Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO, AMANHÃ, DO 'DIA INTERNACIONAL DA LUTAS CAMPONESAS CONTRA A IMPUNIDADE', DATA ESCOLHIDA COMO LEMBRANÇA DO EPISODIO DE ELDORADO DOS CARAJAS/PA.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • TRANSCURSO, AMANHÃ, DO 'DIA INTERNACIONAL DA LUTAS CAMPONESAS CONTRA A IMPUNIDADE', DATA ESCOLHIDA COMO LEMBRANÇA DO EPISODIO DE ELDORADO DOS CARAJAS/PA.
Aparteantes
Ademir Andrade, Amir Lando, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1999 - Página 8414
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, LUTA, TRABALHADOR RURAL, OPOSIÇÃO, IMPUNIDADE, HOMENAGEM POSTUMA, VITIMA, HOMICIDIO, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • DENUNCIA, IMPUNIDADE, CRIME, ESTADO DO PARA (PA), EXPECTATIVA, JULGAMENTO, ANUNCIO, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), SECRETARIA NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS.
  • DENUNCIA, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, DEMORA, REFORMA AGRARIA, FALTA, PREVENÇÃO, CONFLITO, POSSE, TERRAS, AUMENTO, VIOLENCIA, MORTE, CAMPO.
  • DENUNCIA, SUJEIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), REDUÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, REFORMA AGRARIA, CRITICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE POLITICA FUNDIARIA (MEPF), OMISSÃO, COMBATE, VIOLENCIA.
  • CRITICA, POLITICA AGRICOLA, GOVERNO, AUMENTO, DESEMPREGO, CAMPO, CONCENTRAÇÃO, TERRAS, REPUDIO, PROPAGANDA, GOVERNO FEDERAL, MANIPULAÇÃO, DADOS.
  • SAUDAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Sr. Senadores, em função do tempo do Senador Luiz Estevão ter se esgotado, não tive a oportunidade de fazer um aparte. É bom que essa discussão aconteça na Casa e possamos conhecer dados como os que S. Exª traz, apesar de eu ter a mais absoluta convicção e posição contrária a que diminuamos a idade mínima para imputabilidade penal. Terei o maior prazer de discutir o assunto nesta Casa, principalmente com a responsabilidade com que faz V. Exª.  

Nesta manhã, quero falar do dia 17 de abril, dia em todos os movimentos sociais organizados no mundo celebram o dia internacional das lutas camponesas contra a impunidade. Essa data foi escolhida como uma maneira de lembrar o triste massacre massacre dos sem-terra em Eldorado dos Carajás. É por esse motivo que estamos usando as fitas pretas; elas são um sinal de luto por todas as vítimas de Eldorado e tantas outras que caíram, que tombaram, vítimas do latifúndio improdutivo, imoral e assassino.  

Como é do conhecimento de todos, há três anos - não pela primeira vez, é verdade, porque tivemos Corumbiara e várias outras tragédias no nosso Brasil - dezenove pessoas foram brutalmente assassinadas durante o cerco policial na rodovia PA-150, sul do Pará; acontecimento que teve repercussão internacional e abalou o discurso oficial do atual Governo, que afirmava e continua afirmando estar promovendo uma verdadeira reforma agrária no Brasil.  

Três anos já se passaram, e as vítimas, mulheres viúvas, crianças órfãs, ainda sonham com justiça. Até hoje nem os mandantes nem os executores foram punidos. Os 154 policiais militares que atiraram na multidão, promovendo uma verdadeira chacina, continuam impunes, continuam trabalhando nos seus postos. O Coronel da Polícia Militar Mário Pantoja, que comandou a operação, aguarda o julgamento, certamente saltitando alegremente em liberdade.  

Esta semana, uma pequena luz no fim do túnel. Por unanimidade, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, no dia 13, em Belém, ocorrerá o julgamento dos policiais militares e de três civis acusados do massacre em Eldorado dos Carajás. Infelizmente, a data do julgamento ainda não foi marcada, mas poderá ser ainda em maio deste ano.  

