Discurso no Senado Federal

HISTORICO DA MARCHA DOS TRABALHADORES DO MOVIMENTO DOS SEM TERRA CONTRA A VIOLENCIA NO CAMPO, QUE CULMINOU COM A TRAGEDIA DE ELDORADO DOS CARAJAS. ANALISE DA QUESTÃO AGRARIA BRASILEIRA.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA AGRICOLA.:
  • HISTORICO DA MARCHA DOS TRABALHADORES DO MOVIMENTO DOS SEM TERRA CONTRA A VIOLENCIA NO CAMPO, QUE CULMINOU COM A TRAGEDIA DE ELDORADO DOS CARAJAS. ANALISE DA QUESTÃO AGRARIA BRASILEIRA.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1999 - Página 8446
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, ANIVERSARIO, HOMICIDIO, SEM-TERRA, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • DENUNCIA, IMPUNIDADE, REU, HOMICIDIO, SEM-TERRA.
  • CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO FEDERAL, VIOLENCIA, CAMPO, APLICAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, REFORMA AGRARIA.
  • CRITICA, POLITICA AGRICOLA, INSUFICIENCIA, PRODUÇÃO AGRICOLA, BRASIL.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por quase todos os Estados do Brasil, os trabalhadores rurais estão realizando marchas ou atos públicos em protesto contra a violência no campo e a impunidade, e na defesa da reforma agrária. Amanhã, 17 de abril, completam 3 anos da chacina de Eldorado dos Carajás que vitimou 19 lideranças e trabalhadores rurais num ato brutal e covarde da polícia militar do Estado do Pará.  

Em poucas palavras, vou lembrar as circunstâncias em que o massacre ocorreu. Eram trabalhadores rurais que, dois anos e oito meses antes dessa data, foram expulsos pela Companhia Vale do Rio Doce de áreas que a Vale dizia serem suas. Esses trabalhadores expulsos acamparam, durante oito meses, em Parauapebas, esperando a decisão do INCRA para que fossem assentados.  

Cansados de esperar em Parauapebas, mudaram-se para Marabá, invadiram a sede do INCRA e permaneceram acampados por mais exatamente oito meses. Foi a época, inclusive, em que Lula era candidato a Presidente da República e visitamos o acampamento desses sem terras no INCRA de Marabá.  

Depois de uma longa espera de dezesseis meses, esses trabalhadores, em acordo com o INCRA, voltaram a Parauapebas e acamparam na fazenda Rio Branco. Após um longo processo de negociação, essa fazenda foi desapropriada, mas não atendeu à necessidade de todos. Grande parte desses trabalhadores ficou desalojada e transferiu seu acampamento para o Município de Curionópolis. Estivemos lá, juntamente com o Presidente do INCRA à época, José Francisco Graziano, conversamos com os trabalhadores - estive presente ao ato público realizado naquele Município - e ele prometeu que, em sessenta dias, traria uma resposta aos trabalhadores. Isso aconteceu em outubro de 1995.  

Depois de uma espera de quase dois anos, o Dr. Graziano foi demitido em função de conversas telefônicas, coisas do Governo, e o INCRA não cumpriu o seu compromisso. Os trabalhadores, cansados de esperar, saíram em marcha para Belém do Pará, onde pretendiam protestar contra a morosidade do Governo. Fatigados pela caminhada - havia muitas crianças, homens e senhoras idosas - constataram que precisavam do auxílio do Governo para chegarem até Belém. Buscando atendimento, fecharam a PA-150 e solicitaram ao Governo do Estado transporte e alimentação. Este, ao invés de lhes responder com uma negociação, ao invés de chamar políticos que têm a confiança do movimento social - poderia ser eu, a Deputada Socorro Gomes, o Deputado Giovanni Queiroz, Paulo Rocha, entre tantos outros -, preferiu mandar a polícia para desobstruir a estrada a qualquer custo. Nesse momento, ocorreu o ato que todos condenamos: dezenove trabalhadores foram barbaramente assassinados. Eu, inclusive, estive com uma comissão de Senadores e Deputados Federais, no dia imediato ao fato, verificando as condições daqueles trabalhadores.  

