Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI DO SENADO 216, DE 1999, DE SUA AUTORIA, QUE PROIBE POR CINCO ANOS O PLANTIO E COMERCIALIZAÇÃO DE ALIMENTOS CONTENDO ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI DO SENADO 216, DE 1999, DE SUA AUTORIA, QUE PROIBE POR CINCO ANOS O PLANTIO E COMERCIALIZAÇÃO DE ALIMENTOS CONTENDO ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 13/04/1999 - Página 7954
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PRAZO, PROIBIÇÃO, CULTIVO, COMERCIALIZAÇÃO, ALIMENTOS, ALTERAÇÃO, GENETICA.
  • NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, CIENTISTA, GOVERNO, EMPRESARIO, DESENVOLVIMENTO, SEMENTE, ALTERAÇÃO, GENETICA.
  • APREENSÃO, RISCOS, SAUDE, HOMEM, MEIO AMBIENTE, ALTERAÇÃO, GENETICA, VEGETAIS.
  • COMENTARIO, OPOSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AGRICULTURA, ALTERAÇÃO, GENETICA, REGISTRO, SITUAÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL, SETOR.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto à tribuna para tratar de um projeto que apresentei na semana passada, pelo qual se proíbe por cinco anos o plantio e a comercialização de alimentos contendo Organismos Geneticamente Modificados - os famosos OGMs, ou derivados dos Organismos Geneticamente modificados, em todo o Território Nacional.  

Trata-se de um projeto polêmico pela discussão que coloca para a sociedade, principalmente no Congresso Nacional, envolvendo a comunidade científica, o próprio Governo e o setor empresarial, notadamente no que se refere à produção de soja.  

O projeto propõe uma moratória para a utilização dos Organismos Geneticamente Modificados pelo prazo de cinco anos. Em 1997, apresentei um projeto semelhante, instituindo um prazo de dois anos. Mas considerei insuficiente esse período; e algumas observações que foram feitas, principalmente por parte da comunidade científica, fizeram-me retirar o projeto, que reapresentei na semana passada.  

Quero dizer, Sr. Presidente, que essa discussão – como já havia citado anteriormente –será feita de forma aberta, sem nenhum tipo de xenofobia. Não quero me colocar como a dona da verdade. Sei que está sendo proposto pelo Senador Leomar Quintanilha um seminário para debater a questão. Eu mesma levarei a sugestão, na Comissão de Mérito que analisará o projeto, de que se institua uma série de audiências públicas para o debate da matéria, para que, a partir daí, possamos chegar a um texto satisfatório às necessidades do País.  

O primeiro artigo do projeto dispõe: "Fica proibido em todo o território nacional o cultivo de Organismos Geneticamente Modificados, bem como a importação, a exportação e a comercialização para o consumo humano e animal de alimentos contendo OGM ou derivados de OGM por um período de cinco anos a contar da vigência desta lei".  

Parágrafo primeiro: "Adotam-se, para os fins desta lei, as definições contidas na Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995".  

Parágrafo segundo: "A proibição de que trata o caput deste artigo não abrange o cultivo experimental de Organismos Geneticamente Modificados para fins de avaliação e de biossegurança".  

Que fique bem claro que no caso de pesquisa experimental não haverá proibição. A moratória visa a que adotemos um procedimento fundamentado em pesquisas científicas que nos dêem a segurança de que esses produtos não causem problemas nem à saúde nem ao meio ambiente ou à biodiversidade como um todo.  

No § 3º: "O cultivo experimental só poderá ser realizado por entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de Organismos Geneticamente Modificados que tenham instituído a Comissão Interna de Biossegurança, de que trata o art. 9º da Lei nº 8.974, de 1995, e estiver de posse de certificado de qualidade de biossegurança, previsto no art. 3º da Lei nº 8.974, de 1995, referente à entidade e à instalação ou área física onde o cultivo experimental será realizado."  

Art. 2º: "Sem prejuízo das sanções previstas na Lei nº 8.974, de 1995, a inobservância da proibição imposta no art. 1º desta lei acarretará: 1 - em interdição imediata da atividade; 2 - em apreensão e destruição dos produtos cultivados importados ou comercializados."  