O Secretário Nacional de Direitos Humanos, Sr. José Gregori, afirmou que "chegou a hora de pôr na cadeia os autores dessa barbárie". Isso significa apenas um pequeno passo, é verdade, mas é uma vitória que nos faz acreditar que é possível fazer a justiça triunfar para os pobres da nossa terra.  

Infelizmente, esse massacre não é apenas um marco histórico que mancha a memória do nosso País com tantas injustiças. Os estampidos do massacre ainda ecoam; os tiros continuam causando morte. O fotógrafo Miguel Ferreira de Melo, que fotografou os cadáveres, as pessoas feridas e testemunhou no inquérito, foi brutalmente assassinado em Marabá, em novembro do ano passado, e continua também como vítima da impunidade e da violência que assola o povo do campo.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Permite V. Exª um aparte?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Concedo um aparte ao Senador Ademir Andrade com muita satisfação.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Agradeço-lhe, Senadora Heloisa Helena, e parabenizo V. Exª pela oportunidade do pronunciamento. Quero dizer que hoje ainda pretendo me manifestar sobre o mesmo tema, porque, amanhã, dia 17 de abril, completam três anos desse bárbaro crime. Lamento - lamento profundamente - que só os policiais militares estejam indo a julgamento, Senadora Heloisa Helena; ou seja, aqueles que deram a ordem para que eles desobstruíssem a estrada a qualquer custo - com o Governador do Estado, com o Secretário de Segurança Pública, com o Comandante da Polícia Militar, lamentavelmente, não aconteceu nada. O mesmo Secretário de Segurança que deu a ordem para que a desobstrução fosse feita, naturalmente obedecendo às ordens do Governador, continua ainda hoje como Secretário de Segurança Pública do Pará, e com o Comandante da Polícia Militar não aconteceu também absolutamente nada. Creio que o grande erro é julgar exclusivamente os policiais militares, e não aqueles que determinaram que eles agissem. Não digo que determinaram as mortes, mas, de qualquer forma, eles jamais poderiam ser eximidos dessa responsabilidade, porque, no mínimo, o Governador deveria imaginar as conseqüências da sua ordem, as ações quem poderiam advir da sua ordem, com uma Polícia completamente despreparada, desestruturada, como é o caso da Polícia Militar do nosso Estado. Portanto, o que mais lamento é que só estejam indo a julgamento esses policiais militares.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Compartilho do pronunciamento de V. Exª, Senador Ademir Andrade, até porque o próprio Tribunal Internacional da Terra, que aconteceu em Brasília, em 1997, inclusive com a participação de várias personalidades, responsabilizou o Governo Federal por não fazer a reforma agrária e também o Governador do Estado, o Sr. Almir Gabriel, do PSDB, por ter dado a ordem de despejo que foi cumprida pela Polícia Militar.  

Continuando, a criminalização da luta pela terra e a ação policial nunca foram soluções para os graves conflitos do campo; nem mesmo durante os penosos anos da ditadura militar e seus métodos desumanos de repressão aos movimentos e lideranças populares. O próprio Ministro Extraordinário de Política Fundiária, em visita a esta Casa, reconheceu a relação direta entre os conflitos agrários e a concentração da propriedade da terra. Ele afirmou que "(...) há uma correlação entre o crescimento do assentamento, quando este realmente ganha uma perspectiva exponencial (...) e a redução dos índices da violência. Ou seja, quanto mais reforma agrária, menos violência no campo".  

Mas essa não é uma realidade do período do Governo. A Comissão Pastoral da Terra registra, desde 1995, 41 mortes; esse número, em 1996, subiu para 54, o ano dos assassinatos em Eldorado dos Carajás; em 97, 30 pessoas sem terra foram assassinadas; em 98, ocorreram outras 26 mortes.  

Não são apenas números, sabemos disso, são pessoas humanas, pessoas que estão sendo assassinadas e sacrificadas em nome de uma suposta lei sagrada, que é a tal da propriedade privada da terra; lei que eles reivindicam, mas, com certeza, contradiz a própria Constituição Federal, porque essas terras são improdutivas e não promovem, não cumprem a sua função social. Portanto, esses latifúndios improdutivos desrespeitam não apenas a lei dos homens, mas também a lei de Deus em relação à terra.  