Lamento, que serão pretensamente julgados apenas os policiais militares envolvidos. O Secretário de Segurança do Estado do Pará continua o mesmo e o comandante da polícia esteve no cargo durante os quatro anos do Governo de Almir Gabriel, o qual, lamentavelmente, o Poder Judiciário isentou de culpa.  

Essa chacina é na verdade mais uma mancha na história do País, ao lado de outras matanças promovidas pelo Estado, como a matança do Presídio Carandirú, em São Paulo, onde foram mortos 111 presos e a de Corumbiara, em Rondônia, vitimando 11 trabalhadores rurais, todas ocorridas por ação da polícia militar.  

A impunidade, a negligência do governo somadas a uma inadequada política agrária, são os principais responsáveis pela permanência da violência no campo, nos termos graves em que se encontram.  

Somente no Estado do Pará, nos últimos 30 anos foram assassinados cerca de 700 trabalhadores rurais, entre lideranças, advogados, religiosos padres e freiras, incluindo dois Deputados, um deles do meu partido e no exercício do mandato, Deputado João Carlos Batista, em dezembro de 1988. O inquérito desse assassinato até hoje não foi concluído. Também o Deputado Paulo Fonteles e tanta outras lideranças foram assassinadas ao longo desses últimos anos. A maioria dos responsáveis estão impunes e os poucos processos ou inquéritos existentes estão praticamente parados, sem o menor empenho das autoridades.  

As exceções ficam por conta daqueles processos cuja repercussão ferem a imagem do Brasil, internacionalmente - é o caso de Chico Mendes, em que se chegou a uma solução.  

Um outro exemplo é o próprio processo sobre a chacina de Eldorado do Carajás, onde serão julgados 154 policiais militares e três civis. Comparado ao ritmo normal dos processos judiciais do gênero, o de Eldorado está tramitando em tempo razoável (embora este razoável seja três anos), considerando que o Tribunal de Justiça do Pará está prometendo a realização do julgamento para o próximo mês de maio - espero que assim o cumpra -, após a brilhante decisão do Superior Tribunal de Justiça de promover o desaforamento do julgamento para Belém. Antes o julgamento seria realizado no município de Marabá, região do conflito, sujeito a forte pressão dos latifundiários.  

Para se ter uma idéia do que estou dizendo, o processo que apura as responsabilidades da morte de oito trabalhadores rurais na Fazenda Ubá, ocorridas em 1985, também no sul do Pará, até hoje tramita, sem que se vislumbre a sua conclusão.  

A violência no campo brasileiro ainda traz números assustadores, especialmente se levarmos em conta que estamos às portas do terceiro milênio. Considerando levantamentos divulgados em publicação da Comissão Pastoral da Terra - CPT, no ano de 1997 foram constatadas as existências de 658 conflitos de terra no País, envolvendo 95.421 famílias. Foi o maior número de conflitos registrados no espaço de um ano, de 91 para cá.  

Enquanto o próprio Presidente da República Senhor Fernando Henrique Cardoso, estimular o uso da força policial para expulsar trabalhadores, como fez no seu discurso de instalação do Banco da Terra, teremos novos corumbiaras e novos eldorados.  

A incidência de trabalho escravo no campo é outra excrescência, própria de relações deterioradas de trabalho, cuja a existência somente a permissividade da miséria e da impunidade, possibilita sua existência nos dias atuais.  

No ano de 97 o Ministério do Trabalho constatou a prática de trabalho escravo envolvendo 450 trabalhadores, somente no Estado do Pará. Recentemente no Município de São Félix do Xingu, no Pará, foi confirmada uma denúncia de trabalho escravo envolvendo 150 trabalhadores.  

O governo precisa compreender que a questão agrária é a própria questão social do País, e pode significar também a principal estratégia de desenvolvimento.  

