Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO HOJE, DO DIA DO INDIO, OPORTUNIDADE PARA REFLEXÕES SOBRE OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELOS PRIMEIROS HABITANTES DO BRASIL.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.:
  • COMEMORAÇÃO HOJE, DO DIA DO INDIO, OPORTUNIDADE PARA REFLEXÕES SOBRE OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELOS PRIMEIROS HABITANTES DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/1999 - Página 8571
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, NECESSIDADE, SOLIDARIEDADE, COMUNIDADE INDIGENA, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, SAUDE, EDUCAÇÃO, JUSTIÇA, CULTURA, CIDADANIA, TERRAS.
  • CRITICA, DESRESPEITO, TERRAS INDIGENAS, NECESSIDADE, URGENCIA, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA.
  • REGISTRO, REIVINDICAÇÃO, TRIBO ASURUI, ESTADO DO PARA (PA), GESTÃO, ORADOR, ATUAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, DEFESA, DIREITOS.
  • NECESSIDADE, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ESTATUTO, INDIO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ESPECIFICAÇÃO, DEMARCAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no dia 19 de abril comemora-se, em nosso País, desde 1943, o Dia do Índio. Nada mais oportuno, na data de hoje em que homenageamos os nossos povos indígenas, do que fazer uma breve reflexão sobre os problemas enfrentados pelos primeiros habitantes do nosso território.  

Território esse cuja formação de seu povo está intrinsecamente ligada à miscigenação das raças branca (do colonizador português), indígena e negra. As três tiveram participação na formação da gente brasileira, embora com matizes muito diferentes, pois os portugueses como conquistadores e colonizadores se apropriaram de terras e gentes subjugando-os economicamente, politicamente e socialmente, impondo sua organização social, sua cultura, costumes, religião, língua; enquanto que os negros chegaram ao Brasil escravizados, tratados como coisas, comprados e revendidos para todas as árduas atividades humanas.  

Já os povos indígenas surgem como óbice para a exploração portuguesa e são afugentados, vilipendiados, massacrados ou escravizados para servir a mão-de-obra do colono luso. Às mulheres indígenas impuseram a força da miscigenação sexual, a fim de se povoar a terra.  

Sr. Presidente, nada mais justo, nesta data, do que manifestar solidariedade aos povos indígenas de nosso País e reconhecer seus direitos humanos originários, como o direito ao usufruto de suas terras, à saúde, à educação, à justiça, à cultura e à cidadania plenas.  

Os povos indígenas no Brasil eram estimados em cerca de 1.400 etnias, na época do descobrimento do País. Atualmente, perfazem pouco mais de 200, o que atesta, de forma inequívoca, a incrível diminuição, a brutal redução sofrida pela diversidade cultural brasileira, ao longo dos quase 500 anos da chegada dos portugueses.  

O último dado populacional divulgado pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI revela que a população indígena em nosso País é estimada em 0,2% da população brasileira.  

Sem dúvida, essa população sofreu um verdadeiro extermínio ao longo dos séculos, caindo dos 3 milhões e meio na época do descobrimento para 206 povos e 325 mil 652 índios. Destes, um levantamento do IBGE em 1995 estimou a existência de cerca de 30 mil índios desaldeados, vivendo nas cidades e periferias das capitais.  

De acordo com dados recolhidos pelo saudoso antropólogo e colega da Casa, Darcy Ribeiro, 55 povos indígenas desapareceram na primeira metade deste século. Com o objetivo explícito de preservá-los, o texto de nossa Carta Magna estabelece que nossos índios tenham respeitados os seus direitos.  

A realidade nos mostra, porém, que, historicamente, as terras indígenas brasileiras, enquanto figuras de direito, têm sofrido múltiplos esbulhos, públicos e privados. Muitas dessas terras foram invadidas e diminuídas e os indígenas sofreram perdas significativas, tanto no que se refere ao tamanho das terras, quanto no que concerne ao seu usufruto.  

Srªs e Srs. Senadores, as bases das sociedades indígenas vêm sendo abaladas. Nenhum de nós ignora que a saúde de um povo indígena tem muito a ver com o usufruto permanente de boas qualidades ambientais em suas faixas de terra, com rios suficientes e limpos, estoques de matas suficientes para caça, roça e colheita, áreas de peregrinação sazonal, entre outras.  

"A terra é, para os povos indígenas, fonte e mãe da vida. O espaço vital, a garantia de sua existência e reprodução ou reconstituição enquanto povos, ou seja, como coletividades específicas diferenciadas.  

A terra não é, como na mentalidade capitalista, somente fator econômico-produtivo ou um bem comercial, de propriedade individual, que pode ser adquirido, transferido ou alienado, segundo as leis do mercado.  