O Sr. Amir Lando (PMDB-RO) - Permite-me V. EXª um aparte?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Concedo um aparte ao Senador Amir Lando com muito prazer.  

O Sr. Amir Lando (PMDB-RO) - Nobre Senadora, V. EXª, como sempre, traz à tribuna assuntos candentes, mas o enfoque dessa questão, no meu sentir, precisa ser situado de uma maneira um pouco diferente do que pensa o Governo e até a mídia. Vejo o seguinte: a reforma agrária deve ser um programa de Governo, uma política de Governo. Posso falar isso porque, durante um longo período da minha vida, atuei nesse setor como Procurador do INCRA. Tivemos a oportunidade de enfrentar o problema no Acre, começando com uma série de anulatórias. Enfrentamos conflitos como, por exemplo, no seringais Catuaba, Riozinho e, em Rondônia - porque eu atuava no Acre e em Rondônia - Nova Vida e tantos outros. Como Procurador do INCRA, tentei encaminhar, sobretudo distinguindo a primeira origem da terra: se a terra era ou não particular. Isso ninguém nunca discutiu, porque há muita terra pública sendo invadida, e os sem-terra sendo mortos brutalmente. Quem pode fazer isso realmente está ausente. Há muito o INCRA não mais aprecia a tessitura fundiária, sobretudo quando me refiro à Amazônia. Mas se voltarmos a São Paulo, o Pontal do Paranapanema também incide sobre esse mesmo ângulo da origem dessas terras. Veja, V. Exª, que há uma conivência, uma complacência generalizada. Fico muito preocupado quando o pobre do agricultor sem-terra é jogado no confronto com o poder da propriedade, e, aí, as medidas liminares, os interditos proibitórios, os interditos possessórios em geral, os despejos. Assim, a parte mais fraca, os sem-terra, acaba sendo sempre sacrificada. O que está errado nisso? Falta uma política efetiva para diminuir os conflitos, falta dizer o que é preciso, falta uma decisão política. No entanto, sempre se adota uma forma escapista de se resolver a questão e somente se vai atrás, para se registrarem os óbitos, quando o conflito aconteceu, ao invés de se ir com o título de propriedade à frente, assentando o colono sem terra. Há tanta terra neste País, há tanta terra improdutiva, tanta terra devoluta e ninguém zela por esse patrimônio! O grande problema é a omissão do Governo e, sobretudo, essa maquiagem de números que vejo na imprensa. Em Rondonópolis, por exemplo, há desapropriações feitas há dez anos em que ainda não foram assentados os colonos. Isso gera conflitos envolvendo os grandes, que têm mais poder e desmatam à vontade, e os pequenos, os pobres miseráveis que acabam sempre sendo sacrificados com a morte. Muitas dessas mortes não constam das estatísticas, pois as pessoas não têm sequer uma tumba como última morada, foram dispersas pelas matas, pelos rios, sem nome, sem registro de óbito. Esse é um quadro doloroso! O Governo precisa acabar com os acampamentos, que são desnecessários e constituem uma vergonha nacional. Falo, sobretudo, do meu Estado, Rondônia, onde ocorreu o massacre de Corumbiara, um crime hediondo, inimaginado, pois há tanta terra disponível, terra improdutiva, terra pública, terra devoluta, terras onde poderiam ser assentados aqueles colonos. Esse é o drama. Muito obrigado.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Compartilho da indignação de V. Exª.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora Heloisa Helena?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Concedo o aparte ao querido Senador Tião Viana.

