Discurso no Senado Federal

CONTRIBUIÇÃO DO MINISTRO FONTES DE ALENCAR, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NA ELABORAÇÃO DE ESTUDOS DIVULGADOS NOS NUMEROS 4 E 5 DA REVISTA DO CENTRO DE ESTUDOS JURIDICOS, DE BRASILIA, SOBRE PROCESSUALISTICA.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • CONTRIBUIÇÃO DO MINISTRO FONTES DE ALENCAR, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NA ELABORAÇÃO DE ESTUDOS DIVULGADOS NOS NUMEROS 4 E 5 DA REVISTA DO CENTRO DE ESTUDOS JURIDICOS, DE BRASILIA, SOBRE PROCESSUALISTICA.
Publicação
Publicação no DSF de 13/04/1999 - Página 7915
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ESTUDO, AUTORIA, FONTES DE ALENCAR, MINISTRO, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), PUBLICAÇÃO, PERIODICO, REVISTA DO CENTRO DE ESTUDOS JURIDICOS, DISTRITO FEDERAL (DF), ASSUNTO, DIREITO, MATERIA PROCESSUAL, ESPECIFICAÇÃO, PACTO, FEDERAÇÃO, JUIZADO ESPECIAL DE PEQUENAS CAUSAS.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em dois percucientes e brilhantes estudos divulgados nos números 4 e 5 da Revista do Centro de Estudos Jurídicos , desta Capital, o Ministro Fontes de Alencar, do Superior Tribunal de Justiça - STJ, oferece inestimável contribuição a quantos, dos bancos acadêmicos à vida profissional, cultuam permanentemente a ciência do Direito.  

O Ministro - nordestino como V. Exª, Sr. Presidente -, que alcançou o alto cargo de Diretor do Centro de e Estudos Judiciários, além de Coordenador-Geral da Justiça Federal, aborda, com peculiar propriedade, temas de relevante interesse da complexa área da processualística, na qual se incluem questões relacionadas "aos procedimentos em matéria processual,: procedimentos estaduais em matéria processual e os feitos da competência da Justiça Federal: à Lei Magna, aos Juizados de Pequenas Causas e Juizados Especiais Cíveis e Criminais", e ao Processo e Direito Processual.  

No primeiro caso, o autor, reportando-se ao depoimento da história pátria, adverte que certas pessoas expressam-se sobre os problemas nacionais, vislumbrando o Brasil como "Um Estado Unitário, ou a Federação brasileira mero desenho arquitetural e sem cor do nosso Estado." Falam ou escrevem sem oferecer contribuição que os solucionem ou amenizem. Ao revés, "mais os enevoam".  

Sr. Presidente, sei que esta é uma matéria árida para um discurso num plenário político, mas é exatamente por isto que quero fazê-lo: para dar uma contribuição de que nesta Casa não apenas pode ser levado o chamado blablablá, mas que se traz uma contribuição tão forte que eu corro o risco de expor essa matéria árida; porém, ao final, com a consciência tranqüila de que vale a pena trazê-lo ao conhecimento do Senado Federal.  

O eminente Ministro Fontes de Alencar, recorrendo a Felisbelo Freire, tido como o "historiador da nossa democracia", o defensor da idéia republicana, antecedendo a vitória do 15 de novembro, o parlamentar, Presidente de Sergipe, Ministro da Fazenda e da Relações Exteriores e criador de obras indispensáveis ao pleno entendimento da República Federativa, dele transcreve o seguinte apontamento, constante de sua "História Constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil", recentemente reeditada pela Universidade de Brasília:  

"A dissolução da Constituinte, inspirada na vaidade pessoal do soberano, irritou os ânimos dos patriotas e despertou então nas províncias os desejos de autonomia local, desligando-se elas da jurisdição imperialista, cujo início fora selado com um crime de Estado." Tal sentimento dominaria todo o País, especialmente na região Norte, sede de tentativas de independência que produziram "vítimas e heróis", gerando a aspiração federalista".  

Adiante, a obra referenciada confirma que, de "1824 a 1840, a idéia republicana chegou a assumir a forma de aspiração federalista", inspirando a elaboração do Direito Constitucional, quase sobre os mesmos princípios da Constituição promulgada pela Constituinte de 15 de novembro de 1890". A convalidar essa interpretação, chegaram ao conhecimento geral "os votos de Caneca na Câmara Municipal do Recife e o projeto da Constituição da República do Piratinin ". 

