Discurso no Senado Federal

DIMENSÃO DO PROBLEMA DA FOME E DA MISERIA NO MUNDO, CONFORME DADOS RECENTEMENTE DIVULGADOS PELO PNUD, RELACIONADO-OS NO QUE DIZ RESPEITO A REALIDADE BRASILEIRA, A MANCHETE DA FOLHA DE S.PAULO, DE HOJE, INTITULADA 'PAIS PERDE R$ 103 BILHÕES COM A QUEDA DO REAL'.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • DIMENSÃO DO PROBLEMA DA FOME E DA MISERIA NO MUNDO, CONFORME DADOS RECENTEMENTE DIVULGADOS PELO PNUD, RELACIONADO-OS NO QUE DIZ RESPEITO A REALIDADE BRASILEIRA, A MANCHETE DA FOLHA DE S.PAULO, DE HOJE, INTITULADA 'PAIS PERDE R$ 103 BILHÕES COM A QUEDA DO REAL'.
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/1999 - Página 8201
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMPARAÇÃO, DADOS, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), CALCULO, VALOR MONETARIO, ERRADICAÇÃO, FOME, MISERIA, MUNDO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, PERDA, RECURSOS, BRASIL, EPOCA, DESVALORIZAÇÃO, REAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, TRABALHO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), CONSCIENTIZAÇÃO, NECESSIDADE, EFICACIA, ADMINISTRAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, COMBATE, CORRUPÇÃO, GARANTIA, CIDADANIA, MAIORIA, POPULAÇÃO, VITIMA, FOME, MISERIA.

O SR. AMIR LANDO (PMDB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, elaborou, recentemente, cálculos sobre as necessidades monetárias para a erradicação da fome e da miséria, em todo o planeta. Imagine-se que todos os pobres e miseráveis, de todas as esquinas, de todas as favelas e de todos os viadutos e pontes de todo o mundo obtivessem um mínimo necessário para, imediatamente, saciar a sua fome e, além disso, iniciar alguma atividade produtiva que lhes permitisse uma vida digna. Algo assim como um projeto de reconstrução da cidadania, abalada, principalmente nos últimos tempos, pelo processo de globalização, que desloca o homem do topo das prioridades, em nome do lucro fácil.  

Para se ter uma idéia da dimensão do problema, as estimativas menos pessimistas dão conta de algo entre 1,1 e 1,5 bilhão de seres humanos que vivem na mais absoluta pobreza, em todo o mundo, mais da metade deles considerados miseráveis, famintos que "morrem um pouco por dia". Uma em cada três crianças podem ser consideradas como subnutridas, 13 milhões das quais morrem, por ano, antes do quinto aniversário.  

Pois bem, segundo o PNUD, seriam necessários US$ 40 bilhões para o que se poderia chamar "comprar o peixe", e outros US$ 40 bilhões para "ensinar a pescar".  

Não desejo comparar essas cifras com o que se gasta, anualmente, na produção e na utilização dos armamentos que a mídia está a escancarar, todos os dias, como se nossas televisões tivessem se transformado nos "vídeogames" dos tempos modernos. Isso tornaria a discussão banalizada, porque essa mesma mídia dá, a esses conflitos, um tom de disputa entre o "bem" e tudo o que lhe for contrário, independendo dos tipos de interesses que possam estar, verdadeiramente, em jogo. E, neste jogo contra o "mal", paga-se o preço que os pretensos "senhores do bem" julguem conveniente.  

Poderia eu comparar os recursos necessários para sanar a fome no mundo com a especulação financeira que roda esse mesmo planeta, ao apertar de alguns poucos e privilegiados botões. Alguém já calculou que, se esses recursos especulativos fossem taxados em 0,05%, o resultado atingiria algo como US$ 100 bilhões anuais, o suficiente e com folga, portanto, para evitar que a "morte severina" não se restringisse aos miseráveis do Nordeste Brasileiro.  

Quem sabe eu pudesse comparar os dados do PNUD com os recursos que "vazam" pelos ralos da corrupção, também em escala mundial. Calcula-se que, hoje, entre 10 e 15% de todos os gastos públicos, principalmente nos países menos desenvolvidos, são desviados para o pagamento de propinas, a ponto dos agentes econômicos já incorporarem essa parcela como custos normais, que se somam à matéria prima, aos equipamentos e à mão de obra.  

O que seriam dos jornais diários não fossem as guerras e a corrupção em todo mundo! Os jornais locais, nem se fala!  

