Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO 'DIA DO INDIO' DESTACANDO AS AGRURAS VIVIDAS PELAS COMUNIDADES AUTOCTONES E O DESCASO DO GOVERNO AS QUESTÕES A ELAS PERTINENTES.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.:
  • HOMENAGEM AO 'DIA DO INDIO' DESTACANDO AS AGRURAS VIVIDAS PELAS COMUNIDADES AUTOCTONES E O DESCASO DO GOVERNO AS QUESTÕES A ELAS PERTINENTES.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/1999 - Página 8646
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, ELOGIO, LUTA, DIGNIDADE, COMUNIDADE INDIGENA, DEBATE, MODELO, SOCIEDADE, SOLIDARIEDADE, OPOSIÇÃO, CIVILIZAÇÃO, FALTA, JUSTIÇA SOCIAL.
  • CRITICA, POLITICA INDIGENISTA, GOVERNO, FAVORECIMENTO, INVASÃO, RESERVA INDIGENA, INEFICACIA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ATRASO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • DENUNCIA, OMISSÃO, GOVERNO, IMPUNIDADE, VIOLENCIA, VITIMA, INDIO.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as palavras do Senador Antonio Carlos Valadares foram proferidas até num dia bem especial, porque S. Exª fala sobre a fome, a miséria, a humilhação e o sofrimento da gigantesca maioria da população brasileira justamente hoje, quando os povos indígenas choram os dois anos do assassinato do índio pataxó Galdino.  

Ontem foi o Dia do Índio, e nossa querida companheira Marina Silva já expressou nossos sentimentos a respeito da causa indígena. Contudo, para concretizar o que queremos dizer com expressões como "todo dia é dia de índio, de mulher, de negro, da grande maioria oprimida", como alagoana, tendo em meu Estado oito representações de povos indígenas, eu não poderia deixar de fazer minha homenagem.  

O Dia do Índio, sem dúvida, estimula em cada um de nós e em nosso imaginário vários sentimentos, emoções e pensamentos diversos sobre a lição de vida, de luta e de dignidade que os povos indígenas nos dão. Faz-nos refletir sobre um modelo de sociedade antagônico, que o Senador Antonio Carlos Valadares criticou, por banalizar a miséria. Faz-nos refletir sobre um modelo de sociedade que entendemos como possível, fortalecido por uma cultura de solidariedade humana, de laços estabelecidos entre pessoas que superam a ânsia pelo poder, o jogo de vaidades, a mediocridade da arrogância, enfim, um modelo de sociedade em que possamos viver em plenitude a vida!  

Neste ano em especial, quando alguns comemoram com relógios ou bugigangas os 500 anos de Descobrimento, os povos indígenas e a grande maioria do povo brasileiro têm apenas lembranças de escravidão, de controle, de limitações, de limpeza étnica, da imposição do mito da homogeneidade étnica e cultural. Todos nós sabemos que, dos estimados 5 milhões de índios em 1500, hoje são cerca de 300 mil, em apenas 215 povos, segundo dados oficiais.  

No Governo do Presidente Fernando Henrique, a indefinição e a tristeza aprofundam-se cada vez mais no coração de todos os brasileiros e de uma forma especial nas comunidades indígenas, diante da clara opção do Governo Federal por um modelo econômico corrosivo aos interesses nacionais e populares, um Governo que fez uma clara e transparente opção pelos invasores de terras indígenas. Com o Decreto nº 1.775/96, o Governo deu a senha que animou fazendeiros, garimpeiros e madeireiros e possibilitou a multiplicação de conflitos e violência contra as comunidades indígenas.  

Além do decreto, a Funai foi deixada sem apoio, sem política, entregue a pequenas máfias que se engalfinham por poucos recursos e cargos. E os povos indígenas foram deixados ao "orçamento zero" e à famosa e decantada liberdade de mercado em seus territórios, sofrendo a miserabilidade crescente, em comunidades desagregadas, em culturas violentadas.  

Quatro anos e quatro meses de Fernando Henrique! Das 556 terras indígenas, apenas 11% do total foram demarcadas, e, com relação às homologações, 38% das 94 áreas já haviam sido demarcadas por governos anteriores.  

