Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A IMPORTANCIA DA POLITICA CAMBIAL BRASILEIRA PARA A CREDIBILIDADE DO PLANO REAL.

Autor
Paulo Hartung (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A IMPORTANCIA DA POLITICA CAMBIAL BRASILEIRA PARA A CREDIBILIDADE DO PLANO REAL.
Aparteantes
José Alencar, Sérgio Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/1999 - Página 7679
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CONTRIBUIÇÃO, POLITICA CAMBIAL, AGRAVAÇÃO, AUSENCIA, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, MODELO ECONOMICO, REVISÃO, INSERÇÃO, BRASIL, MERCADO INTERNACIONAL.
  • DEFESA, EFICACIA, POLITICA INDUSTRIAL, POLITICA, COMERCIO EXTERIOR, CAPACIDADE, COLOCAÇÃO, PRODUTO NACIONAL, IGUALDADE, CONCORRENCIA, MERCADO INTERNACIONAL, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, VIABILIDADE, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, TRABALHO, POPULAÇÃO, PAIS.

O SR. PAULO HARTUNG (PSDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a confiança na moeda nacional trouxe de volta, de junho de 1994 a janeiro de 1999, alguns elementos vitais para qualquer processo de desenvolvimento: a credibilidade na condução da política econômica, o sentimento de auto-estima da população e a perspectiva de um futuro melhor, mesmo diante de uma realidade social bastante difícil.  

A súbita e intensa guinada na conjuntura econômica provocada pela maxidesvalorização do real deixou uma sensação de desorientação nos agentes econômicos e na sociedade de um modo geral. É como se um sonho cultivado por mais de quatro anos se esvaísse durante algumas poucas semanas de movimentação do mercado financeiro. Pergunto-me: afinal, onde está a verdade, nos quatro anos de real estável ou nas semanas de real desvalorizado?  

As divergências sobre a política cambial permearem debates dentro e fora do governo durante toda a implementação do Plano Real. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo no mês de março, o Ministro Bresser Pereira afirma categoricamente:  

"A causa central da crise, a partir de 94, foi o câmbio valorizado, que limitava exportações e investimentos, favorecia importações e consumo e fazia o país depender da poupança estrangeira, pela qual pagamos custos altíssimos (excetuando os investimentos diretos)."  

Os números, de certa forma, comprovam essa tese. Enquanto as exportações progrediram de um valor de US$38,5 bilhões em 1993 para US$51,1 bilhões em 1998, as importações saltaram de US$25,7 bilhões para US$57,5 bilhões em 1998. Ou seja, o ritmo de crescimento das exportações brasileiras mal acompanhou o crescimento do comércio internacional e a inflação mundial, revelando uma estagnação da penetração de produtos brasileiros no exterior, enquanto as importações aumentaram em 124%. À exceção das importações de petróleo e derivados, que se manteve entre os limites de US$4 a 6 bilhões no período, o crescimento de importados nas categorias matérias-primas, bens intermediários, bens de capital e bens de consumo foi generalizado.  

Por outro lado, os defensores da política cambial argumentavam que o câmbio era o único instrumento a "ancorar" a estabilidade do real, na ausência de equilíbrio fiscal e monetário. Além disso, argumentavam que o déficit em transações correntes era financiado em grande parte por investimentos e capitais de longo prazo e que a crescente importação de bens de capital constituiria mecanismo capaz de elevar a produtividade do setor produtivo e de incrementar exportações posteriormente. Ora, como a taxa de investimento não aumentou durante todo o período do Plano Real, situando-se em patamares de 17% do PIB, fica claro que as importações de bens de capital apenas deslocaram a produção nacional, não significando aumento de taxa de investimento. Por outro lado, parte do investimento direto direcionou-se para aquisição de empresas, inclusive no programa de privatizações, não significando novos investimentos, mas, sim, transferência de ativos.  

Na verdade, o Brasil não foi o único país a se aproveitar do regime de ampla liquidez de recursos nos mercados internacionais de capitais, nesta década, tanto para estabilizar a economia quanto para manter taxas de crescimento. A combinação de abertura comercial e financeira nos países ditos emergentes e ampla liquidez nos países desenvolvidos viabilizou políticas econômicas de crescimento mesmo diante da ausência de reformas estruturais. No caso do Brasil, essas reformas estão diretamente ligadas ao equilíbrio fiscal, em particular no sistema previdenciário e na estrutura administrativa do setor público.  