A lei, Sr. Presidente, é bastante rigorosa no caso de descumprimento do que aqui será instituído, se aprovada, mas, ao mesmo tempo, estaremos dando condições para que, a partir do veredicto que for dado após esses cinco anos, agirmos com uma certa segurança.  

Portanto, quando apresentamos esse projeto, inicialmente o desejo era de instituirmos o debate. Hoje, além desse desejo, existem algumas questões que precisam ser mais bem esclarecidas, como, por exemplo: não sabemos quais serão as conseqüências das modificações genéticas que estão sendo feitas em algumas plantas, em algumas variedades, como, por exemplo, a soja. Temos a informação de que uma tentativa feita com a castanha-do-pará produz um alergênio altamente potente e que a medicina não saberia como combatê-lo. Também temos informações científicas: os ecossistemas alterados por essas plantas geneticamente modificadas acabam sendo submetidas a um processo de esterilização de algumas espécies, bem como do surgimento de várias espécies consideradas ervas daninhas. Não temos qualquer tipo de controle em relação a essas novas espécies. Ainda por cima, Sr. Presidente, temos um impedimento de ordem comercial, que é o fato de o Mercado Comum Europeu estar fazendo uma série de críticas aos organismos geneticamente modificados por compreenderem que isso poderá causar algum tipo de prejuízo à saúde dos usuários dessas sementes transgênicas. E até mesmo porque, muito embora não sejam de utilização direta, elas serão de utilização indireta, a partir da alimentação de animais — seja de pequeno ou de grande porte, como é o caso de bovinos —, e isso poderá acarretar algum tipo de prejuízo à saúde.  

Há um outro aspecto a que poderíamos aqui fazer menção. A CTNBio, responsável pela liberação desses organismos geneticamente modificados, do meu ponto de vista, teve uma ação bastante rápida no que se refere à sua liberação, e compreendemos que a CTNBio não tem o devido acúmulo para fazer essa liberação, o que estaria, de certa forma, levando a um determinado risco essa posição, no mínimo apressada, de uma Comissão que poderia estar embasada, devidamente fulcrada em critérios científicos, para evitar qualquer tipo de dano ou revisão posterior, caso seja comprovado qualquer tipo de dano à saúde pública ou ao meio ambiente.  

Há uma série de pesquisadores que apontam esses riscos e não são apenas manifestações de organizações não-governamentais ou de pessoas alegando questões de ordem ética e religiosa, embora isso também aconteça. Mas, fundamentalmente, existem observações de caráter científico que devem ser consideradas num processo como este, porque tivemos aqui uma Lei de Patentes que foi aprovada e estamos debatendo a Lei de Regulamentação da Convenção da Biodiversidade. Ao menos na Lei de Patentes, estamos procurando instituir algumas formas de preservar a vida, principalmente não permitindo a patente da vida na Lei da Biodiversidade. Procuramos evitar ao máximo a biopirataria e, no caso dos organismos geneticamente modificados, há agora uma pressão no sentido de que o Brasil passe a aderir uma Convenção que se denomina a Convenção da Upov e, por meio desta Convenção, com certeza estaríamos facilitando a vida dos biopiratas.  

Todas as observações que faço são para abrir o debate. A Convenção da Upov, que está tramitando no Congresso Nacional e cujo Relator é o Senador Tião Viana, possui como signatários apenas 5 países, ao passo que a Convenção da Biodiversidade, em apenas 5 anos, já possui mais de 140 países signatários. Se pouquíssimos países aderiram a uma convenção que já existe há mais de 30 anos é porque esta possui algo de errado. É fundamental que tenhamos um maior cuidado com a tramitação, aqui no Congresso, porque a Convenção também facilitará a vida dos organismos geneticamente modificados, o que é motivo de críticas por parte de muitos cientistas respeitados e de pessoas ligadas ao mundo do comércio.  