Poderia aqui, durante horas, citar números da violência no campo brasileiro e descrever casos escabrosos que ocorreram e continuam ocorrendo todos os dias, fruto da luta pela posse da terra.  

Parece-me oportuno refletirmos um pouco sobre a nossa estrutura agrária.  

A especulação imobiliária e principalmente a adoção de políticas agrícolas inadequadas que impossibilitam ao pequeno e médio produtor fixar-se no campo, tem provocado nos últimos anos uma crescente concentração de terras nas mãos de poucos e um êxodo rural assustador.  

Baseado em dados do IBGE, divulgados ainda no ano passado, entre os anos de 1985 e 1995 o número de estabelecimentos agropecuários existentes no País, diminuiu de 5.8 para 4.8 milhões, numa demonstração clara de concentração de terra. Estão desaparecendo as pequenas propriedades.  

As consequências dessa crescente concentração de terra são desastrosas para o País e precisa ser revertida. Em onze anos, o campo brasileiro perdeu mais de 5 milhões de postos de trabalho. Em 1985 existiam pouco mais de 23 milhões de pessoas ocupadas em atividades agropecuárias. Já em 95 este número caiu para 18 milhões de pessoas. E este quadro continua se agravando. Em levantamento feito pelo próprio IBGE, em 1996 constatou-se a redução de mais um e meio milhão de postos de trabalho, ante 1995.  

Ora, a rapidez desse processo anula todo esforço do atual governo que, segundo dados oficiais, entre 1995 e 1998, assentou 287 mil famílias de trabalhadores rurais. Estes assentamentos foram realizados especialmente na gestão do Ministro da Reforma Agrária Raul Jungman. É louvável o esforço do governo, porém, assentar não basta.  

Torna-se necessário que os assentamentos agrários sejam dotados de toda infra estrutura necessária: estradas; estrutura social (escola, posto de saúde, entre outros); financiamentos para a produção; assistência técnica e acesso a tecnologias. Tudo isso dentro de uma política nacional agrária e agrícola.  

O IBGE detectou, neste mesmo período, uma queda na produção agrícola. Podemos atribuir isso principalmente a dois fatores. O primeiro está ligado a migração dos grandes produtores para a pecuária. Criar gado requer menos trabalho, menor investimento e menor risco do que a agricultura. Outro fator é o crescimento das importações em detrimento das exportações. A produção de algodão é um bom exemplo. O Brasil que foi um dos maiores exportadores de algodão do mundo, hoje figura entre os principais importadores.  

É óbvio que a facilidade das importações associadas ao pouco e inadequado investimento em agricultura, especialmente voltado ao pequeno e médio produtor, está visceralmente ligada ao processo de expulsão do trabalhador do campo para as periferias dos grandes centros. Falo aqui, especialmente do pequeno produtor, daquele mais fraco que não tem acesso a financiamento e a tecnologia. E mesmo aqueles assentados pelo INCRA, aos quais não foram dadas as condições necessárias para chegarem ao auto sustento.  

Muitos trabalhadores deixam o campo pela falta de um conforto mínimo. No campo, eles não têm saúde, escola, televisão, energia, nem a possibilidade do acesso à informação para os seus filhos.  

Atualmente, além das pessoas do campo, até os índios querem ter energia, televisão e rádio na taba, ou seja, a possibilidade de acesso à informação. Se não se interiorizar o desenvolvimento, se não levarmos a energia elétrica até eles, possibilitando conforto à população, é evidente que ela tem que migrar para o grande centro urbano na busca dessa oportunidade, que é uma necessidade do ser humano.

 

A questão é de decisão política. Com as mudanças cambiais e a valorização do dólar frente ao real, as importação estão sendo desestimuladas. Se houvessem investimentos maciços do governo especialmente voltados aos pequenos agricultores, poderíamos dar passos seguros na reversão desse processo. E digo mais. Apesar do abandono, a pequena e média propriedade ainda é responsável pela maior parte da produção agrícola, especialmente de alimentos. No meu estado, segundo levantamento, o valor da produção agrícola e pecuária nas propriedades de até 25 hectares, por tanto, as minipropriedades, são responsáveis por 60% do valor econômico de toda produção agrícola e agropecuária de Estado.  