Observa-se que, "nessas tentativas de elaboração do Direito", surgem claramente delineados "os princípios da Federação, da divisão e separação dos poderes, do presidencialismo e da igualdade dos dois ramos do Poder Legislativo, os mesmos que embasariam a Constituição Republicana de 1890". Paralela à idéia republicana, chegar-se-ia "à conquista da Federação", como provam os exemplos "da Confederação do Equador e a Revolução de 1835 no Rio Grande do Sul", demonstrativos da "reação dos interesses locais em favor de sua autonomia e de sua liberdade".  

Em 1831, por sinal, a Câmara dos Deputados "pretendeu fosse o Império do Brasil uma monarquia federativa", proposta afinal bloqueada pelo Senado. Tavares Bastos, em seus estudos sobre a "Descentralização no Brasil", de 1870, convencia-se de que ela não a limitava a uma questão administrativa, porquanto constituía "o fundamento e a condição de êxito de quaisquer reformas políticas".  

Para ele, o sistema federal seria "a base sólida de instituições democráticas". Antecipando em duas décadas o que seria a organização das justiças na República Federativa, sentenciou que "dividir um poder que os publicistas europeus reputam indivisível é a mais eloqüente homenagem à descentralização, suprema necessidade dos vastos Estados do Novo Mundo, condição de vida e de liberdade".  

É relevante consignar que, à luz da história, não foi "a República resultado da insatisfação episódica de militares", uma vez que feita pelo povo que "fizera a Abolição". Proclamada pelo Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, a República Federativa, nos termos do artigo inicial da Constituição de 1891, adotava o regime representativo como forma de governo. Assim, na visão de João Barbalho, o povo brasileiro, em sua soberania, organizou o regime político, "dividindo o anterior Estado Unitário do Brasil em Estados particulares".  

Por isso, a Pioneira Carta, ao definir as atribuições no Congresso Nacional, concedeu-lhe a competência para legislar privativamente sobre Direito Processual da Justiça Federal, significando que, para tanto, excluía os poderes estaduais. Segundo Barbalho, a Constituição, dessa forma expressando-se, quis dizer que tais assuntos "são de competência dos Poderes da União, sem neles admitir-se a interferência dos poderes locais".  

Aos Estados era facultado "todo e qualquer poder, ou direito que lhes não for negado por cláusula expressa ou implicitamente contida nas cláusulas expressas da Constituição", de sorte a poderem legislar sobre Direito Processual Civil e Penal. Para Barbalho, aí se encontra a chave mestra da Federação, a "regra áurea da justificação das competências"  

Cito Barbalho, Sr. Presidente, porque, sem dúvida nenhuma, quem percorre os bancos escolares sabe que dele resulta o que há de mais preciso, de mais orientador nos comentários a nossa Constituição.  

*"A República e a Federação já venceram a centúria", prossegue o Ministro Fontes de Alencar: " Hodiernamente, a relação entre a Lei Maior e o Processo é lembrada por vários publicistas, uma vez que "o texto fundamental traça as linhas essenciais do sistema processual consagrado pelo Estado", ou seja, a Constituição, determinando alguns dos institutos básicos do processo, guarda com ele nítidas ligações.  

No entanto, "o panorama do direito legislado não guardou a nitidez que seria desejada", conforme bem observado por José Henrique Pierangelli. "A União, diretamente e por portas travessas, legislava sobre Direito Processual Penal". A unificação do Direito Processual republicano ocorreria "no período autoritário do Estado Novo", no cível pelo Código de Processo Civil, de 1939, e pelo Código de Processo Penal, de 1941.  

"Vozes autorizadas louvaram a reunificação do Direito Processual", vista pelo pensamento liberal de Tavares Bastos como a "funesta simetria nas leis de um país vastíssimo", pois com a "centralização se cria um país oficial diferente do país real em sentimentos, em opiniões, interesses".  

Perguntava então se "a simetria das leis de polícia e de organização policial, tão opressoras para a liberdade individual, não agrava os seus inconvenientes ao menos nas grandes povoações e nos municípios mais moralizados?"  

No seu entender, não haveria interesse maior para o indivíduo, a paróquia e o município do que a segurança de vida e propriedade, "do que a prevenção do crime e a sua repressão". A sociedade e a Nação inteiras não seriam mais interessadas "na boa polícia do que cada uma das pequenas esferas locais que constituem esse todo". Os acontecimentos que ditaram a Constituição de 1946, porém, mantiveram para a União a competência legiferante sobre Direito Processual.  