 

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Eminente Senadora, eu gostaria de ser breve. O assunto que V. Exª aborda é de tal relevância que deveria ser tratado em uma sessão solene do Congresso Nacional, pois retrata a importância da dignidade das autoridades brasileiras em relação à situação dos sem-terra, daqueles que querem trabalhar e alimentar suas famílias e não têm tido essa oportunidade. Trata-se de uma evolução histórica impressionante. Nos anos 70, na expansão da migração para a região amazônica, as mortes ocorriam de modo isolado: queimava-se um seringueiro, mandava-se matar, queimava-se a casa, quando chegava o latifúndio improdutivo, que era apenas especulativo, como aconteceu com Chico Mendes e Wilson Pinheiro, por serem lideranças. No entanto, essa situação culminou com o massacre de Eldorado dos Carajás, um paradoxo, pois, lamentavelmente, ali não se viveu um Eldorado, mas algo sombrio, de cujo testemunho o mundo inteiro dever-se-ia envergonhar. Lamento profundamente que as autoridades venham tratando a problemática da terra, no Brasil, com duas características que me impressionam: numa hora, apagam um incêndio que está ocorrendo, um distúrbio no Movimento dos Sem-Terra; noutra, acalmam o latifúndio improdutivo. Não tratam da pessoa humana, não tratam do direito humano de lutar, de construir família, de viver da produção agrícola neste País. Essa insensibilidade de algumas autoridades públicas é impressionante e culmina nas nomeações políticas em órgãos como o INCRA. No meu Estado, essa nomeação atende apenas à pressão política de um partido político. É uma representação dirigente desqualificada, desumana, desequilibrada, denunciada por corrupção, mas presente porque é indicada por detentores do poder. Do nosso lado, há uma geração que espera ver um Brasil justo, verdadeiro, desenvolvido, que olhe para o movimento camponês com o mais profundo respeito, pela sua importância na construção e no desenvolvimento do sonho de termos um mundo rural, mas, do outro, há um poder insensível, alheio à realidade de se construir um Brasil que poderia orgulhar a todos nós. Deixo a minha homenagem e a lembrança eterna - que, infelizmente, V. Exª, eu e tantos outros carregamos - daquele cérebro arrancado de uma vítima da violência ocorrida em Corumbiara, parte do qual a polícia mandou que algumas pessoas comessem.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Agradeço a participação de V. Exª. Lembro-me, agora, daquela velha frase que aprendemos na infância: "Diga-me com quem andas que te direi quem és." Tenho absoluta certeza de que se determinadas personalidades estão à frente dos instrumentos, inclusive no Estado de V. Exª, certamente é porque compartilham da política do Governo Federal. No entanto, pior que isso são alguns programas anunciados na televisão, sobre os quais, inclusive, falou o Senador Amir Lando, que se constituem numa propaganda enganosa, num festival de números, cifras e projetos, palavras gastas, vazias, soltas ao vento, que não resultam em coisa alguma. O mais grave é que, junto, vem o corte gigantesco, feito no Orçamento do ano passado, na viabilização da reforma agrária.  

O Ministro Extraordinário de Política Fundiária, em audiência na semana passada, quase que em tom solene, avisou a todos os membros da Comissão, preocupados com a reforma agrária, que o Presidente da República anunciaria a recomposição total do orçamento para a reforma agrária: "Vamos zerar os cortes que sofremos", disse S. Exª. Evidentemente, não vimos essa recomposição - ela não aconteceu - relacionada às áreas sociais, por motivos que todos conhecemos: a postura de subserviência e covardia do Governo Federal frente ao capital especulativo internacional. Infelizmente, neste País, a coragem de algumas lideranças políticas é apenas para enfrentarem os pobres e os miseráveis. Para confrontarem os grandes e poderosos, demonstram somente a absoluta covardia.  

Além de todo esse descompasso existente entre discurso e prática, o próprio Ministro da Reforma Agrária, por ocasião da audiência, dizia que essas questões relacionadas aos assassinatos que já aconteceram não merecem mais preocupação, porque, hoje, não existe mais liderança nacional anti-reforma agrária: "É evidente que existe aquele movimento localizado aqui ou acolá, e é evidente que o latifúndio tem a capacidade até de matar, mas já foi nacionalmente batido. Então, é importante pensar que aqueles obstáculos do passado, em grande medida, foram removidos".  