Se é verdade que a política cambial constituiu o eixo central do programa de estabilização monetária, é também verdade que essa política contribuiu, gradativamente, para o agravamento dos principais fatores de instabilidade econômico-financeira do presente, a saber:  

1 - A economia brasileira, que, de 1984 a 1993, praticou superávits comerciais capazes de equilibrar as transações correntes com o exterior, voltou a tornar-se excessivamente dependente de poupança externa, atingindo déficits em transações correntes que chegaram a 4,5% do PIB.  

2 - A dívida líquida consolidada do setor público saltou de um percentual equivalente a 28% do PIB em 1994 para 38,6% em julho de 1998 - segundo dados do Banco Central -, menos pela ocorrência de déficits primários, mas principalmente pelo seu refinanciamento a taxas de juros entre as maiores do mundo.  

Diante do colapso das contas externas, cujo estopim foi a não renovação do crédito voluntário ao País, o recurso ao FMI revelou-se não só previsível, mas, na minha opinião, também inevitável.  

A curto prazo, a combinação de desvalorização cambial e acordo com o FMI permite estancar a sangria do balanço de pagamentos. Mesmo que a meta de transformar um déficit comercial de US$6 bilhões em superávit comercial de US$11 bilhões não se realize integralmente, é certo que a diminuição da atividade econômica em curso e a desvalorização cambial tornarão positivo o saldo das transações comerciais.  

Enquanto o câmbio e a política monetária restritiva não produzem os efeitos esperados, as linhas de crédito do FMI e as instituições multilaterais propiciam um colchão de reservas mínimas para o País. Também estamos assistindo, nos últimos dias, a alguma normalização do crédito do sistema financeiro internacional ao País.  

Sem dúvida alguma, a combinação de forte ajuste cambial com o apoio do FMI tem o condão de, a curto prazo, recuperar um mínimo de normalidade nas relações financeiras com o exterior e alguma confiança do mercado. A rápida reversão de expectativas nas últimas semanas permitiu, inclusive, ao Banco Central voltar a colocar títulos pré-fixados e reduzir taxas de juros.  

Entretanto, passada a tormenta do balanço de pagamentos, pergunto-me - e tenho certeza de que o empresariado nacional, sindicatos, trabalhadores também estão perguntando - qual a estratégia de crescimento para o País? Qual a agenda de desenvolvimento?  

O Memorando de Política Econômica que emana do acordo com o FMI e o Ministério da Fazenda diz muito pouco sobre este tema. Ou talvez, justamente por dizer muito pouco, diga tudo. Ou seja, justamente por dizer muito pouco, mostra uma certa omissão de temas como política comercial, política industrial, política agrícola, política de crédito, política de emprego ou de qualquer outro tema dito setorial. Talvez seja uma confissão da crença na inutilidade dessas políticas ou da incapacidade de o País estipular tais instrumentos, que, na minha opinião, são fundamentais para a Nação.  

Senão, vejamos, Sr. Presidente. O capítulo das chamadas Políticas Estruturais limita-se a citar aspectos relacionados a reformas no campo fiscal. Todas elas, na minha opinião, estritamente indispensáveis, mas insuficientes para compor um quadro ou agenda para o desenvolvimento nacional.  

Até mesmo o setor externo, estopim da atual crise que estamos vivendo, não recebe nada além do que apenas dois indicadores: a promessa de superávit comercial de US$11 bilhões e déficit em transações correntes de 3,0% do PIB, financiável, segundo o Memorando, pelos investimentos diretos esperados para o exercício de 99.  

Afinal, Sr. Presidente, mesmo após revelada a fragilidade do modelo de crescimento com poupança externa, imagina-se possível ou desejável perpetuar déficits em transações correntes da ordem de 3% do PIB? Parece-me, Sr. Presidente, pouco viável uma estratégia desta natureza.  

Será simplesmente um regime de câmbio flutuante suficiente para promover todos os ajustes necessários ao equilíbrio permanente da balança de pagamentos?  

Não se trata, Sr. Presidente, de voltar ao sistema autárquico, com excessiva proteção tarifária e não-tarifária ao mercado doméstico que tantas distorções trouxeram à economia brasileira. Mas sim, Sr. Presidente, de praticar mecanismos efetivos de defesa do mercado interno contra práticas desleais de comércio, a exemplo dos países desenvolvidos. E também consolidar mecanismos permanentes de promoção de exportações.  

