walter Reed Army determinou um avanço revolucionário na utilização de drogas antimaláricas. Contudo, houve o impacto do mecanismo de defesa do seu parasita, o plasmodium, criando resistência ao arsenal terapêutico da época, o que trouxe, para os anos 70 e 80, um enorme descontrole ao efetivo combate da malária. O resultado é que o Brasil registra 600 mil casos por ano, principalmente na região Amazônica.  

Sr. Presidente, citarei um dado, a meu ver profundamente grave, que diz respeito à população indígena. O jornal do Conselho Nacional de Saúde, Controle Social da Saúde , traz na sua página nº 8 uma abordagem sobre a saúde indígena. O Brasil tem 326 mil índios, 556 reservas indígenas e 250 etnias. Segundo a Funai, a expectativa de vida da população ianomâmi é de apenas 24 anos.  

Senador Lauro Campos, essa abordagem me reporta ao Brasil dos séculos XVII ou XVIII, menos ao Brasil do Século XX, às vésperas do século XXI, porque a malária e a tuberculose ainda são doenças que se manifestam com enorme força. A tuberculose era a doença dos poetas do passado, do Romantismo, e a malária a doença dos maus ares, segundo os antigos romanos, que a atribuíam ao ar contaminado dos pântanos que circundavam Roma.  

Confesso não entender como os ianomâmis só tenham 24 anos de expectativa de vida e a malária seja a sua principal determinante.  

A palavra mais leve que posso atribuir a essa situação é genocídio, que está sendo praticado contra essas comunidades que, cada vez mais, têm diminuídas sua população e estão marcadas por esse descontrole sanitário.  

Sr. Presidente, a situação chega a um ponto que temos de recorrer ao Ministério da Saúde e, de modo especial, à Fundação Nacional de Saúde, que, ao longo dos anos, tem tido formalmente a responsabilidade institucional de enfrentar as grandes endemias no Brasil. De modo marcante, a esquistossomose no Nordeste; a doença de Chagas, no Sudeste e no Centro-Oeste; a malária, nas regiões Amazônica e Norte, e outras doenças comuns que ainda não foram consideradas, como hepatite, leischmaniose e outras grandes endemias que lá existem.  

A Fundação Nacional de Saúde tem um passado admirável. A É fantástica a história da antiga Sucam, que vem desde a incorporação de Osvaldo Cruz com os "guardinhas amarelos", vestidos para o combate sanitário às doenças que afligiam as populações rurais e urbanas. Lamentavelmente, a Fundação Nacional de Saúde, que, nos últimos vinte anos, tem sido vítima de decisões de ordem política, de ordem partidária, tornou-se um órgão totalmente ineficiente, totalmente incapaz de intervir com senso de prioridade e de responsabilidade em relação às grandes endemias.  

Esse indicador que a Funai apresenta, qual seja, de que a expectativa de vida dos ianomâmis é de vinte e quatro anos, retrata o desempenho da Fundação Nacional de Saúde e da Funai - que é uma confusão, pois até hoje não sabe ao certo quem é responsável pela saúde da população indígena. Saindo do assunto da população indígena, entro no da saúde do seringueiro amazônico, no da saúde das populações ribeirinhas da Região Amazônica, onde a situação é a mesma. É clara a ausência de ação preventiva, de ação de controle da endemias por parte da Fundação Nacional de Saúde. O resultado não poderia ser outro: seiscentos mil casos de malária por ano.  

Quem é da área de saúde tem conhecimento de causa e sabe que a existência da doença reflete a falência política, a falência pública do nosso País, pois é simples definir como prioridade o combate à malária, é simples e é possível determinar uma vigilância epidemiológica que identifique o foco da doença, ou seja, o lugar onde ela se apresenta na contaminação das pessoas, o meio ambiente que vincula... Trata-se de uma doença facilmente combatida se houver vigilância epidemiológica eficiente, senso de prioridade e senso de intervenção. Um anofelino vive quatorze, quinze dias, ou seja, tem uma vida limitada. O homem para transmitir a malária para outro homem precisa que um mosquito se contamine, pique um pessoa vulnerável para alimentar o ciclo. É uma doença cujas características de comportamento na transmissão são conhecidas. Portanto, a capacidade de intervenção das autoridades brasileiras é óbvia.  

Então, entendo que o problema é ordem política. Quando o Governo brasileiro quiser, quando o Governo determinar que a Fundação Nacional de Saúde controle a malária, será possível reduzir sua incidência a índices insignificantes. E isso não custa dinheiro.  