A terra, na cosmovisão indígena, é mais que um pedaço de chão. Não é apenas base de sustento, mas o lugar territorial onde jazem os ancestrais, onde se reproduz a cultura, a identidade e a organização social própria. Não é a terra que pertence ao homem, é o homem que pertence à terra. O que acontece à terra, acontece aos filhos da terra. Por tudo isso não é possível imaginar um povo indígena sem a terra que, por todas estas razões, não pode ser agredida por quaisquer medidas de ocupação capitalista e neocolonial (usurpação dos recursos naturais, depredação do meio ambiente, biopirataria...)."  

Para que as bases da cultura indígena sejam preservadas faz-se necessário acelerar a demarcação de suas terras, protelada há tantos anos.  

Matéria especial publicada no jornal Folha de S. Paulo de ontem, 18 de abril, revelou que as terras indígenas já demarcadas ocupam 94 milhões e 300 mil hectares, que representam 11,04% do total do território nacional.  

Segundo a FUNAI, no ano de 1998 foram demarcadas apenas 14 milhões 612 mil hectares de terras indígenas e existem, hoje, 161 áreas a serem identificadas, num processo que compreende a proposta de criação a partir da localização de um grupo indígena específico e a realização de estudos etnológicos, históricos, demográficos, sociológicos, etc. Assim, ainda se iniciará o procedimento de identificação de aproximadamente 29% das terras indígenas.  

Aliás, nobres Senadores, segundo o CIMI, das 563 terras indígenas conhecidas no Brasil, tão-somente 215 tiveram seus processo concluído com o registro das terras, restando 348 processos em diferentes fases processuais, uma vez que, depois da identificação, vem a demarcação da área, sua reserva, sua homologação pelo Presidente da República e a posterior regularização fundiária. O problema, bem sabemos, é que todo esse processo vem se arrastando há anos, em total desrespeito aos prazos estabelecidos, fato tantas vezes já denunciado nesta tribuna.  

Srªs e Srs. Senadores, como representante do Estado do Pará nesta Casa, ocupo a tribuna, neste 19 de abril, para da melhor maneira se homenagear os índios brasileiros, que é denunciando seus problemas de forma concreta e apoiar suas lutas. Para tal, trago ao conhecimento de todos o exemplo de uma tribo indígena de meu Estado, a tribo Asurini, que vive na área indígena TROCARÁ, no sudeste de meu Estado.  

Os índios Asurini, autodenominados Akuáwa, são índios do grupo Tupi que vivem na área indígena Trocará, a 24 Km ao norte do município de Tucuruí.  

Entre os dias 17 e 20 de fevereiro deste ano, o povo Asurini reuniu-se em assembléia para discutir os problemas que afligem aquela comunidade, questões relativas à terra, à saúde, às políticas públicas, à segurança, aos esportes, e à preservação e divulgação da sua cultura.  

Conscientes de que seus direitos não estão sendo respeitados, os índios Asurini, desde então, vêm tentando sensibilizar as autoridades competentes e a sociedade.  

Fui um dos destinatários de uma correspondência enviada pela Associação Indígena do Povo Asurini do Trocará – AIPAT, e demais membros dos povos Surui, Guarani, Tembé do Guamá, e Xipaia, representados pela Associação dos Povos Tupi dos Estados do Mato Grosso, Amapá, Pará e Maranhão –AMTAPAMA, expondo as dificuldades e mazelas enfrentadas por essas populações e apontando soluções para as mesmas.  

Instado a dar meu apoio efetivo a essas reivindicações, apresentei ao Procurador Geral da República no Estado do Pará notícia de ilegalidade em relação aos direitos indígenas, com fulcro no art. 5º, inciso XXXIV, alínea "a", e art. 129, inciso V, da Constituição Federal.  

Apontei diversas ilegalidades cometidas contra os direitos dessas comunidades, que vão da ausência de demarcação de terras até a colocação em risco da integridade física e cultural dessa população de silvícolas.  

Assim o fiz porque, por expressa manifestação da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 20/93, essas questões encontram-se na exclusiva esfera de competência institucional do Ministério Público Federal.  

Srs. e Srs. Senadores, é flagrante o dever de intervenção do Ministério Público nessas lides. A Carta Magna de 1988 reconhece aos povos indígenas o direito de defesa de seus interesses junto ao Poder Judiciário, impedindo o Estado de decidir e impor medidas sem que haja prévio consentimento daquelas populações.  