O momento, na minha opinião, não é de buscar culpados ou crucificar eventuais responsáveis por erros no passado recente. O momento não é esse e não é meu intuito, na tribuna do Senado, seguir por esse caminho. Pelo contrário, devemos, sim, reconhecer a fragilidade do modelo de crescimento com poupança externa, que torna a economia permanentemente vulnerável a qualquer mudança de conjuntura internacional.  

O maior perigo que corremos no momento, Sr. Presidente - e quero aproveitar este pronunciamento para alertar - é achar que uma eventual melhoria do ambiente macroeconômico que está ocorrendo e que, seguramente, vai acontecer nos próximos meses sirva de justificativa para não se buscar mudanças no modelo econômico adotado. Ou seja, ao invés de se rever os termos da inserção do Brasil no mercado internacional, será um erro acreditar que o simples aprofundamento da liberalização do mercado cambial, por si só, será capaz de sanar todos os males da economia nacional.  

O Sr. José Alencar (PMDB-MG) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. PAULO HARTUNG (PSDB-ES) - Pois não. Ouço, com muito prazer, o aparte do nobre Senador José Alencar.  

O Sr. José Alencar (PMDB-MG) - Muito obrigado, Senador Paulo Hartung. Congratulo-me com V. Exª pelo tema que aborda e pela forma brilhante com que o faz. Acompanhamos o momento em que o Governo brasileiro começou a mudar um pouco aquele comportamento em relação à preocupação da construção de superávits da balança comercial. Num determinado momento, há uns cinco anos ou menos, o Brasil alcançava a terceira posição em superávit na balança comercial no mundo; em primeiro lugar, o Japão, em segundo, a Alemanha e, em terceiro, o Brasil. Chegamos a alcançar cerca de US$18 bilhões de superávit na nossa balança comercial. Naquele tempo, as próprias contas correntes ou as transações correntes eram também favoráveis porque o serviço da dívida externa era menor, porque a dívida também era menos da metade da dívida atual e, além disso, não tínhamos ainda, àquela altura, desnacionalizado tanto a nossa produção; portanto, pagávamos menos dividendos a acionistas que vivem lá fora. Daí a razão por que a pressão que havia sobre as contas externas era menor e havia um certo equilíbrio. Hoje, estamos acenando com 11 bilhões de superávit na balança comercial, que poderá eventualmente ser alcançado; mas mesmo assim vamos ter um déficit de mais de 3% do PIB em transações correntes. Isso demonstra a fragilidade da nossa economia. Realmente precisamos, como se diz na gíria, "dar a volta por cima". Ouvimos com atenção, às vezes, os nossos nobres Colegas, especialmente os representantes dos partidos que estão mais à esquerda - temos que reconhecer que eles têm maior sensibilidade social, têm maior preocupação com essas questões do que nós, provavelmente. De vez em quando alguém indaga, como foi o caso da nossa nobre colega Heloisa Helena, das Alagoas, por que nós, um País tão rico de recursos naturais e humanos, estamos sofrendo esse constrangimento crescente no campo social. Por que será que um País com a potencialidade, a dimensão territorial, o clima, o sol, a costa, o subsolo, enfim, com as riquezas imensuráveis que possuímos e nas mãos de povo bom, pacato, trabalhador, ordeiro, inteligente e versátil tem que ficar de chapéu na mão e endividado? Provavelmente porque nós, histórica e culturalmente, não temos sabido cuidar dos interesses, dos negócios do Estado Nacional. Essa é a grande diferença do Brasil em relação a outros países que nada possuem de parecido com o nosso País em termos de recursos naturais e humanos. No entanto, somos vencidos nessa disputa internacional. Temos de compreender que a globalização exige, ainda mais prementemente, que saibamos cuidar direito dos negócios do País. Para isso, precisamos de vocação negocial, cultura negocial. Mas o Brasil parece ter ojeriza à palavra negócio, taxando-a como sinônimo de negociata. Acontece, entretanto, que só os bons negócios poderão levar a economia brasileira a uma verdadeira emancipação, a fim de que possamos construir a riqueza nacional ligada a um trabalho que possa significar uma melhor distribuição da renda, via educação e saúde, principalmente. Sem recursos, não alcançaremos os objetivos sociais. E para que tenhamos uma economia forte, próspera e independente, é preciso que as frações, que são as empresas - no setor primário, secundário, terciário e também de infra-estrutura -, sejam fortes, prósperas e independentes. A ausência dessas características é decorrência de um problema cultural que precisamos enfrentar. Desta Casa, que é uma tribuna maior, podemos ajudar a mudar essa cultura brasileira. Parabenizo V. Exª, ilustre Senador Paulo Hartung, pela sua fala, pelas informações que V. Exª trouxe no seu pronunciamento, do qual gostaria de receber uma cópia, porque ele poderá nos servir de orientação em alguns estudos da situação brasileira que constantemente estamos fazendo. Meus parabéns e obrigado pela oportunidade de aparteá-lo.