O aumento no número de assentamentos rurais, fruto da pressão da sociedade, precisa também ser dotado de crescimento qualitativo. A maioria das famílias assentadas estão literalmente abandonadas a própria sorte. No sul e sudeste do meu Estado existem 217 assentamentos do INCRA, envolvendo quase 60 mil famílias de trabalhadores rurais. Nesta mesma região cerca de 30 mil famílias estão acampadas aguardando a desapropriação ou a aquisição de áreas para serem assentadas. Pois bem, de todas essas famílias, apenas 15% se beneficiam do crédito rural. Em vista disso, as entidades que defendem a reforma agrária estão organizando, em Marabá, uma grande mobilização que terá início em 26 de abril, uma segunda-feira, para pressionar as autoridades em busca dos seus direitos. A manifestação será coordenada pela Fetagri, pelos sindicatos de trabalhadores rurais da região sul e sudeste do Pará, Associações de pequenos produtores e de assentados, pela CPT, pelo CEPASP, pela FASE e pela SDDH.  

Os avanços obtidos no atual governo se devem sobretudo à organização dos trabalhadores no campo que passaram a pressionar o Estado e a denunciar a violência. A passeata dos sem terra ocorrida em abril de 1997 foi sem dúvida, o maior movimento popular dos últimos anos e um marco nessa luta.  

Os recursos destinados ao programa de reforma agrária têm sido insuficientes para atender a demanda. No orçamento da união para 1999, o governo cortou 44% do volume de recursos para a reforma agrária, na sua segunda versão do Orçamento. O valor executado no subprograma Reforma Agrária caiu de 1997 para 1998 e agora para 1999 a previsão é bem pior.  

Entretanto, nesta semana o governo anunciou uma série de medidas que apontam para mudanças significativas na política agrária que vem sendo executada. O Banco da Terra, instalado em solenidade no Palácio do Planalto, abre a possibilidade da aquisição de terras produtivas, por indicação de trabalhadores rurais e pequenos produtores, bem como, o processo de descentralização buscando envolver estados e municípios, em várias etapas da reforma agrária, inclusive conselhos com participação da sociedade, são iniciativas que poderão trazer importantes avanços. Mas não pode o Governo querer impor à sociedade da sua forma de executar a reforma agrária, como está fazendo atualmente.  

Banco da Terra, por exemplo, está sendo questionado pelo MST, pela CONTAG e pela CPT, além de inúmeros outros movimentos sindicais, interessados diretamente no processo de reforma agrária.  

O Governo não pode impor a sua vontade, sem discutir e avaliar com os movimentos sociais que, na verdade, são aqueles que estão conquistando esse processo de reforma agrária.  

Com relação à interiorização da reforma agrária, particularmente acredito ser extremamente positivo. Só espero que, à semelhança, não se faça como se fez com o SUS, onde o governo transfere a responsabilidade, mais não transfere o recurso necessário para desenvolver ação. É preciso que se concretize o desejo de quem está na base esperando uma oportunidade de terra para morar e produzir.  

Espero que realmente, a descentralização da reforma agrária se dê com a participação da coletividade, tornando uma esperança nova e que as decisões partam da base do município, sendo concretizadas mediante a sua solicitação. Mas não falte a estes municípios o recurso necessário para sua efetivação, e que não se prefeiturize, à semelhança do que aconteceu com o SUS. Muitos dos recursos destinados ao Sistema Único de Saúde e aos conselhos de saúde, são praticamente comandados e manipulados por prefeitos municipais, deixando, portanto, de ter a participação da sociedade.  

A descentralização da reforma agrária precisa ser aprofundada. Não se pode correr o risco de errar. O Governo Federal precisa se dispor a discutir previamente com os segmentos organizados do campo.  

