Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES DA ABERTURA ECONOMICA BRASILEIRA.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • REFLEXÕES DA ABERTURA ECONOMICA BRASILEIRA.
Aparteantes
José Alencar, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/1999 - Página 8501
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • ANALISE, ABERTURA, ECONOMIA, BRASIL, EFEITO, MODERNIZAÇÃO, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, PREJUIZO, FALTA, PROTEÇÃO, SETOR, AGRICULTURA, INDUSTRIA.
  • REGISTRO, FALENCIA, CULTIVO, ALGODÃO, PRODUÇÃO, CALÇADO, INDUSTRIA TEXTIL, CONCORRENCIA DESLEAL, SUBSIDIOS, PRODUTO IMPORTADO, ANALISE, FALTA, TARIFA ADUANEIRA, AUMENTO, CUSTO, BRASIL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, DEFINIÇÃO, CONTROLE, SENADO, ALTERAÇÃO, ALIQUOTA, TRIBUTOS, EXECUTIVO.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das mudanças mais importantes que ocorreram no País nos últimos tempos foi, sem dúvida, a abertura econômica, para o bem e para o mal: para o bem, porque, indubitavelmente, ao derrubar barreiras, o Governo criou e extinguiu reservas de mercado, favoreceu o processo de modernização da economia, de aumento da produtividade e, portanto, deu um passo adiante para que a economia do País, de modo geral, tivesse um salto de qualidade; para o mal, porque pontualmente, Sr. Presidente, essa abertura foi feita mediante um escancaramento que afetou setores inteiros da economia, tanto no setor industrial, como no agrícola, tanto das regiões mais pobres, como das mais desenvolvidas.  

Ainda semana passada, o Senador Jonas Pinheiro lamentava o que aconteceu com a cotonicultura. O Brasil já foi auto-suficiente e um dos maiores exportadores mundiais de algodão e, hoje, é um dos grandes importadores. Isso aconteceu em parte porque - pelo menos no Nordeste - as áreas produtoras foram afetadas por pragas como o bicudo. Ademais, Sr. Presidente, também se deveu ao escancaramento do qual falava há pouco. Assim, passamos a importar algodão em grande escala, os subsetores – ou as regiões - menos preparadas sucumbiram a enfrentar a concorrência, e o Brasil passou a importá-lo largamente.  

Sr. Presidente, no setor industrial nem se pode falar. Vimos o que aconteceu com a indústria de calçado no Vale dos Sinos, em Franca; vimos o que aconteceu com parte da indústria têxtil nacional. E o que é pior, esses setores foram afetados porque enfrentavam uma concorrência desleal, já que muitas vezes eram subsidiados pelos países exportadores.  

Sr. Presidente, por que tudo isso acontece? Porque o imposto de importação ou tarifa aduaneira, como tradicionalmente é chamado, é um tributo que escapa ao princípio da anualidade por força da própria Constituição, que dá ao Executivo poder muito grande de mexer com essas alíquotas, podendo, portanto, com uma canetada, adotar medidas que afetam gravemente a economia do País.  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Ouço V. Exª com muito prazer, Senador Lúcio Alcântara.  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Senador Jefferson Péres, há muito temos conversado sobre isso; V. Exª sabe que comungo dessa preocupação. A abertura foi um grande fato - para o bem ou para o mal, como disse V. Exª -, mas forçou o nosso sistema econômico a um processo de adaptação que exauriu boa parte das energias do setor industrial, do setor agrícola, afetando também o comércio, e assim por diante. V. Exª começou suscitando o problema do algodão. O que aconteceu? Não sei se com subsídio, ou não, passamos a importar algodão da Grécia, do Paquistão, e, mais, com financiamento de um ano para pagar. Ora, o agricultor aqui quer receber adiantado, antes de entregar a mercadoria, porque não há capital de giro, e o industrial se vê diante da possibilidade de importar o algodão para pagar depois de 12 meses! Isso criou armadilhas. Está aqui um dos mais modernos e operosos industriais do setor têxtil, o nosso colega de Minas Gerais, Senador José Alencar, que conseguiu se organizar com um sistema produtivo capaz de competir com esses preços externos. O que aconteceu? A nossa indústria ficou prisioneira dessa armadilha: ela não compra aqui, porque o preço é alto e não há crédito. Por isso, compra-se fora. Hoje o capital de giro dessas empresas provém do financiamento externo. Na hora em que isso acabar, a indústria terá dificuldade. Por outro lado, nossa cultura sempre foi exportadora. O Brasil não tinha cultura de importação e muito menos condição de enfrentar um processo de integração econômica como esse. Fiz um requerimento pedindo ao Governo que informasse os processos provocados pelo Brasil que estão em andamento perante a Organização Mundial do Comércio, quais já foram resolvidos e qual a decisão. Essa decisão tomada pelo Governo quebrou muita gente. Citou V. Exª o setor têxtil e o calçadista e mostrou que é difícil movimentar essa máquina para fazer representação no fórum próprio. Então, nós temos de tomar consciência disso e aproveitar essa desvalorização para aumentar a nossa pauta de exportação. O produtor brasileiro é ágil, rápido, tem criatividade, mas precisa de um mínimo de condições para competir no mercado internacional. Essa integração econômica, essa globalização não pode ser um instrumento de submissão dos países em desenvolvimento. Precisamos ficar atentos, porque realmente um país do porte do Brasil não podia permanecer com uma economia autárquica, fechada, que queria produzir tudo. Essas condições são extremamente penosas. É difícil competir. Se o Governo não apoiar, dificilmente reverteremos esse quadro. Em suma, não podemos nos deixar levar por essa facilidade de produto barato e disponível, porque, atrás disso, muitas vezes, existe uma série de operações comerciais vedadas pelos acordos comerciais, mas que, na prática, acabam ocorrendo e que inviabilizam a nossa economia. Portanto, quero congratular-me com V. Exª pelo pronunciamento, que é oportuno e tem um sentido de alerta, para que possamos nos inserir nesse processo com as cautelas que a situação recomenda.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Muito obrigado, Senador Lúcio Alcântara. V. Exª toca em um ponto importante, que é o chamado custo Brasil.  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Que só tem aumentado.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Portanto, o produtor brasileiro, agrícola e industrial, não tem condições práticas de enfrentar a concorrência do produto importado. O Governo não pode dar de ombros e dizer simplesmente: "Vire-se, arranje-se". Não é assim, porque não é só o industrial e o produtor agrícola que quebram. Isso tem repercussões econômicas em termos de divisas e repercussões sociais ainda maiores em termos de desemprego.  