 

O SR. PAULO HARTUNG (PSDB-ES) - Muito obrigado, Senador José Alencar, representante do Estado de Minas Gerais. Agradeço muito as suas palavras.  

Aproveito a presença do líder Sérgio Machado para reafirmar pontos deste pronunciamento. Nestes dias, estamos vivenciando e para os próximos meses estamos prevendo uma certa melhoria na conjuntura macroeconômica -necessária, mas insuficiente. Essa é a tese principal do discurso que hoje faço da tribuna do Senado.  

Precisamos construir uma agenda, Senador José Alencar. Investigar denúncia é importante? Creio que sim. Não sou daqueles que gostam de ver denúncias sendo colocadas debaixo do tapete. É importante investigar. Se existem responsáveis pela prática de erros no setor público, eles devem ser punidos, até para que possamos reorganizar esse setor no Brasil. Mas precisamos fazer algo maior, que é definir um rumo para o nosso País. E o rumo para o nosso País se constrói montando uma agenda.  

Por isso falei de uma nova política industrial. Sei que alguns setores, principalmente do mundo acadêmico no nosso País, de um certo momento em diante, passaram a ter dificuldade com um tema como esse: uma certa ventania liberalizante passou por aqui e o nosso País, que é dado a modismos, não foi capaz de refletir sobre esses temas.  

Nosso País precisa de uma nova política industrial. Não aquela do passado, que cumpriu o seu papel e de determinado momento em diante, inclusive, nos desviou do rumo. A decisão por um modelo de substituição de importações foi um passo importante para o País. Mas houve um momento em que o mundo começou a virar e demoramos a entender ou pelo menos a enxergar as luzes que já começavam a sinalizar algumas mudanças importantes de paradigmas.  

Precisamos, hoje, de uma nova política industrial. Qualquer país de ponta e desenvolvido, hoje, tem a sua política industrial. Precisamos de uma agressiva política de comércio exterior, como V. Exª acabou de dizer, Senador José Alencar. Precisamos de uma política agressiva de comércio exterior que tenha a capacidade de colocar os nossos produtos em condições de competitividade dentro do mundo moderno.  

Precisamos avançar em muitos pontos. Precisamos de uma agenda na área social que possibilite ao País gerar empregos, gerar renda, trabalho e felicidade para o nosso povo, para a nossa gente. Temos que construir essa agenda, ela é fundamental.  

Vamos investigar? Vamos. Mas não vamos perder o rumo e não vamos separar o que é principal do que é secundário.  

O Sr. Sérgio Machado (PSDB-CE) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. PAULO HARTUNG (PSDB-ES) - Concedo um aparte, com prazer, ao líder Sérgio Machado.  

O Sr. Sérgio Machado (PSDB-CE) - Senador Paulo Hartung, o pronunciamento de V. Exª nesta tarde é extremamente importante. V. Exª fere um ponto crucial, que é a questão da agenda do desenvolvimento. Todo esse sacrifício, todo esse ajuste que estamos fazendo tem uma razão de ser: prepararmo-nos para crescer, porque somente o desenvolvimento e o crescimento resolverão os problemas do País. Não podemos nos acomodar com melhorias passageiras, temos que ir a fundo estruturalmente, definindo exatamente essa agenda de desenvolvimento dentro dos contornos de um novo paradigma. Temos que entender que a riqueza do mundo, hoje, é conhecimento. Não adianta tentar voltar à sociedade que passou, porque ela não volta mais. Temos que avançar com a política industrial, com a política tecnológica, com a política agrícola, com a política agressiva de mercado exterior, de fortalecimento da pequena e média empresa, que é a característica do mundo de hoje. E é dentro desses limites que devemos manter a nossa discussão. Precisamos pensar em reformas estruturais que representem o futuro. É nessa direção que temos que trabalhar e é dentro dessa linha que o nosso partido vai defender insistentemente as reformas estruturais. Vamos querer a reforma política, a reforma do Judiciário, a reforma tributária e essa política de desenvolvimento. Portanto, fico muito feliz de estar aqui ouvindo o seu discurso, que coloca, de forma clara, aquilo de que precisamos. É dessa agenda positiva que o País precisa; é ela que vai mudar a vida das pessoas, inclusive do ponto de vista social.  