Certamente, o Ministro não está falando de um Brasil de sonhos, porque para sonhar os sonhos é preciso ser grande de alma e de coração. Está falando de uma ilusão, porque, na semana passada, mais assassinatos aconteceram no Paraná, além daqueles anônimos, com corpos jogados nos rios e à beira das estradas do País. Vejam, Sr. Senadores, a postura do poder político do Paraná, seja por intermédio do próprio Governador, seja por intermédio da Assembléia Legislativa, que teve a ousadia de aprovar uma lei determinando que, para o INCRA realizar vistoria, é necessária a presença do dono da terra, terra que muitas vezes nem lhe pertence!  

Por mais que cantem contra as "invasões" do Movimento dos Sem-Terra, as terras públicas é que foram invadidas, visando-se à preservação dos latifúndios improdutivos, os grandes invasores do País, devidamente acobertados pelo Poder Público.  

Os principais jornais do Brasil também noticiaram o fato. Por exemplo, O Estado de S.Paulo, nesta semana, abordou o posicionamento do Presidente da República a respeito, ao dizer que os Governadores "não devem se acanhar em usar a polícia para desocupar terras produtivas ocupadas por provocação."  

Acompanho o Movimento dos Sem-Terra há muito tempo e nunca o vi ocupar uma área produtiva, porque dizem que é produtiva a terra em que um boi do vizinho foi colocado, em que, em menos de dez dias, depois de uma vistoria, um grande mutirão de fazendeiros da região consegue plantar, acobertando a improdutividade. Quando o próprio Presidente da República estimula esse tipo de utilização, está também estimulando a violência no campo, tendo em vista a responsabilidade de um Presidente da República ao autorizar que seus Governadores façam isso já mostra claramente o seu descompromisso.  

O massacre de Eldorado dos Carajás, infelizmente, não é um fato isolado, nem tampouco é o único motivo de injustiça praticado contra as populações que vivem no campo brasileiro.  

Todos sabemos das injustiças praticadas contra os pequenos proprietários de terra que, em função da infame política agrícola irresponsável do Governo Federal, também não têm a oportunidade de superar as distorções gigantescas das suas vidas no campo.  

O assim chamado "conflito agrário brasileiro", conseqüência direta da concentração da propriedade de terra, como afirmou o Ministro Jungman, não é feito só da violência explícita que tem ceifado tantas vidas.  

A violência cotidiana está explícita na falta de condições mínimas para uma vida digna, conforme já debatemos inúmeras vezes no muro de lamentações desta Casa.  

A população rural pobre é a que mais sofre com essa drenagem de recursos. Desde a criação do Plano Real, os números de desemprego no campo são alarmantes. Segundo dados do IBGE, a área cultivada aumentou de 48,6 milhões para 48,8 milhões de hectares de 1996 para 1997. No entanto, o número de postos de trabalho no campo caiu de 7 para 6 milhões no mesmo período.  

Segundo pesquisa de José Francisco Graziano, Professor da Unicamp, somente na safra agrícola do ano passado, 200 mil trabalhadores rurais perderam seus empregos.  

Esses dados somam-se aos já conhecidos da concentração da propriedade de terra no Brasil. Já não causa impacto afirmar que o nosso País, um verdadeiro continente de terras férteis e de recursos hídricos, possui um dos maiores índices de concentração fundiária do mundo. Tanta terra sem gente e tanta gente sem terra!  

O último censo do IBGE comprova o aumento da concentração de terra no Brasil em pleno limiar do século XXI. Em 1970, os estabelecimentos com menos de 100 hectares representavam 90,8% dos estabelecimentos totais e detinham 23,5% da área total; em 1996, o número de estabelecimentos nessa faixa foi reduzido, representando apenas 89,3% e, portanto, apenas 20% da área total. Em contraposição, os estabelecimentos com área superior a 1.000 hectares representavam, em 1970, 0,7% do total e detinham 39.5% da área total; em 1996, passaram a representar 45% da área total em nosso País.  

Esses dados demonstram claramente que houve uma redução significativa, de mais de 3%, da área total de estabelecimentos com menos de 100 hectares. Por outro lado, houve um crescimento do latifúndio improdutivo, imoral, em mais de 5%.  