O Jornal O Globo , há dois dias, falava - não sei se é anedota ou se é verídico - sobre o problema da importação de coco da Malásia, que teria sido decidida por um funcionário de terceiro escalão.  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Dizem que foi uma confissão feita ao Deputado Alberto Cordeiro: "Não, deixe isso comigo, porque quem redige medida provisória lá sou eu".  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - No entanto, quando o Governo brasileiro pressiona os europeus para acabarem com os subsídios agrícolas, só ouve rotundos "nãos". Ainda há pouco, o Presidente Fernando Henrique Cardoso levou o assunto ao Primeiro-Ministro de Portugal, António Guterres, pedindo que S. Exª interferisse perante a União Européia. Entretanto, o Primeiro-Ministro português, delicadamente, recusou-se a advogar a questão.  

O Sr. José Alencar (PMDB-MG) - V. Exª permite-me um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. José Alencar (PMDB-MG) - Peço esse aparte por duas razões: primeiro, porque V. Exª citou o algodão, a indústria têxtil; segundo, pelo aparte do Senador Lúcio Alcântara, que também enfatizou o problema da indústria têxtil e acabou honrando-me ao citar o meu nome. Por isso, não poderia deixar de solicitar a V. Exª uma participação em seu pronunciamento, que reputo da mais alta significação. Nós nos lembramos de quando o Governo brasileiro começou a promover a abertura da economia. Naquela época, as entidades representativas dos vários segmentos da produção nacional vinham a Brasília, reuniam-se em fóruns ligados àquela questão e argumentavam, levando à consideração do Governo o risco que correríamos com a abertura abrupta da economia. A verdade é que ela, em determinado momento, foi mais gradual e depois alcançou uma velocidade de abertura inconseqüente — para não dizer irresponsável. Todos aqueles que se encontram fora do Congresso Nacional — como estive até ontem — e que militam nas áreas produtivas do Estado, inclusive profissionais liberais, professores, enfim, todos os segmentos da sociedade responsável do nosso País, de vez em quando, reúnem-se e perguntam por que o Brasil, país de dimensões continentais, clima invejável e bacias hidrográficas riquíssimas, de povo bom, trabalhador, ordeiro, pacato, inteligente e versátil, está sempre de chapéu na mão e continua pobre. Isso acontece justamente porque faz maus negócios. Foi muito ruim para a sociedade brasileira e contrariou os interesses da economia nacional esse tipo de abertura indiscriminada e inconseqüente praticada em nosso País. Dizimamos, por exemplo, a atividade da cotonicultura. O Brasil era exportador de algodão. Produzia cerca de 900 mil toneladas. Chegou a produzir mais de um milhão de toneladas. O consumo interno na época — como hoje — girava em torno de 800 mil toneladas. De repente, chegamos a importar 500 mil toneladas, porque realmente a nossa produção caiu, o que foi atribuído ao bicudo. Estados como o Ceará, o Rio Grande do Norte, a Paraíba e Pernambuco eram grandes produtores, com cerca de 200 mil toneladas anuais de algodão. Havia na região o algodão arbóreo e o herbáceo. O arbóreo foi mais atacado pelo bicudo, mas o herbáceo poderia estar protegido pela orientação da Embrapa, novamente representando crescimento da economia rural, oportunidade de trabalho, porque no meio rural onde se cultiva algodão todos os membros da família trabalham na atividade agrícola, até mesmo as mocinhas, principalmente na época da colheita. São famílias pequenas que, com poucos hectares, plantam algodão. Essa é uma atividade, portanto, muito importante também do ponto de vista social no meio rural brasileiro. Não se tem falado no sofrimento da indústria. Agora, por exemplo, para ilustrar os maus negócios que têm sido feitos, posso dizer que somos muito competitivos nesse ramo, mas, há mais ou menos dois meses, ao exportar mercadoria para a Europa, depois dos contratos praticamente fechados, tivemos de reduzir o nosso preço em 10,5%. Por quê? Porque alguns países da Ásia têm o direito de pôr seus produtos no mercado europeu sem alíquota de proteção. Essa alíquota de 10,5%, na verdade, protege a exportação asiática para a Europa em relação aos produtos brasileiros. Tivemos, pois, que reduzir nossos preços em 10,5% para cobrir o custo da alíquota protecionista praticada na Alemanha. E por que isso? Porque temos negociado