Se não houver o direcionamento correto dos investimentos na produção, a simples transferência das terras produtivas das mãos de latifundiários para as mãos de pequenos produtores, não resolverá a questão. Poderá onerar o Estado e endividar o pequeno agricultor, sem, no entanto, aumentar a produção agrícola nacional. Neste caso, o único beneficiado será o proprietário que vendeu a terra, naturalmente por um preço melhor que encontraria no mercado normal.  

É sabido que a reforma agrária feita nos moldes tradicionais, utilizando os preceitos constitucionais que possibilitam a desapropriação das grandes propriedades improdutivas, tem custado muito aos cofres públicos, considerando as indenizações impostas por decisões judiciais ou mesmo algumas negociações prévias ocorridas entre fazendeiros e o próprio INCRA local, com denúncias de casos de vistorias fraudulentas, entre outros mecanismos.  

Neste sentido, estou apresentando dois Projetos de Lei que objetivam melhorar as condições da desapropriação de terras para fins de reforma agrária. No primeiro, proponho a proibição do pagamento de juros compensatórios e também a indenização de cobertura florística, porque é um verdadeiro absurdo o que se faz neste País. O cidadão tem a terra desapropriada por ser improdutiva, portanto, não fazia o uso devido da sua terra. Todavia, os proprietários têm ido à justiça, que em alguns casos, tem concedido o pagamento de juros compensatórios, decorrentes do tempo em que ficou privado da sua propriedade até o período em que recebeu o dinheiro. È certo que, feita a desapropriação receba atualização monetária da sua indenização, mas nunca juros compensatórios. O Governo, por Medida Provisória, baixou esse juros de 12% para 6%. No nosso Projeto, cancelamos, definitivamente, esse juros.  

Também o pagamento de cobertura florística, considero indevido, pois, muitos latifundiários desapropriados, que não exploravam a mata nativa, recorrem ao judiciário, na busca de indenizações volumosas sobre a floresta que lá já existia, e que foi a natureza que a fez crescer. Ora, se eles não faziam nenhuma exploração sobre estas florestas não é justo que agora, no momento da indenização, queiram receber também sobre o valor da cobertura vegetal.  

O próprio Governo tem contestado isso, mas alguns segmentos do sistema judiciário, tem dado ganho de causa a latifundiários desapropriados. Dessa vez colocamos isso na Lei, acabando definitivamente com esse tipo de pagamento.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA) - Concedo o aparte ao Senador Tião Viana, com muita satisfação.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Eminente Senador Ademir Andrade, eu gostaria apenas de cumprimentá-lo por esse pronunciamento tão lúcido e responsável com relação ao desenvolvimento amazônico; um ato de solidariedade à população do Pará e ao Movimento dos Sem-Terra, que encontrou aquela tragédia em sua trajetória de caminhada em favor de um Brasil justo e verdadeiro na política agrária, principalmente. Quero dizer que lamento profundamente que as autoridades deste País não tenham feito como V. Exª: ir àquelas áreas de conflito testemunhar os gritos de perda e de sofrimento daquelas famílias. Lamento profundamente que o nosso País não tenha senso de prioridade. Muitas vezes esse argumento claro que V. Exª coloca, de que se confunde a desresponsabilização com a descentralização, é uma prática das políticas públicas do País. Espero, sinceramente que na política de reforma agrária não se manifeste essa prática. Temos alguns exemplos que poderiam ser seguidos de modo imediato. O Governador do Acre, Jorge Viana, quando prefeito de Rio Branco, apresentou um projeto alternativo de reforma agrária no qual os pólos agroflorestais acomodavam famílias em pequenas propriedades de 3 a 5 hectares. A renda média dessas famílias chegou a ser de R$600,00 por mês, mostrando que é possível fazer isso. Imaginem cinco mil prefeituras, cada uma assentando 100 famílias, teríamos 500 mil famílias assentadas, diminuindo em muito os conflitos por terra e, principalmente, por uma terra injustamente cobiçada, como é a terra produtiva. O latifundiário de terras improdutivas se mostra dono daquilo que não produz e para o qual não contribui. V. Exª faz uma análise muito clara desse modelo de reforma agrária. Não é apenas um grito de solidariedade. E acredito que o Estado do Pará, por ser um Estado historicamente combativo, com sangue que corre de fato nas veias - fui militante estudantil no Pará e testemunho a força e a qualidade das lideranças -, tem muito a ganhar com a permanência de V. Exª, discutindo e debatendo sempre esse modelo de justiça para aquela região tão rica do Brasil. Parabéns a V. Exª.  