Sr. Presidente, diante desse gigantesco lance de marketing do Presidente da República, em um documento belíssimo e poético, intitulado "Terra Prometida - Missão Cumprida", que, claro, é um desacato para todos nós, cristãos, que sabemos a verdadeira marcha, como a dos povos oprimidos, segundo a Bíblia, de milhares de trabalhadores sem terra que perambulam pelas estradas deste País, expostos à criminalidade e à irresponsabilidade do Governo Federal.  

Para finalizar, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, lembramos hoje as vítimas de Eldorado dos Carajás e de tantas outras do latifúndio imoral e improdutivo. Lembramos e lutamos para que isso nunca mais aconteça! Lembramos como uma forma de nos solidarizarmos com os sonhos de tantos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra que, espalhados por este Brasil, perambulam pelas estradas ou são empurrados às favelas, mas sonhando e lutando por um pedaço de chão para viver, trabalhar e criar os seus filhos.  

Nada, certamente, nos emociona mais, a todos nós que acompanhamos a luta pela Reforma Agrária, do que observarmos, em muitos lugares, depois do dia de luta, da ocupação, da submissão, da tortura, do seqüestro, da violência, a transformação do latifúndio improdutivo em terra produtiva, em função da ação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, da CPT e da Contag, que representam, hoje, o espírito de fraternidade, de solidariedade, de milhares de pessoas.

 

Nunca me esqueço, há muitos anos, nas primeiras ocupações feitas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra na minha querida Alagoas, Senador Tião Viana, depois de tanta violência, causando a morte de companheiros sem terra, quando passava, muito cedo ainda, por uma das estradas onde havia um assentamento e os trabalhadores vieram me mostrar, com tanta alegria, o que representavam as suas pequenas colheitas. Eu não sabia se brilhava mais o orvalho no pé de mandioca ou a lágrima nos olhos do velho trabalhador rural, que me mostrava, com tanto orgulho, a sua produção, o sustento da sua família.  

Portanto, se hoje choramos os nossos mortos, espero que amanhã, dia 17, possamos celebrar a luta de todos os trabalhadores de Eldorado dos Carajás, celebrar a vida e saudar o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, a CPT a Contag e tantos movimentos de trabalhadores sem terra e com terra, trabalhadores espelhados por este País, que repetem, no digno cotidiano da luta, aquela velha frase de Dom Pedro Casaldaglia: "malditas sejam todas as cercas que nos impedem de viver e de amar no nosso Brasil".  

 

