Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE FINANCIAMENTO AO PEQUENO PRODUTOR RURAL COM CREDITO DIFERENCIADO.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • NECESSIDADE DE FINANCIAMENTO AO PEQUENO PRODUTOR RURAL COM CREDITO DIFERENCIADO.
Publicação
Publicação no DSF de 14/04/1999 - Página 8047
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, PROCESSO, MIGRAÇÃO, POPULAÇÃO, BRASIL, EXODO RURAL, ANALISE, DESEMPREGO, ZONA URBANA, REDUÇÃO, NUMERO, TRABALHADOR, AGRICULTURA.
  • DEFESA, VALORIZAÇÃO, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR, PRIORIDADE, MELHORIA, CREDITO AGRICOLA, FAMILIA.

O SR. AMIR LANDO (PMDB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os anos setenta e oitenta marcaram o passo de milhões de brasileiros, numa verdadeira procissão iluminada pelas luzes das cidades. Procissão ou via-sacra, porque entrecortada em inúmeras "estações", quase sempre a primeira no açoite da pobreza e a última no calvário da miséria. Assistimos, em duas décadas, a um país em movimento, quando um terço de todas as famílias brasileiras se deslocou, pelo menos, seis vezes dentro do seu próprio país.  

Mas, as luzes das cidades são, também, o contraponto da escuridão do campo. Parcela significativa de tamanhos contingentes de perambulantes se originaram no descaso com a agricultura brasileira. E, na maioria das vezes, o homem rural deixou o campo na sua idade mais produtiva e, isso não significou, igualmente, ganhos de produtividade nas atividades urbanas. Doutor na arte de produzir alimentos, sua desqualificação para as novas funções lhe propiciou, na prática, o alistamento no grande exército de reserva que pressionou, para baixo, os salários urbanos dos tempos modernos.  

Os anos noventa se esgotam com quatro em cada cinco trabalhadores na lida das cidades. Em dez anos, apenas o Estado de São Paulo perdeu um terço dos empregados no campo. No Brasil, mais de cinco milhões saíram pelo caminho da roça. Mas, os fardos da colheita nos campos, que se transformaram nos sacos de cimento nos andaimes da construção civil, abortaram sonhos nas florestas de concreto. São milhões os desempregados urbanos que incham as periferias e que têm no vazio dos campos o seu único refúgio.  

Pesquisadores na Unicamp comprovaram, em números, o que as plataformas das estações já evidenciavam: os pontos de chegada são, agora, muito mais, pontos de partida. A população rural brasileira voltou a crescer, contra todos os prognósticos, neste final de século, a uma taxa de 0,5% ao ano. Em 1997, existiam 530 mil pessoas a mais no campo, se comparado com 1992. Mas, continua a decrescer a população ocupada na agricultura. Os maiores ganhos percentuais se dão, exatamente, na categoria dos desempregados rurais. E as perdas mais significativas, na agricultura familiar.  

Ao saírem do campo, os produtores deixaram para trás velhos e crianças, exatamente aqueles que mais necessitam dos cuidados do Estado, em termos de gastos com educação, saúde e seguridade social. Ao retornarem, já não encontram as mesmas atividades produtivas empregadoras de mão de obra, principalmente a produção de alimentos, substituída pela agricultura comercial mais moderna. Mas, o retorno à família explicita o que ela tem de mais característico: a pluriatividade. Então, segundo os pesquisadores da Unicamp, "o êxodo rural está sendo substituído pelo êxodo agrícola". A nova unidade familiar permanece no campo, mas exerce outras funções que não as unicamente produtoras de alimentos. Membros da família rural estão se transformando em jardineiros, caseiros, artesãos, donos de hotéis-fazendas, de pesque-pagues, etc. Vale dizer que se trata de atividades mais recomendáveis que a venda de quinquilharias, pelos desempregados que permanecem nas esquinas das cidades.  

Mas, o fato mais importante, talvez seja o próprio retorno dessa população para o campo e a possibilidade de se resgatar as unidades produtivas familiares. A experiência mostra que, nas regiões que se estruturam a partir da agricultura familiar, suas atividades econômicas e sociais são mais consolidadas. Ali se concentram e se mantêm escolas, igrejas, clubes, associações, etc. Não é à toa que ali, também, as relações de sociabilidade são mais intensas, vive-se em comunidade, troca-se experiências, preserva-se os traços culturais. Na agricultura familiar, os valores humanísticos são mais resguardados, a questão central é a família como um todo e não o produto específico do trabalho, ou o mercado e o lucro. É a fartura o objetivo da família e, para atingi-lo, ela emprega o trabalho produtivo a partir das habilidades de cada um de seus membros.  

A agricultura familiar não pode ser tratada, portanto, com políticas compensatórias ou através de programas de solidariedade. Ela é capaz de propiciar respostas positivas aos maiores problemas nacionais, nos dias de hoje. Ela é empregadora de mão de obra, quando, somente na cidade de São Paulo, já passam de 1,6 milhão os pais de família desempregados. Ela produz alimentos, em um país onde o equivalente à população da Argentina coloca-se abaixo da linha de pobreza, mas da metade na mais absoluta miséria. Ao produzir alimentos, ela pode reverter o quadro sombrio onde, apesar do registro das melhores condições naturais do planeta, importa-se alimentos básicos, em escala significativa. Ela reduz os focos de tensão social nas cidades, a violência urbana, a marginalidade, o déficit habitacional, entre outras questões que maximizam os chamados custos da urbanização desenfreada.  

Ao sair do campo, a população levou consigo potenciais de solução de problemas e, pior, intensificou esses mesmos problemas nas cidades. É preciso, portanto, que a tendência à reversão ou à contenção dos fluxos migratórios seja, também, percebida como uma possível transformação de problemas em potenciais. O mercado criou o problema. E, certamente, não será ele que o transmutará e soluções. Cabe, ainda, ao Estado, papel fundamental na solução dos grandes problemas nacionais. E, isso não se dará com ação pública a reboque. A sociedade tem que discernir entre o investimento e a dádiva. De todos os financiamentos rurais, a pequena produção atinge o percentual máximo que mal ultrapassa os 10%. O homem urbano custa, por anos, para o Estado, em termos de moradia, educação, saúde, segurança e outros programas sociais, algo em torno de US$ 2.000. No campo, ele requereria em torno de US$ 100. Segundo a FAO, são necessários, apenas, 9 hectares, em média, para cada ocupação, cujo custo por família, que gira em torno de US$ 10 mil, é, significativamente, menor do que em qualquer outra atividade. E, cada emprego rural é quadruplicado em toda a cadeia produtiva.  

Portanto, a agricultura familiar não pode ser irrigada, apenas, pelo gotejamento de suor e lágrimas. O crédito ao pequeno agricultor tem que ser, necessariamente, diferenciado. E, isso não pode significar qualquer atitude de benevolência. É um investimento da sociedade na sua própria consolidação. Investir na pequena produção significa produzir alimentos, gerar empregos, minimizar gastos públicos, construir a cidadania. A tal procissão não pode ser de encontro, entre os agricultores que vão e os operários que vêm. A última estação desta via-sacra tem que ser, necessariamente, a ressurreição.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/04/1999 - Página 8047