Recentemente, cientistas que integram o Painel de Desenvolvimento Sustentado da Grã-Bretanha pediram, em seu relatório anual, a moratória do comércio dos transgênicos até que se ampliem as pesquisas. Alguém poderia pensar que assim estaríamos atendendo às pressões de organismos internacionais. Não se trata de atender a pressões, mas de termos a clareza de que o que não é bom para eles pode também não ser bom para países em desenvolvimento. Se estabeleceram barreiras comerciais a partir de argumentos ambientais, isso também tem que ser avaliado. Caso contrário, poderemos estar criando um situação que, no futuro, nos causará enormes prejuízos sob o ponto de vista econômico.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - V. Exª me concede um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Concedo a aparte ao Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Senadora Marina, gostaria de dizer da minha admiração pelo assunto que V. Exª aborda porque é parte de uma visão de futuro da mais profunda responsabilidade com a saúde das populações, da pessoa humana e que se confronta, na verdade, com a pressa e com uma vontade muito grande de alguns setores da ciência que utilizam o conhecimento científico e o colocam, muitas vezes, sem muito critério nas mãos daqueles que buscam o lucro muito fácil e muito rápido. A grande crise deste planeta no que diz respeito à alimentação humana é a distribuição. Não é uma crise de qualidade de produtos, da composição e do arcabouço genético que envolve cada alimento. Essa abordagem dos organismos transgenicamente modificados envolve uma questão da mais profunda reflexão da sociedade. Penso que nosso País está caminhando ainda de modo muito incipiente, diria até que sem qualificação e profundidade sobre esse assunto, e lamento profundamente ter a expectativa de que as conseqüências virão em trajetória longitudinal, sendo muito demorado prevermos as conseqüências dessa modificação intensa, que, às vezes, tem ocorrido em relação a alimentos e a produtos que vão dizer respeito à saúde humana. Devemos ter a mais alta responsabilidade de determinar que o Governo Federal estabeleça, especialmente nos órgãos competentes, uma política de reflexão científica de grande divisão de responsabilidade com os outros setores para que se caminhe da maneira mais madura e conseqüente possível na liberação dessa discussão e desse modelo de ação científica, no campo da produção. Penso que a situação é mais ampla do que parece. V. Exª traz um assunto que, acredito, todos os setores representativos do pensamento científico nacional e dos Ministérios que estão ligados à saúde humana, de uma maneira ou outra, e ao desenvolvimento humano deveriam refletir profundamente. Então, quero apenas dividir a minha preocupação e a minha admiração pelo pronunciamento de V. Exª.

 

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço, Senador Tião Viana, e incorporo o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento.  

Gostaria apenas de elencar alguns riscos que já são colocados como admoestações por parte da comunidade científica:  

Poderá haver uma transferência de genes. Também poderá acontecer o desaparecimento de espécies silvestres a partir desses organismos geneticamente modificados, que, por um processo de polinização, levariam a uma alteração dos ecossistemas dos quais fariam parte.  

Poderá ocorrer a erosão genética dos sistemas agrícolas. Todos sabemos que o processo de melhoramento de sementes poderá levar à erosão genética dessas espécies. Se se fizerem melhoramentos sobre melhoramentos, sem que haja um banco de germoplasma que garanta a originalidade, a ontologia daquela semente, poderemos ter uma erosão genética e a perda daquela variedade.  

Isso já ocorreu com relação a algumas espécies, o que seria muito prejudicial;  

- eliminação de alguns fungos e insetos benéficos à manutenção do equilíbrio em determinadas cadeias, principalmente no que se refere à preservação de certos produtos agrícolas, por plantas geneticamente modificadas para produção de fungicidas e inseticidas, bem como o surgimento de insetos resistentes às toxinas por elas produzidas;  

- efeitos tóxicos e alergênicos, que podem ser causados por esses organismos geneticamente modificados, ou ainda a transferência de genes modificados para a flora digestiva; e outras preocupações.  

Resultados de pesquisas na Escócia, feitas com ratos alimentados com batatas transgênicas, mostram que as cobaias apresentaram alterações no sistema imunológico e em vários órgãos vitais. O Senador Tião Viana e outros Srs. Senadores que são médicos sabem o que isso representa do ponto de vista da saúde, se não houver o devido controle.  

Outro risco é o patenteamento de seres vivos e a privatização de recursos genéticos, o que constitui um grande prejuízo principalmente para a agricultura familiar, que repassa a ciência do melhoramento natural para as comunidades pobres de agricultores.  