Conhecedor dos dados do PNUD, não há como evitar, entretanto, a comparação entre o que é necessário para evitar o maior de todos os pecados do homem, a omissão frente à dor da fome, e a manchete principal do jornal Folha de S. Paulo , neste dia 14 de abril: "País perde R$ 103 bi com a queda do real". Se utilizada a mesma cotação do dólar que privilegiou os donos dos Bancos Marka e FonteCindam, a aritmética mais simples dará conta de que o país perdeu, em um único mês, mais do que o necessário para, pelo menos, tornar mais largo o primeiro passo para erradicar a fome de todos os seres humanos do mundo!  

O Brasil parece ter perdido a noção de grandeza. Nos seus termos positivo e negativo. Positivo, porque já não parece que somos um país com dimensões continentais, privilegiado com todos os microclimas do planeta, com recursos naturais de água e solo invejáveis, com reservas minerais das mais variadas e significativas. Negativo, porque, também, já não parece causar espanto tamanhos números de uma dívida pública que já passa de meio trilhão de reais, programas que distribuem outros bilhões para sanear bancos falidos, uma corrupção que, apesar de já ter derrubado um Presidente da República, ainda infecta a administração pública, em todos os níveis, perdas, sempre na casa dos bilhões, decorrentes de ações de política mal sucedidas, como se o dinheiro público, ao contrário da maximização do dinheiro privado, pudesse ser, por definição e impunemente, dilapidado.  

A venda da Companhia Vale do Rio Doce, com suas 26 empresas estratégicas, incluindo minas de ouro, minério suficiente para consumo em três séculos, também já se constituiu em primeira manchete nos principais jornais do país. O tal cheque, de R$ 3,4 bilhões, destaque da foto de primeira página, mais parecia um troféu ao "negócio bem sucedido", o da privatização do controle acionário da empresa. Pois a tal desvalorização cambial, reconhecidamente tardia, foi o suficiente para "engolir", exatamente, 30 Companhias Vale do Rio Doce. Trinta vezes as minas de ouro, trinta vezes as florestas, as ferrovias, os portos, a bauxita, o titânio. Na mesma proporção, minério de ferro para 9.000 anos! Trinta "Vales" por trinta dinheiros!  

Cinco vezes a receita da venda da Telebrás. Cem Companhias Siderúrgicas Nacionais.  

Mas, mesmo que tais relações possam ser discutíveis, não há como considerar suspeito o trabalho do PNUD para a erradicação da miséria no mundo. E uma relação merece reflexão mais aprofundada. O Brasil possui pouco mais de 2% dos pobres e miseráveis do planeta. E perde, em um único mês (ou dia), mais do que as Nações Unidas estimam ser necessário para que todos os seres humanos do mundo possam ultrapassar a linha da pobreza absoluta! E, pior, os números da Folha de S. Paulo poderão não passar de mais uma manchete no caminho, apenas, dos historiadores do terceiro milênio!  

Os números, pelo menos, dão conta de que é possível pensar um novo projeto de país. É esse, na minha opinião, o maior mérito do trabalho do PNUD, como referência ao número estampado na manchete da Folha: resgatar a consciência de nossas grandezas, positivas e negativas. E de que, se bem administrados, não faltarão recursos para o financiamento deste novo projeto. Basta que se resgate a nossa capacidade de indignação frente a nossas grandezas negativas, diariamente estampadas nas primeiras páginas dos jornais, e que se agilize as nossas vantagens comparativas, consubstanciadas na abundância de recursos naturais e na capacidade empreendedora de nosso povo.  

Se o País se dá ao luxo de perder, em uma penada, conforme a Folha, o que o mundo necessitaria para matar a fome de mais de um bilhão de pessoas, conforme o PNUD, como não pensar ser possível uma vida mais digna para os pouco mais de 30 milhões de brasileiros que se somam a essa estatística mundial? Como pensar que a maior dificuldade para viabilizar um novo um projeto de país seja, exatamente, a falta de recursos financeiros?  

É que, embora o Brasil possa ser considerado, em termos de seus recursos naturais, a imagem de mundo idealizada pelo próprio Criador, é outro, hoje, o conceito de paraíso. E é para esse outro paraíso que se encaminham os recursos que nos faltam e que engrossam as estatísticas de nossas perdas. As serpentes da especulação, da corrupção, do desmonte do Estado, da subserviência e do desdém à soberania são os grandes obstáculos a serem transpostos, para a concretização de um projeto de desenvolvimento nacional, que transporte para as manchetes das primeiras páginas de nossos principais jornais, as nossas grandezas mais positivas!  

Era o que eu tinha a dizer.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/1999 - Página 8201