Como cidadão da Amazônia que trabalha em saúde pública na região, tenho testemunhado ao longo dos anos um apego que não compreendo. As autoridades locais da Fundação Nacional de Saúde, especialmente no Acre, manipulam números para agradar o Ministério da Saúde, trabalham numa justificativa aparente de controle da doença, demonstram obsessão por "diárias" para entrar nas áreas malarígenas, mas não buscam um resultado efetivo no controle da doença. Bastaria uma notificação e uma ação de equipe efetiva da Fundação Nacional.  

A Fundação Nacional de Saúde tem um exército de trabalhadores de altíssima qualidade. Bastaria, portanto, uma mudança na política verticalizada inspirada na Fundação SESP e no modelo americano de saúde, para esse exército de profissionais fazer uma revolução na saúde amazônica. Mas, infelizmente, a nossa realidade é outra: descontrole, insensibilidade, quando não ignorância em relação às endemias da Amazônia.  

O Sr. Moreira Mendes (PFL-RO) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Pois não, Excelência.  

O Sr. Moreira Mendes (PFL-RO) - Quero, primeiramente, parabenizar V. Exª pelos seus inúmeros pronunciamentos nesta Casa em defesa da nossa Região Amazônica, e sobretudo por seus posicionamentos tão bem abordados em relação à saúde pública. V. Exª seguramente está sabendo honrar os votos recebidos do povo acreano. Relativamente à malária na Amazônia, o meu Estado, Rondônia, acredito, é o mais afetado pela doença. A malária, naquela região, é realmente um caso gravíssimo de saúde pública. Em regiões como Ariquemes a incidência de malária é assustadora. Há quem diga que o nome da cidade não é Ariquemes e, sim, "Aritremes", pois a malária leva a um estado febril intenso, que faz com que a pessoa trema muito. Se efetivamente houvesse vontade política do Governo de erradicar a malária, bastaria uma injeção de recursos para acabar esse mal nefasto que atinge a nossa região. Penso até que o Governo gastaria muito menos do que gasta hoje com o doente hospitalizado, se investisse maciçamente na prevenção da malária. Quero, mais uma vez, com esta minha breve intervenção, parabenizar V. Exª pela postura e pela posição corajosa de enfrentar esse assunto e de denunciá-lo à Nação.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço as palavras do ilustre Senador Moreira Mendes, que também pertence à Região Amazônica, mais precisamente ao Estado de Rondônia.  

Acompanho o sofrimento dos migrantes do sul do País para aquela região. Para nós da Amazônia, a malária não causa tanto susto quanto para as pessoas do Centro-Sul e do Sudeste. Costumamos dizer que um cidadão migrante que, quando chegava à região era capaz de colocar 60 quilos de um produto agrícola nas costas para comercializar, após ter contraído a malária por dois anos, não tem condições de levantar nem 25 quilos, ficando uma pessoa marcada em conseqüência da malária. O impacto da malária não é apenas na saúde humana; é um impacto socio-econômico muito forte para cidadãos da Região.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Nobre Senador Tião Viana, sempre que V. Exª vem à tribuna é para elucidar-nos, trazer informações e estimular a nossa consciência, solidariedade e humanidade — muitas vezes anestesiadas pela brutalidade, pela doença e por todos esses condicionamentos negativos que pesam sobre nós. V. Exª, neste Dia Mundial da Saúde, mostra os dados da doença e da letalidade. Em vez de comemorarmos nesta data a saúde - Eros, estamos analisando principalmente Tanatus - a morte, que predomina infelizmente sobre a saúde. V. Exª, com muita propriedade, demonstrou que, nessa modernidade, o medievo, o arcaico, aquilo que já deveria ter ficado como um entulho ultrapassado da humanidade renasce como uma força avassaladora na sociedade brasileira. Diante de um dos dados trazidos por V. Exª, que é o da esperança de vida ao nascimento dos ianomâmis - de 24 anos apenas - relembro o livro