Em seqüência, a Carta de 1967, a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, e a Constituição de 1988 seguiram na mesma direção, salvo quanto a essa última (a Constituição de 1988) no aspecto das competências concorrentes, ao dispor sobre a prerrogativa de a União, os Estados e o Distrito Federal legislarem sobre "procedimentos em matéria processual, circunscrita a da União ao estabelecimento de normas gerais, sem excluir a de os Estados exercerem a competência suplementar".  

Isso, Sr. Presidente, foi feito porque se fala muito na autonomia dos Estados. E fica apenas como um espectro à distância, sem deixar que nós, que somos representantes dos Estados, possamos exercer essa competência suplementar e fiquemos apenas na obediência, de joelhos, à União. A Constituição de 88 previu isso.  

E assim, sempre que — chamo a atenção de V. Exªs — inexistir "lei federal sobre normas gerais", os Estados, no interesse de suas peculiaridades, poderão exercer "a competência legislativa plena". Contudo, sobrevindo lei federal sobre normas gerais, resta suspensa a eficácia de lei estadual "no que lhe for contrária". Portanto, o legislador Constituinte de 88, sem regressar ao "sistema da aurora republicana", concedeu aos Estados, ao Distrito Federal e à União "a competência legislativa concorrente no respeitante aos procedimentos em matéria processual", limitada a da última à fixação de normas gerais.  

O Código de Processo Penal, de 1941, passadas mais de cinco décadas, "sobrevive em nossos dias", sem embargo de que um grupo de renomados juristas tenha sido encarregado de "elaborar propostas de alterações pontuais no seu texto". O Código de Processo Civil de 1939 foi substituído pelo de 1973, que, por fim, recebeu recentes modificações, enquanto no Ministério da Justiça pretende-se também um novo Código de Processo Penal, que, definitivamente, deve respeitar o comando constitucional de se limitar ao Direito Processual.  

Em conclusão, o Ministro Fontes de Alencar, que, por ser oriundo do Nordeste, conhece as dificuldades da região - como nós, do Norte - confrontado com o número extravagante de processos em tramitação, sustenta a tese de que, quando a tecnologia posta à disposição do homem permite que se pense na intimação dos atos processuais por meios eletrônicos, e o Direito virtual vai ocupando a atenção de cientistas da área jurídica, não é sequer imaginável que a lei, extraviando-se, procure impor ao Distrito Federal e aos Estados, errada e desnecessariamente, uniformidade de procedimentos em matéria processual.

 

A seguir, em novo estudo, recorda que "a Justiça Federal foi organizada ainda no rosicler republicano, antes mesmo da instalação do Congresso Constituinte de 1890". Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório, promoveu a sua estruturação, enquanto Campos Salles, Ministro da Justiça, formulava a correspondente exposição de motivos, demonstrando que o Judiciário, "de poder subordinado, qual era, transformava-se em poder soberano", de modo a manter "o equilíbrio, a regularidade e a própria independência dos outros poderes, assegurando ao mesmo tempo o livre exercício dos direitos do cidadão."  

Estando em vigência o Decreto nº 848, na data de 23 de outubro daquele ano, o Governo Provisório da República resolveu alterar o teor da Constituição publicada, em 1890, por via do Decreto 914-A, para o fim de consignar, no art. 54, que "o Poder Judiciário da União terá por órgãos um Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República, e tantos juízes e tribunais federais, distribuídos pelo País, quantos o Congresso criar."  

Tratava-se da competência do Supremo Tribunal Federal e dos juízes ou tribunais federais, prevendo "recurso, de curto espectro de cabimento, que depois seria denominado recurso extraordinário, das sentenças da Justiça dos Estados, em última instância." A Constituição de 1891 manteve, em essência, o que no texto de 1890 se achava prescrito, embora suscitasse controvérsia entre as tendências da unidade e da dualidade do Poder Judiciário.  

A Emenda de 1926 – estou me acercando do final deste pronunciamento, Sr. Presidente – manteve na Lei Fundamental o contido no segundo parágrafo do art. 60, prevendo que, "nos casos em que houver de aplicar leis dos Estados, a Justiça Federal consultará a Jurisprudência dos Tribunais locais e, vice-versa, as Justiças dos Estados consultarão a Jurisprudência dos Tribunais Federais, quando houverem de interpretar leis da União." Assim, desde os primórdios do "Estado Federal brasílico" e até que fosse extinta a Justiça Federal pelo Estado Novo, ambas as justiças prestaram relevantes serviços ao País.  