 ¿ eÅ pÕ @ > asília, por exemplo, num dos mais tristes e lamentáveis episódios ocorridos nos últimos anos em nossa cidade, tivemos o assassinato do menor Marco Antônio Velasco, que foi perpetrado por uma gangue de rapazes. Um deles, menor de idade, foi punido, encarcerado e permaneceu três anos na cadeia, porque era isso que permitia o Estatuto da Criança e do Adolescente. Por outro lado, precisamos chamar a atenção para as péssimas condições em que esses menores são encarcerados e tratados no momento em que sofrem esse tipo de pena. Não podemos permitir que o menor, ao ser retirado do convívio da sociedade para cumprir a pena pelo crime que cometeu - e deve cumpri-la -, permaneça em instalações absolutamente inadequadas à sua correção e, na verdade, mergulhe em verdadeiras escolas do crime, que é o que são esses centros de recuperação e correção de menores. Temos o exemplo do Cage, no Distrito Federal, que, ao invés de servir para a recuperação, serve para introdução, na maioria das vezes de forma permanente, do menor no mundo criminoso. Afora esse aspecto, quero dizer que não é verdadeira a crença de que o menor no Brasil é absolutamente impune, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê a possibilidade da sua punição. Mas o que me parece preocupante nessa proposta pura e simples de reduzir a idade penal de 18 para 16 anos? O que me preocupa muito é que se, por um lado, é absolutamente justificável que o menor, a partir de 16 anos, seja condenado da mesma maneira que seria se fosse maior de 18 anos, pelo cometimento dos crimes hediondos - homicídio, latrocínio, extorsão com morte, extorsão mediante seqüestro, estupro e epidemia com resultado de morte -, por outro lado, precisamos entender que, ao baixar a idade da imputabilidade penal de 18 para 16 anos, levaríamos esses adolescentes a responder por mais 70 crimes. E chamo atenção dos colegas Senadores para o fato de que, ao simplesmente reduzir a idade de imputabilidade penal, estaríamos sujeitando esses adolescentes com idade entre 16 e 18 anos, por exemplo, a serem processados pelos seguintes crimes: abandono de incapaz, com detenção de até 3 anos; violação de comunicação telegráfica, rádioelétrica ou telefônica, detenção de até 3 anos; estelionato, detenção de até 5 anos; violação de direito autoral, detenção de até 1 ano; ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo, detenção de até 1 ano; impedimento ou perturbação de cerimônia funerária, detenção de até 1 ano; violação de sepultura, detenção de até 3 anos; sedução, detenção de até 4 anos; ato obsceno, detenção de até 1 ano; registro de nascimento inexistente, detenção de até 6 anos; entrega de filho menor a pessoa inidônea, detenção de até 2 anos; falsificação de documentos públicos, detenção de até 8 anos; falsidade ideológica, detenção de até 5 anos; falso reconhecimento de firma, detenção de até 5 anos; desacato, detenção de até 2 anos; tráfico de influência, detenção de até 5 anos, auto-acusação falsa, detenção de até 2 anos, e falso testemunho, detenção de até 3 anos. Caros colegas Senadoras e Senadores, tenho absoluta convicção de que apesar do altíssimo nível de informação e conhecimento que detém os colegas Senadores, esses pouco mais 15 casos de possibilidade de apenamento eram de muitos dos aqui presentes até desconhecidos ou, se não fossem desconhecidos como práticas de atos criminosos, seriam desconhecidos pela extensão da pena. E, aí, pergunto o seguinte: será que é justo que, ao baixarmos a idade, um jovem de 16 anos passe a ser passível de um processo penal e criminal e possamos sujeitá-lo à possibilidade de responder por todos esses crimes? Tenho certeza de que, se fizermos uma pesquisa em nosso País, 99% dos jovens não têm nem sequer, neste momento, a visão de que são práticas criminosas e, pior, que o seu cometimento pode levar a sentenças que os privariam da liberdade por prazo de até oito anos. Mais do que isso, muitos desses crimes independeriam de acusação, porque o Ministério Público teria o dever de abrir o processo e processar o infrator, já que é uma das suas atribuições. Trago esse assunto, Sr. Presidente, porque julgo que o Senado não pode ficar indiferente à questão do envolvimento do menor na prática criminosa, já que as conseqüências para a sociedade são as piores possíveis: em primeiro lugar, pelo agravamento da violência; em segundo lugar, pela deformação que provoca nesses jovens de 16, 17 anos, muitas vezes de forma definitiva, o ingresso no triste universo do crime. O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Permite-me V. Exª um aparte? O SR. LUIZ ESTEVÃO (PMDB-DF) - Ouço V. Exª, com muita satisfação. O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Senador Luiz Estevão, acompanho