Brasil Potência , cujo autor foi, talvez por ter escrito essas coisas, levado a Ministro do Tribunal de Contas da União. Glycon de Paiva afirma nesse livro algo que me fez assustar diante da realidade: ele diz que o Brasil não pode ser potência dentro de uma só geração, porque a geração atual não pode ser educada, não pode ser treinada apenas nesse prazo. Então, "o formigueiro", diz ele, "a fauna brasileira tem de ser eliminada porque ela é um obstáculo ao Brasil Potência". Na hora em que li aquilo e outras formas fantásticas de raciocínio, passei a entender que essas taxas de mortalidade, esta coetaneidade do antigo, do medievo, a presença dessas doenças, dessas moléstias e essa mortalidade, por exemplo, que atinge os ianomâmis, tudo isto faz parte realmente do Brasil Potência, de acordo com Glycon de Paiva. É uma brutalidade fantástica que toma conta do sistema e que considera como prioridade o desenvolvimento, a estabilidade, a modernidade, o que só pode ser feito pelo massacre proposto pelo Sr. Glycon de Paiva. Diz ele que o formigueiro humano é barulhento no Brasil, e deve ser eliminado para que o Brasil seja potência, triste potência... De modo que, depois de 30 anos, ainda vejo que a obra proposta pelos desenvolvimentistas não foi cumprida totalmente, mas está em marcha e V. Exª é, sem dúvida, um dos soldados que procuram antepor-se a essa horda de destruidores da vida. Parabéns.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Muito obrigado, Senador Lauro Campos. Quando V. Exª faz um aparte, em verdade, apresenta uma tese, o que torna muito difícil acrescentar algo. Tenho somente a agradecer as palavras e a análise profunda que faz do desenvolvimento humano ao longo da nossa história.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Tião Viana?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte ao ilustre Senador Gilberto Mestrinho.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Senador Tião Viana, V. Exª, homem da região, médico idealista, vem prestando um grande serviço a nossa gente abordando temas que afetam diretamente a vida amazônica. A questão da malária é exatamente como V. Exª explicou. Digo isso com muita tranqüilidade porque, por duas vezes, fui vítima dela, embora ainda levante mais de 25kg. A verdade é que o agravamento da situação foi decorrência da mentalidade tecnocrata que existe no País com o pensamento voltado exclusivamente para os números financeiros sem olhar os números sociais. E desde a extinção daquele órgão, quase romântico, que havia na Amazônia, que ia nos barquinhos rio acima, rio abaixo, fazendo prevenção, combatendo o mosquito - a Sudam -, houve um recrudescimento da malária na região, e numa velocidade crescente. E pior: agora é o Plasmodium falciparum , muito mais perigoso, com conseqüências muito mais drásticas e que, efetivamente, causam problemas sérios para a continuidade do trabalho do homem, quando ele escapa da malária. A atual Fundação Nacional de Saúde na região até hoje não disse a que veio, apesar de o País ter feito vários financiamentos externos usando a Amazônia como moeda de troca, e esses financiamentos seriam sob a suposição, com a indicação de que seriam para combater a malária na Amazônia. E a malária cresce. Hoje, o Senador Moreira Mendes, de Rondônia, disse que a situação de Rondônia já foi terrível. Mas, no próprio Amazonas, tivemos, no ano passado, mais de cem mil casos de malária, numa região onde ela estava praticamente erradicada. Acredito que agora a nova direção da Fundação Nacional de Saúde, que vai ser realizada por um homem que viveu na região, que é um técnico, é um profissional competente, dará uma nova feição ao problema do combate às endemias, porque não se trata só da malária. Não conhecíamos a dengue, e hoje ela existe na Amazônia. A hepatite, hoje, é quase epidêmica. E tudo isso está acontecendo na região. Mas V. Exª falou também sobre a questão dos ianomâmis. V. Exª deve estar lembrado da quantidade fantástica de protetores que os ianomâmis, dentro e fora do País, tinham, quando queriam demarcar as suas terras e neutralizar as reservas minerais. Só que, depois de demarcadas as terras e engessadas as jazidas minerais da região, ninguém falou mais nos ianomâmis. Eles estão morrendo, como V. Exª diz. Nós, do Amazonas, já levamos rancho para eles, para que não morressem de fome. Mas isso aí acontece, embora se tenha conhecimento - e V. Exª pode aquilatar isso com os kaxinauás, no Acre, com os apurinãs - de que o ciclo vital do índio é diferente do nosso. O índio com 30, 40 anos, quando chega a essa idade, já é um velho. Então, ele tem uma debilidade orgânica muito grande, e qualquer mosquitinho o liquida. Efetivamente eles estão morrendo, estão acabando. E os protetores, muita gente que, inclusive, fez fortuna, usando ianomâmis, não se lembram mais deles. Era isso o que queria dizer a V. Exª. Parabéns pelo seu pronunciamento.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço ao ilustre Senador Gilberto Mestrinho, que acompanha a história da Amazônia, há tantos anos, e as decisões que se têm tomado a respeito. Também divido essa esperança de que o novo dirigente da Fundação Nacional de Saúde tenha a sensibilidade necessária e entenda que nós, da Amazônia, precisamos de uma clara política regional de saúde, que alcance resultados condizentes com a dignidade humana.  