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA) - Agradeço a manifestação de V. Exª, Senador Tião Viana.  

No outro Projeto, modifico a forma de expropriação e desapropriação para fins de reforma agrária, das áreas onde forem encontradas a cultura de plantas psicotrópicas - a famosa maconha, dentre outro. E acrescento à prática de trabalho escravo e infantil. Por ser a única forma de intimidar proprietários que utilizam do trabalho escravo, que arregimentam trabalhadores nessa extrema situação de dificuldade em que vive o povo brasileiro, prendendo-os em função dos seus débitos - da passagem, do rancho e de outras coisas - , que é sempre maior que o produto do esforço físico de cada um desses trabalhadores, estamos propondo que a terra, onde for comprovado o trabalho escravo seja também desapropriada para fins de reforma agrária.

 

Para finalizar, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de tecer uma última opinião sobre a questão agrícola. A produção de grãos no Brasil, no período 1997/98, foi de 77 milhões de toneladas. A meu ver, isso representa apenas 10% da nossa capacidade. O potencial agrícola brasileiro está praticamente reduzido a zero e, no Governo Fernando Henrique Cardoso, caiu vertiginosamente. Já chegamos a produzir 83 milhões de toneladas de grãos no Brasil. Hoje, parece-me que a produção chega a cerca de 80 milhões de toneladas de grãos.  

É preciso que se faça uma comparação, nobre Senador Pedro Simon, que preside esta sessão. A França, com um território dezessete vezes menor do que o Brasil e duas vezes e meia menor do que o Estado do Pará, atinge uma produção anual de 60 milhões de toneladas de grãos por ano e possui um grande rebanho bovino. A suinocultura tem prioridade absoluta naquele país. A terra é ocupada pela pecuária, pela suinocultura e pela produção de grãos. Enquanto que o Brasil, com esta imensidão, com uma população duas vezes e meia maior do que a população da França, produz parcos R$80 milhões de toneladas de grãos.  

Por isso, afirmo que a nossa capacidade produtiva hoje está restrita a 10% do nosso potencial. No mundo todo, a agricultura é subsidiada. No Brasil, isso não acontece. Aqui, o produtor, além de pagar, tem de assumir os riscos do seu trabalho. Precisamos modernizar a nossa produção agrícola. Tenho dados interessantes, que considero positivos para o Brasil e que funcionam basicamente no Sul do País. Por exemplo: apenas 5,6% das propriedades rurais usam algum tipo de irrigação. Já é uma grande coisa, se considerarmos que a nossa Região Norte usa menos de 0,1% de irrigação. Uma em cada dez propriedades dispõe de trator, enquanto uma em cada cinco tem acesso à assistência técnica. Na nossa Região, esse percentual não chegaria nem a 0,5%. A energia elétrica só existe para 33% das propriedades, na região norte não atingindo nem 1%.  

A agricultura e a reforma agrária devem ser encaradas como prioridade absoluta nos investimentos brasileiros. Nelas estão a chave do nosso desenvolvimento.  

Dou aqui a minha contribuição ao Governo brasileiro no processo de facilitação da reforma agrária, apresentando esses dois projetos de lei, que diminuirão os recursos aplicados no processo de desapropriação e farão justiça aos nossos trabalhadores.  

Fica, portanto, Senador Pedro Simon, a nossa homenagem a todos aqueles que, no País inteiro, amanhã, estarão participando dos movimentos em protesto, relembrando o crime bárbaro ocorrido em Eldorado dos Carajás, no dia 17 de abril de 1996.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1999 - Página 8446