O Governo Federal, volúvel como sempre, volúvel diante dos interesses dominantes de políticos e fazendeiros invasores, precisa evitar o negócio de terras e vidas indígenas e precisa cumprir suas promessas eleitorais. Além do que reza o Estatuto dos Povos Indígenas, a Constituição e a Portaria n.º 820/98, que demarca as terras indígenas Raposa do Sol, o Governo deve cumprir seu próprio programa eleitoral, que tenho em mãos. Na hora de ganhar votos, é sempre a mesma coisa. No programa eleitoral Avança, Brasil - que não avançou a não ser para os grandes e poderosos -, Fernando Henrique já assumia os seguintes compromissos:  

- identificar as 105 terras indígenas remanescentes e concluir a identificação de 62 outras, num total de 167 áreas;  

- agilizar os procedimentos para reconhecer, ou declarar como indígenas, 117 terras e concluir o reconhecimento de vinte outras;  

- demarcar até setenta por cento das terras que vierem a ser reconhecidas, além das 31 já reconhecidas;  

- registrar todas as 33 terras já homologadas e agilizar o procedimento para registrar até setenta por cento das terras a serem homologadas;  

- reassentar todas as famílias de ocupantes de 150 terras;  

- efetiva garantia à integridade de suas terras, por intermédio de programas de fiscalização de seus limites e do uso auto-sustentado dos seus bens naturais;  

- acesso universal aos serviços públicos de saúde e educação - incluindo escolarização específica e intercultural;  

- valorização das formas indígenas tradicionais de trabalho;  

- preservação e melhoria dos recursos naturais em seus ambientes.  

 

Estão aqui no papelucho, no livrinho de Fernando Henrique Cardoso, estes e tantos outros compromissos assumidos e não cumpridos para a maioria da população.  

Hoje, lembramos o dia 20 de abril de 1997, quando o índio pataxó Galdino foi assassinado covarde e brutalmente por jovens de classe média. Sem dúvida, nós, os Senadores da República, e todas as pessoas que nos escutam neste momento nos indagamos sobre como estamos criando nossos jovens, qual o tipo de cultura e educação que estamos oferecendo à nossa juventude.  

No próximo dia 20 de maio, faz um ano que foi assassinado o líder indígena Francisco de Assis, o Chicão, do povo Xucuru Ororubá de Pernambuco. Seu assassino, após tê-lo matado friamente, saiu caminhando com a mais absoluta tranqüilidade pela cidade pernambucana de Pesqueira. Certamente, estava absolutamente convicto da impunidade, certo da grande farsa que pode ser montada para privilegiar os grandes e os poderosos e permitir maior exposição à violência, à agressão, bem como ameaças aos índios por parte dos invasores de suas terras, que têm a ousadia de se autodenominar proprietários.  

Qual foi a resposta do Governo Federal diante dessa violência, diante da impunidade que cultiva e permite oxigênio para mais violência? Foi o Despacho nº 13, abrindo novo prazo — mais 90 dias — para os fazendeiros invasores contestarem a demarcação que já foi concluída.  

Apesar das mais diversas formas de violência, do processo de sucateamento da Funai, do loteamento político dos cargos e da "parceria" estimulada pela Funai, que nada mais é do que um bom negócio lucrativo para quem tem interesses econômicos nas áreas indígenas, apesar da perversa proposta concreta de darwinismo social, os povos indígenas têm dado uma belíssima demonstração de sua capacidade de resistir, de lutar, de se orgulhar de sua cultura e de seus valores, de seguir com firmeza para construir o seu futuro com autonomia e liberdade.  

Sem dúvida, é uma grande história de luta. Desde o império colonial, tentam destruí-los: a ditadura, as oligarquias regionais e locais, o Estado brasileiro, com sua parcialidade hostil. E, mesmo diante de tantas adversidades, com a força da identidade histórica e cultural, os povos indígenas estão reconstruindo-se, reinventando a si próprios, recuperando os limites de suas áreas, lutando e projetando um futuro para as novas gerações de comunidades livres, orgulhosas de se considerarem um povo e de terem uma história e um destino.  

Portanto, nesta semana em que se fala sobre os povos indígenas, só temos a agradecer-lhes pelo seu exemplo de sociedade solidária e livre, pela mostra da fragilidade, da beleza e da força da nossa condição humana e da nossa possibilidade de fazer deste País uma grande nação, livre, justa, rica de pão e de felicidade para todos.  

Quero, portanto, saudar todos os povos indígenas do nosso Brasil, todas as entidades que representam e respeitam essas comunidades. Quero também fazer uma saudação especial a minha querida Alagoas, ao Cimi e à Apoinme do meu Estado e aos povos indígenas Xucuru Kariri, da minha querida Palmeira dos Índios, Wassu Cocal, de Joaquim Gomes, Karapotó, de São Sebastião, Jerimpakó, de Pariconha, Kariri Xocó, de Porto Real do Colégio, Tinguibotó, de Feira Grande, Kalancó, de Água Branca. Aproveito para saudar também os nossos vizinhos Xocó, de Porto da Folha. Meu abraço apertado, meu respeito e minha admiração.  

Citei Dom Pedro Casaldáliga, quando falávamos sobre a chacina de Eldorado dos Carajás e repito agora: "Malditas sejam todas as cercas que nos impedem de viver e de amar no nosso querido Brasil".  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/1999 - Página 8646