O Sr. Carlos Patrocínio (PFL-TO) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Ouço com prazer o Senador Carlos Patrocínio.  

O Sr. Carlos Patrocínio (PFL-TO) - Eminente Senador Tião Viana, gostaria de incorporar algumas palavras ao pronunciamento de V. Exª. Parece-me ser V. Exª a pessoa indicada para falar neste dia em que se comemora o Dia Mundial da Saúde. V. Exª é médico militante na Região Norte do nosso País e exerce um verdadeiro sacerdócio, tendo em vista as endemias e a falta de recursos materiais, sobretudo, e às vezes até humano, para enfrentá-las. Muito já se conseguiu avançar. Temos melhorado o índice de natalidade; já implantamos, com a chancela do Congresso Nacional, o Programa de Planejamento Familiar em nosso País; falta ainda implantar o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, que já existe, mas por enquanto ainda está no papel, funcionando apenas em alguns Estados. Já temos uma cobertura vacinal considerada boa para aqueles casos antivírus da pólio, contra o sarampo, e a varíola está praticamente erradicada. Entretanto, ainda estamos muito longe de atingir o ideal. Sabemos, por exemplo, que a tuberculose e a lepra começam a recrudescer e estão com uma prevalência muito grande no território nacional. A cólera está grassando nos Estados mais desenvolvidos do País, causando uma grande preocupação, já que muitas vezes leva ao óbito. Temos, eminente Senador, ainda aquela preocupação a respeito da qual falávamos quando aqui chegamos há mais de dez anos. O Sistema Único de Saúde não vem remunerando seus profissionais nem os serviços prestados convenientemente, facilitando a fraude, que vemos campeada no País. É necessário que o Ministério da Saúde tome providências urgentes no sentido de remunerar convenientemente o profissional e os serviços destinados à saúde. Existem alguns avanços, mas ainda falta muito para que possamos dotar a população da assistência médica de que necessita, conforme consagra a Constituição do País. Agradeço a V. Exª pela oportunidade.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Muito obrigado, Senador Carlos Patrocínio. Concordo com V. Exª: o Brasil de hoje não é o mesmo de 1940. Conquistas foram estabelecidas e concretizadas, mas acredito que o que temos que discutir, nós, da área da saúde, como é o caso de V. Exª, é que tudo o que pode ser feito e não for feito tem que ser denunciado. Não custa muito mudar a realidade da saúde no Brasil e colocá-lo em um cenário de orgulho no plano internacional. É esse dado que também compartilho com V. Exª.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT-RJ) - Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT-RJ) - Senador Tião Viana, desde que assumiu no Senado, V. Exª tem se pronunciado com freqüência, demonstrando preocupação com a questão da saúde da Amazônia e de todo o povo brasileiro. V. Exª, como um profissional competente e comprometido com a situação do nosso povo, tem feito pronunciamentos importantes alertando o Senado e a sociedade para o grave problema da saúde no Brasil. Sou de um Estado da Região Sudeste cuja situação da saúde da população não é muito diferente da Região Amazônica. No Estado do Rio de Janeiro, há freqüentes surtos de hepatite, de dengue e de tuberculose, que vêm aumentando gradativamente no Brasil. A cada ano, 90 mil novos casos de tuberculose aparecem no País, com cerca de cinco mil mortes, o que é muito grave. No Paraná, Estado da Região Sul, tem aparecido casos de cólera. O recrudescimento do cólera no Brasil é muito grave também. V. Exª terá muitos aliados no Senado para essa luta. Não estará sozinho, com certeza. Parabenizo V. Exª por essa iniciativa e por sua atuação. Conte conosco nessa campanha. Muito obrigado.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço ao ilustre Senador que divide a responsabilidade de lutar pelo povo brasileiro e faço minhas as suas palavras.  