A atual Constituição reconheceu importantes direitos inerentes às sociedades indígenas; deu continuidade ao reconhecimento da posse da terra aos índios que nela habitassem ou a ela estivessem ligados; explicitou a diferença cultural e lingüística entre esses povos, assegurou a educação indígena por meio da utilização das línguas nativas e dos seus próprios processos de aprendizagem e estabeleceu a consulta obrigatória às populações indígenas em caso de aproveitamento de recursos naturais em suas terras, por parte de terceiros.  

Nossa Carta Magna é, sem dúvida, um importante e indispensável instrumento na perpetuação de etnias diversificadas, de continuidade de línguas e tradições dos povos indígenas, reconhecendo sua diversidade cultural e sua multietnicidade. Mas seus preceitos precisam ser cumpridos.  

Não basta assegurar, no papel, os direitos dos povos indígenas, Srªs e Srs. Senadores. Não é possível admitir que, quase 500 anos depois do descobrimento do Brasil, a questão indígena ainda seja um problema não resolvido, em nosso País.  

Por ter tido a honra de ser parlamentar constituinte e representante de um Estado do Norte do País, conheço bem as dificuldades enfrentadas por nossa população indígena. Bem sei que o reconhecimento da pluralidade cultural e étnica no texto da Carta Magna não foi automático e pacífico. Ele deveu-se, em grande parte, às pressões exercidas junto aos membros da Assembléia Nacional Constituinte, não só por diferentes povos indígenas, mas também por representantes de diversas Organizações Não Governamentais, de associações científicas, de antropólogos, juristas, religiosos e outros, que hoje, novamente se juntam para defender o projeto de lei que institui o Estatuto do Índio (PL n° 2057/91), com trâmite na Câmara dos Deputados e a grande celeuma da demarcação da reserva "Raposa/ Serra do Sol" em Roraima.  

Aliás, Sr. Presidente, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – através de D. Marcelo Carvalheira e a Presidência do CIMI, através de D. Aparecido José Dias, nos dão notícia de que tiveram audiência com a Presidência da República, representada pelo Chefe da Casa Civil, Sr. Clóvis Carvalho, no dia 24 de março último. O tema central da reunião foi exatamente o projeto do "Estatuto do Índio" e a preocupante situação de violência contra os índios no Estado de Roraima e a discussão de perspectivas para a superação desta situação.

 

A realização de um encontro neste nível havia animado tanto a CNBB como o CIMI, pois poderia emergir dali alguma proposta que significasse a defesa de inúmeras vidas humanas e o encaminhamento da demanda mais antiga dos índios daquela região: a demarcação definitiva da terra indígena Raposa/Serra do Sol.  

Os resultados deste encontro foram, no entanto, tremendamente frustrantes para os que participaram, como seria para qualquer cidadão minimamente preocupado com a vigência dos direitos humanos em nosso país e, especificamente, com os direitos indígenas, uma vez que o Governo Federal assumiu a posição de que: a terra indígena Raposa/Serra do Sol será demarcada contemplando interesses dos diversos tipos de ocupantes, em desacordo com o estabelecido na Portaria ministerial nº 820, de 10 de dezembro de 1998. O Sr. Clóvis Carvalho, provavelmente ainda descansado de sua viagem carnavalesca à Fernando de Noronha com hospedagem e em aeronave do Ministério da Aeronáutica, afirmou, "descansadamente" que existem muitos "direitos adquiridos" que devem ser respeitados – no caso, os dos fazendeiros, posseiros e demais invasores. Afirmou também que esta demarcação deverá demorar "muito tempo ainda" para ser realizada;  

No que diz respeito a proposta de Estatuto dos Povos Indígenas, PL 2.057/91, fruto do consenso do movimento indígena, das entidades indigenistas, FUNAI e Ministério Público pela vontade do governo não deve continuar tramitando na Câmara dos Deputados e deverá ser substituída por uma "nova" proposta do governo. Logicamente, uma proposta que contemple os "direitos adquiridos" dos invasores das terras indígenas e das empresas interessadas nessas terras. Efetivamente o Governo Federal não fala em "direito adquirido" para a defesa dos primeiros habitantes do Brasil, esperando, provavelmente, se passar novos 500 anos para que se possa recontar a história dessa Nação de oprimidos.  

Constato, porém, com satisfação, um dado extremamente positivo e otimista: nesta virada de século, nossos índios estão decididos a lutar para sobreviver e fazer valer os seus direitos constitucionais. Aos poucos, como pudemos perceber, seja através das entidades da sociedade civil organizada e da própria tribo Asurini, nossos índios vêm se organizando em entidades, cujos objetivos básicos são conquistar meios de produzir em suas terras e preservar sua identidade cultural.  

Precisamos ajudá-los a fazer valer os seus direitos. Esta é a melhor homenagem que podemos prestar aos índios brasileiros, neste 19 de abril.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/1999 - Página 8571