Desde a Constituição de 1934, passando pela de 1967, e até a Emenda n.º 1, de 1969, "a competência para legislar privativamente sobre Direito Processual ficou com a União", dilatada a sua "idoneidade para legiferar na matéria". Hoje, sob a égide da Constituição de 88, é diverso o quadro. Os preceitos dos Estados e do Distrito Federal no referente a procedimentos em matéria processual têm amplo alcance, subordinando-se os feitos da competência da Justiça Federal aos procedimentos que eles fixarem – e aí sim, Sr. Presidente –, observado o princípio da territorialidade.  

Quando se refere à Carta de 88, aos Juizados de Pequenas Causas, Juizados Especiais Cíveis e Criminais, ao Processo e ao Direito Processual, o Ministro Fontes de Alencar esclarece que podem as unidades federadas, "atendidas, obviamente, as normas gerais sobre procedimento em matéria processual impostas pela União", estabelecer o procedimento relacionado às causas sujeitas aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.  

Digo isso, Sr. Presidente, porque em alguns Estados, inclusive no meu, já começam a surtir efeito os Juizados de Pequenas Causas. E agora mesmo, no Senado Federal, foi criada a Justiça Federal de Pequenas Causas a fim de mostrar que as Unidades Federadas podem estabelecer normas gerais sobre procedimento em matéria processual. E, com isso, faz-se uma justiça célere, econômica, a mostrar caminhos e indicar soluções.  

Os Juizados de Pequenas Causas, previstos pela Constituição vigente, subordinam-se à competência concorrente – alerto para o termo – da União, dos Estados Federados e do Distrito Federal. Esses juizados, segundo alguns autores, guardam identidade com os Juizados previstos no Código Fundamental da República, de que trata a Lei nº 1099, de 1995, que os denominam de Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Citando Celso Ribeiro Bastos, diz ele que em tal assunto "os Estados, o Distrito Federal e a União podem cuidar, concorrentemente, de tudo": da criação, do funcionamento e do próprio processo, que, atendendo às circunstâncias locais, mostre-se "mais adequado para que as pequenas causas sejam julgadas em rito simplificado e não necessariamente por juízes togados".  

No que se refere ao Processo e ao Direito Processual, finalmente, reafirma o entendimento de que a competência concorrente, de que trata a Constituição no artigo 24, não alcança o Direito Processual. Pois, concedendo à União "competência plena e exclusiva para legislar sobre Direito Processual", não iria o Constituinte, logo depois, diminuí-la" — o que é óbvio, Sr. Presidente —. "Quando se trata de competência concorrente, "o poder legiferante da União estaria reduzido a normas gerais do processo, o que evidentemente não se harmoniza com a arquitetura constitucional adotada em 1988".  

Em resumo, o Ministro Fontes de Alencar, de início, analisa o Direito Processual numa perspectiva histórica, a partir do alvorecer republicano, passando por momentos políticos de alta importância, até chegar à fase da promulgação da Constituição de 1988 e dos trabalhos atuais que intentam aprimorar a complexa matéria processual, de que é exemplo o anteprojeto de um novo Código de Processo Penal, sem desprezar, para tanto, os modernos recursos tecnológicos que assegurem a sempre desejada celeridade processual.  

Depois, mediante a comparação das Cartas nacionais, dedica-se a analisar os dispositivos referentes à competência de a União legislar sobre o Direito Processual, elaborando esclarecedor paralelo histórico. Avança no exame do método segundo o qual a Constituição de 88 admite a concorrência da União, dos Estados e do Distrito Federal — mais uma vez chamo atenção — para legislar acerca dos Juizados de Pequenas Causas e dos Juizados Cíveis e Criminais, distintamente considerados.  

Estou concluindo, Sr. Presidente, este pronunciamento e quero nele sintetizar que as manifestações do Ministro Fontes de Alencar, como os aqui brevemente comentados, apontam a atuação histórica do Legislativo — este Poder que é tão desprezado, não reconhecido, às vezes até maltratado com críticas injustas —, ademais representando contribuição esclarecedora de temas fundamentais do Direito brasileiro.  

Ao favorecer a sua inteira compreensão, merecem ser inseridos nos Anais do Parlamento, porquanto inquestionáveis, visto que já se inscrevem no seleto elenco das lições definitivas.  

Para tanto, junto ao presente, fotocópias dos estudos mencionados no início deste pronunciamento e peço a V. Exª que determine sua inserção nos Anais da Casa.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/04/1999 - Página 7915