com muita atenção a exposição que V. Exª faz nesta manhã sobre a violência no País. V. Exª trata de diversos aspectos da violência, desde a não-participação da sociedade, a falta de condições de vida, a pobreza, o aparato policial que, em alguns lugares, não é o melhor, até a falta de estrutura e de condições dos presídios para abrigar os condenados. V. Exª concentra sua maior atenção na redução da idade de imputabilidade penal para 16 anos e suas conseqüências. Apesar de todas as informações, das novas tecnologias, dos meios de comunicação, confesso que estou recebendo de V. Exª uma aula, na manhã de hoje. Temos que ter muito cuidado ao examinar como e até onde devemos ir ao aumentar o campo da aplicação da imputabilidade para os 16 anos. Concordo com V. Exª: se fizéssemos uma pesquisa hoje, iríamos, sem dúvida alguma, para um percentual em torno de 99%. Ninguém quer aplicar a crianças praticamente punições dessa ordem. Outro ponto a ser avaliado é o fato de que alguns menores são usados por quadrilhas que sabem que eles vão praticar o crime e não serão punidos. Precisamos responsabilizar mais. Vou concluir, porque vejo que a Mesa já alerta para o tempo. Quanto à questão da pobreza, o nosso Partido vem tentando buscar novas saídas. De acordo com a Fundação Pedroso Horta, "um grande problema para os brasileiros, hoje, é o trabalho, é o fundamento da riqueza coletiva". Há falta de trabalho muitas vezes. E diz mais: "A sociedade brasileira é muito mais injusta do que pobre." Veja bem a amplitude dessa frase. O percentual de jovens que não têm acesso ao trabalho é muito grande, e existem aqueles que, dos 18 aos 24 anos, gostariam de fazer um curso superior e não encontram vagas. Por isso, cumprimento V. Exª quando aborda, com muita propriedade, o tema da violência no Brasil, nos dias de hoje. O SR. LUIZ ESTEVÃO (PMDB-DF) - Agradeço a V. Exª, Senador Casildo Maldaner, o enriquecedor aparte, bem como a generosidade das suas palavras. V. Exª é um dos Senadores de maior traquejo desta Casa de leis, inclusive membro de sua Mesa Diretora. As informações que trago aqui, longe de constituírem uma aula, são uma modesta contribuição para que esse assunto, como V. Exª disse, seja analisado com a devida prudência. A iniciativa do Senador Mozarildo Cavalcanti, por exemplo, é extremamente pertinente na minha visão. É claro que temos que aplicar uma punição maior, como agravante da pena, àqueles que se usam de menores para a prática de crimes. Classificar como crime hediondo é uma idéia perfeita, porque, a partir daí, evidentemente, poderemos dar o primeiro passo para que os menores não sejam vítimas muitas vezes da própria ingenuidade e, principalmente, da pobreza, porque é a pobreza que faz com que eles, neste caso, sejam instrumentos do crime organizado. Não é o fato de serem pobres que os torna criminosos, mas o fato de serem pobres torna-os vítimas da possibilidade de serem seduzidos pela conversa de ganhar algum dinheiro com o envolvimento em práticas criminosas. Acredito que é um passo fundamental, como também acredito que precisamos discutir essa questão da redução da idade mínima para a imputabilidade criminal. Defendo essa prática e apresentarei no Congresso, em breves dias, uma proposta no sentido de que seja reduzida a idade da imputabilidade penal... O SR. PRESIDENTE (Jonas Pinheiro. Fazendo soar a campainha.) Senador Luiz Estevão, o tempo de V. Exª já está ultrapassado em 5 minutos. O SR. LUIZ ESTEVÃO (PMDB-DF) - Muito obrigado, Sr. Presidente, estou concluindo. Dizia que a deveria haver a redução da idade para 16 anos, mas, apenas, nos caso dos crimes hediondos. E por que isso? Porque os crimes hediondos, conforme já nominei aqui, são crimes que qualquer menor tem plena consciência de que, ao fazê-lo, está praticando um crime e estará, portanto, no dever de ser responsabilizado pelo que comete. Ainda ontem, nos Estados Unidos, houve o caso da condenação de um jovem de 16 anos, que matou uma criança de 11 anos e que foi condenado a setenta anos de prisão. É claro que não podemos dizer que esse jovem, ao matar uma criança, não sabia que estava praticando um at

o criminoso. Por outro lado, sou contra a redução da imputabilidade penal para 16 anos no caso desses setenta crimes previstos no Código Penal, dos quais nominei aqui apenas 15 para não me tornar muito longo. Tenho certeza de que, ao fazer isso, estaríamos sujeitando o menor a uma grande fragilidade, muitas vezes por crimes sem relevância em relação à sua idade e jogando-o nessa lama que são os institutos correcionais para menores do nosso País; estaríamos, quem sabe, fazendo do menor que cometeu um leve delito um criminoso para toda a vida.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1999 - Página 8414