mal. Quando abrimos, reduzimos as nossas alíquotas; fizemos isso de graça, sem uma permuta sequer para que alguns produtos brasileiros, essenciais à nossa economia, tivessem condições de ingressar naqueles mercados. Em Belo Horizonte, foi realizado o Fórum das Américas, onde estiveram presentes representantes dos países das três Américas, desde o Canadá até o Uruguai. Naquela oportunidade, um empresário da área da citricultura, mais precisamente do suco de laranja, perguntou ao representante americano, quando este defendia a imediata entrada em vigor da ALCA, por que os Estados Unidos ainda cobram US$454 por tonelada de suco de laranja que ingressa no seu mercado? A resposta foi dada em poucas palavras: "para proteger os laranjais da Flórida". Não houve comentário nem se aceitou comentário. Aquela resposta, então, justificava a cobrança dos US$454 por tonelada. Da mesma forma, o açúcar demerara, que entra no mercado americano pagando US$0,34 por quilo, ou seja, quase o preço do mesmo açúcar. Há, no caso, uma proteção de quase 100%. Em Minas Gerais, temos vários tipos de aços especiais, que, para ingressarem no mercado americano, pagam 102% a título de alíquota protecionista. Eu me lembro, por exemplo, de que, quando o México começou a construir um déficit em sua balança comercial – nós, aqui, naquele tempo, começamos a invejar o México – dizíamos, pela voz de nossas autoridades, como o próprio Dr. Francisco Lopes, homem do governo à época, que, hoje, participará da nossa CPI, que "o México já está com 15% de déficit em relação à sua balança comercial, e nós ainda estamos com superávit". Dizíamos isto como se superávit na balança comercial fosse um absurdo, um crime contra nós. Temos, isto sim, Sr. Senador, sido pouco capazes de cuidar dos interesses, dos negócios nacionais. Daí a razão pela qual, com toda essa riqueza que Deus nos deu, não só de recursos naturais como de recursos humanos, estamos sempre de "chapéu na mão". Estou chegando ao Senado e não gostaria, sinceramente, Senador Jefferson Péres, que nós nos transformássemos, aqui, no Senado da República — e é até bom que o Presidente Antonio Carlos Magalhães esteja aqui —, em alguma coisa semelhante ao plenário de uma associação comercial, de uma federação das indústrias, que fazem queixas e mais queixas sem que haja uma solução. Temos de nos lembrar que somos, no mínimo, uma parcela do Poder e que não podemos consentir que continuem a fazer isso com o nosso País. Meus parabéns, Senador Jefferson Péres, pela abordagem oportuna que V. Exª traz.

 

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Muito obrigado, Senador. V. Exª tem toda a razão quando diz que o Senado não se deve transformar em algo como uma associação comercial ou um fórum de debates.  

E é por isso mesmo que fiz este discurso, Sr. Presidente, a fim de comunicar que apresentei projeto de lei, em tramitação na Comissão de Assuntos Econômicos, estabelecendo o controle, pelo Senado Federal, dos aumentos ou reduções de alíquotas, à exceção daquelas decorrentes de Tratados internacionais, como é o caso do Mercosul.  

Não tiro do Poder Executivo a autonomia para agir, podendo elevar ou reduzir alíquotas; contudo, o projeto estabelece que, em 60 dias, o Senado Federal se pronunciará sobre as alterações propostas ou efetivadas, aprovando-as ou rejeitando-as. Se não o fizer no prazo de 60 dias, estará automaticamente aprovada a alteração.  

Penso que o Congresso Nacional não pode abrir mão, não pode ceder ao Poder Executivo...  

O Sr. José Alencar (PMDB-MG) - O Senado há de se pronunciar, inclusive, quando da fixação dessas alíquotas.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Sim, Excelência; o que não podemos é ceder ao Poder Executivo tanto poder, como é o de alterar o imposto de importação.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Senador Jefferson Péres, V. Exª me permite um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - O Sr. Presidente já foi muito tolerante comigo, Excelência; de modo que não sei se permitiria. Eu gostaria muito.  

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Existem outros oradores inscritos, querendo utilizar a palavra.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) – Lamento, Senadora Heloisa Helena.  

Sr. Presidente, está encerrado o meu discurso.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/1999 - Página 8501