O SR. PAULO HARTUNG (PSDB-ES) - Muito obrigado, Senador Sérgio Machado, agradeço o aparte.  

Continuando o meu pronunciamento, Sr. Presidente, quero dizer que a discussão de uma agenda para o crescimento e para o desenvolvimento nacional também não pode ignorar a necessidade de algum tipo de política compensatória para os dramáticos problemas sociais que estamos vivendo, dentre os quais vejo numa dimensão mais significativa a questão do desemprego, gerado pela diminuição da atividade econômica, pela recessão econômica que está instalada.  

Não se trata, Sr. Presidente - longe de mim, como Senador e como economista -, de reivindicar políticas monetárias e fiscais irresponsáveis para o nosso País. Longe de mim reivindicar um expansionismo inconseqüente ou a qualquer custo. Trata-se, sim, Sr. Presidente, de rever certos conceitos ortodoxos, distantes da nossa realidade.  

Tratemos, por exemplo, Sr. Presidente, de questões ligadas à infra-estrutura urbana, como investimentos em saneamento, urbanização e transporte coletivo. Esses são bens e serviços não-comercializáveis e, portanto, não há abertura comercial que possa suprir essas necessidades.  

Em segundo lugar, Sr. Presidente, ao contrário dos setores industriais e de infra-estrutura já privatizados, constituem demandas em que a receita de privatização como solução para ampliar a oferta não se revela de aplicação genérica ou pelo menos de curto prazo.  

Em terceiro lugar, a infra-estrutura urbana constitui elemento vital para a competitividade sistêmica do nosso País, ponto sobre o qual é importante refletirmos, na medida em que é determinante direto da qualidade de vida do nosso povo.  

Em quarto lugar, e talvez este seja o ponto principal, como disse anteriormente, investimentos em infra-estrutura revestem-se de elevado efeito multiplicador de emprego e de demanda doméstica.  

Apesar de todos os fatores listados, apesar da elevada disponibilidade de caixa - é bom que se diga -, desde o ano passado os recursos do FGTS para financiamento de obras de urbanização e saneamento encontram-se suspensos. Trata-se de um contra-senso, na minha opinião. A contribuição para a questão fiscal desse tipo de contingenciamento de crédito é meramente contábil. O déficit fiscal é resultado do desequilíbrio da previdência pública, das taxas de juros escorchantes, do descontrole com gastos de pessoal de parte de diversos níveis da administração pública. Pelo contrário, o investimento público sob a responsabilidade de unidades federativas saneadas e com capacidade de endividamento saudável reativa a economia, produzindo efeitos positivos, e o resultado final são maiores investimentos, mais empregos e maior arrecadação pública.  

Para concluir, Sr. Presidente, se houve ousadia na "invenção da URV" - houve ousadia, criatividade; lembro-me disso, pois era Prefeito de uma capital e tivemos que refletir muito no momento em que se instituiu aquela moeda - e no lançamento do Plano Real, se há ousadia na flutuação do câmbio com intervenções pontuais, há que se ter ousadia no enfrentamento do mito das taxas de juros elevadas, no enfrentamento do mito da liberalização comercial e na busca de um ajuste fiscal inovador, que ataque as fontes do desequilíbrio fiscal, mas não comprometa o investimento público, que é saudável, como disse anteriormente.  

Sr. Presidente, o Brasil, que deu um "basta" à inflação - e espero que continue agindo assim, porque é fundamental para o nosso futuro - é o mesmo Brasil que tem força e energia para dar um "basta" à recessão econômica e para criar políticas públicas necessárias ao nosso País. Entretanto, para trilhar esse caminho, há que se libertar de alguns dogmas liberalizantes, tão danosos quanto os já sepultados dogmas estatizantes.  

Muito obrigado.  

 

*y


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/1999 - Página 7679