As empresas multinacionais, como a famosa Monsanto, trabalham muito com o melhoramento de determinadas sementes, tornando os produtores delas dependentes e da produção baseada em organismos geneticamente modificados.  

O projeto está, portanto, apresentado. Espero que possamos instituir um debate responsável, maduro, sem nenhum tipo de xenofobia. Que sigamos o exemplo do que já vem ocorrendo em alguns Estados. O Rio Grande do Sul levantou-se com mais força por saber que pode ser prejudicado devido a boicotes aos produtos, principalmente à soja, em mercados europeus.  

Sr. Presidente, esses produtos geneticamente modificados causam certo desconforto a seus produtores. Há uma polêmica referente à existência ou não de explicações no rótulo dos organismos geneticamente modificados, explicando que aquela variedade é transgênica, que passou por uma alteração genética. Os produtores insistem em não colocar essas informações no rótulo porque, segundo eles, levar-se-ia para a sociedade uma possível desconfiança, podendo caracterizar preconceito com relação ao produto modificado.  

Ora, se eles têm tanta segurança da qualidade da sua produção, não teriam por que temer sua rotulagem. O consumidor iria à prateleira do supermercado e então decidiria comprar uma soja transgênica ou outra natural, como ocorre na Itália, por exemplo, onde há maçãs enormes, grávidas de agrotóxicos, e maçãs pequenas, bem doces e concentradas, sem nenhum tipo de adubo químico. Muitas pessoas preferem comprar aquela maçã pequena, mas de boa qualidade.  

Quanto aos transgênicos, utilizar-se-ia o mesmo procedimento, cabendo à sociedade a decisão de consumir ou não o produto, como ocorre com o cigarro e a bebida - fazendo uma estranha comparação. Mesmo sabendo que causam problemas à saúde, as pessoas os compram. No caso, não se diria que o produto causa ou não problema à saúde; mas apenas que houve uma alteração genética. O consumidor, assim, decidiria utilizá-lo ou não.  

Sr. Presidente, o projeto está colocado ao debate. A partir do momento em que houver a liberação dos organismos geneticamente modificados, apresentarei um projeto para tornar obrigatória a rotulagem, para que o consumidor saiba que se trata de um produto modificado e não natural. Do ponto de vista científico, não existem alterações em termos protéicos, em termos de qualidade. Por exemplo, em relação aos pesticidas, combina-se a engenharia genética com um determinado tipo de pesticida, como faz a Monsanto, que vende a semente e o pesticida que tem ação sobre o produto. Cria-se, inclusive, uma relação de dupla dependência, tanto na aquisição das sementes quanto na do pesticida, que é exclusivo e patenteado por uma única empresa. Isso cria uma situação de dependência e vulnerabilidade com relação a essa multinacional.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a preocupação com os organismos geneticamente modificados não é recente. A preocupação com a mistura de sementes, com essas cavilações, com a natureza, com o meio ambiente, com a própria vida foi motivo de preocupação numa das constituições mais antigas conhecidas, a constituição do povo hebreu. No Levítico e no Deuteronômio, está escrito peremptoriamente que não se devem fazer misturas de animais na procriação e nem de variedades diferentes de sementes, para que não venha a "profanar a tua vinha" ou "o teu celeiro". No Levítico, quando escreveu a tábua das leis, Moisés tinha a preocupação de que essas misturas poderiam levar a determinados problemas, tanto ambientais quanto do ponto de vista da saúde. Essa novidade não é de ecologistas radicais, mas daqueles que têm preocupação com a vida e que consideram que a transformação da natureza como parte de construção do homem deve ser feita de forma cuidadosa. Não nos podemos colocar na condição de deuses ou de Deus, porque foi assim que, de certa forma, no Olimpo, Prometeu conseguiu dar vida aos seres de barro, que depois se transformaram em homens. Mas isso faz parte da mitologia grega. Quando se trata da vida real, é sempre bom ter um pouco mais de cuidado. Como sou mulher de fé, faço questão de resgatar essa passagem, porque muitas vezes somos taxados de defensores de doutrinas de momento. O povo hebreu atravessou o Mar Vermelho com essa preocupação.  

Muito obrigada.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/04/1999 - Página 7954