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT-AP) - Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT-AP) - Eminente Senador Tião Viana, aproveito a presença de V. Exª na tribuna para congratular-me com seu desempenho nesta Casa. V. Exª, cada dia, vem demonstrando conhecimento de causa, desenvolvendo uma atuação parlamentar que seguramente irá contribuir nas questões sociais, em especial relacionadas à saúde, haja vista ser V. Exª médico, e em outras importantes, como a ambiental e econômica do nosso País. Saúdo V. Exª. Pela primeira vez aparteando-o, registro o meu contentamento por tê-lo como Colega no Senado e pelo seu brilhantismo. Congratulo-me com V. Exª e com todos os servidores da saúde que atuam por este Brasil afora, no interior, nas cidades, minimizando as dores e os sofrimentos do nosso povo brasileiro. Reconheço que o atual Ministro José Serra e seus antecedentes – Adib Jatene e César Albuquerque – são homens de bem, com boas intenções relacionadas à saúde. Esses Ministros realmente demonstraram vontade política, um dos pilares de sustentação que podem levar ao êxito uma política de saúde pública no nosso País. Logicamente, conhecemos as dificuldades econômicas que acabam prejudicando o setor social. Parte dos recursos recolhidos pela CPMF, por exemplo, que seriam destinados à saúde serviram apenas para suprir as necessidades de caixa do Tesouro. Os recursos foram substituídos: entraram os referentes à CPMF, e os que já eram previstos para a saúde foram destinados a outros fins. Nas questões urbanas, como no caso dos planos de saúde e da reforma psiquiátrica, o Ministério teve uma atuação fundamental em defesa dos usuários daqueles planos e das pessoas portadoras de transtornos mentais. Atuou também de maneira importante no problema da falsificação de medicamentos e na questão dos hemoderivados – inclusive, há uma legislação nova em vigor. Propomos também que o Ministro José Serra seja ouvido com relação à questão. Nessas áreas, o Ministério tem atuado com êxito, dentro das suas limitações de recursos. As endemias que atingem zonas urbanas, mas que predominam nas áreas rurais, como a malária, também devem ser tratadas. Em 1995, fui vítima de malária e quase fui a óbito. A tuberculose e a hanseníase vêm recrudescendo. Quanto às doenças infecto-contagiosas e ao câncer, o Ministério da Saúde tem de adotar uma política mais rigorosa. No meu Estado, por exemplo, há muita deficiência ainda na prevenção do câncer do colo uterino, que já não existe mais nos Estados Unidos e na Europa, por se tratar de uma doença totalmente possível de prevenir. Na área de saúde pública voltada para o atendimento em massa da população e relativa à prevenção, o Ministério deixa muito a desejar. No que se refere à imunização, o Ministério tem atuado relativamente bem, mas há muito a ser feito. A Funasa – Fundação Nacional de Saúde – é o "calcanhar de Aquiles" do Ministério pelas dificuldades em resolver problemas básicos na área das endemias e pela questão política. É difícil uma articulação política da Funasa com os Municípios e com os Estados. É necessário despolitizar a Fundação Nacional de Saúde nos Estados para que haja êxito no enfrentamento das doenças para as quais a Funasa é fundamental. Parabenizo V. Exª por discutir esse tema na tarde de hoje e pelo seu desempenho nesta Casa.

 

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço ao ilustre Senador Sebastião Rocha e incorporo suas palavras ao meu discurso.  

Sr. Presidente, nosso País deve levar em conta favoráveis exemplos históricos. A Itália, até os anos 40, possuía problemas com a malária. Tomou a decisão de investir na qualidade de vida e erradicou-a de seu território. Cuba possuía cem mil casos de malária por ano na década de 60, assim como a República Dominicana. Atualmente, Cuba investe US$20,00 per capita em saúde. O Governo brasileiro investe quase US$200,00. Cuba erradicou a malária de seu território, e a República Dominicana continua registrando cem mil casos.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós, profissionais de saúde, no Dia Mundial da Saúde, temos de ser considerados salvadores de vidas, pessoas que voltam do trabalho conscientes de que ajudaram a salvar muitas vidas e de que fizeram tudo o que estava ao alcance das condições de trabalho. Não devemos ser tratados como aqueles que testemunham os indicadores do sofrimento humano em um setor que poderia obter outros resultados e que depende das políticas públicas.  

Apesar da gravidade da malária, que mata dois milhões de crianças ao ano, a doença mais indesejada é a fome, que mata 35 mil crianças por dia. Ferreira Gullar retrata muito bem a fome em suas poesias, dizendo que os que morrem de febre, de esquistossomose, de verminose, de crupe – coitados – morrem de fato de fome, mesmo que a chamemos de febre ou de qualquer outro nome.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/1999 - Página 7582