Discurso no Senado Federal

REGISTRO DE SOLENIDADE EM COMEMORAÇÃO AO ANIVERSARIO DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL, ONTEM, EM OURO PRETO.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • REGISTRO DE SOLENIDADE EM COMEMORAÇÃO AO ANIVERSARIO DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL, ONTEM, EM OURO PRETO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/1999 - Página 8694
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, BRASIL, ANIVERSARIO DE MORTE, JOAQUIM JOSE DA SILVA XAVIER, VULTO HISTORICO, COMENTARIO, FESTA, CERIMONIA CIVICA, POPULAÇÃO, MUNICIPIO, OURO PRETO (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), PARTICIPAÇÃO, ITAMAR FRANCO, GOVERNADOR.
  • ANALISE, HISTORIA, COLONIZAÇÃO, PAIS, PAGAMENTO, TRIBUTOS, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, COMPARAÇÃO, SUPERIORIDADE, DIVIDA EXTERNA, BRASIL, ATUALIDADE.
  • ELOGIO, GOVERNADOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), REALIZAÇÃO, HOMENAGEM, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não poderia deixar de registrar na manhã de hoje a comemoração de ontem, na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, do aniversário do descobrimento do Brasil, este Brasil que todos temos que redescobrir e revisitar, para realmente vermos quais são os frutos e resultados desses quase quinhentos anos de uma determinada dominação.  

Sem dúvida, todos os brasileiros que participaram da manifestação de ontem em Ouro Preto ou que tiveram a oportunidade de, em outros momentos e de outra forma, homenagear o líder e mártir Tiradentes ficaram muito felizes com o acontecimento de ontem, primeiramente porque o Governador Itamar Franco, numa demonstração de coragem e civismo, refez algo que, há muitas décadas, já acontecia na praça. Desde a ditadura militar, foi criado um impedimento no sentido de que não houvesse manifestações populares e de não possibilitar que as mais diversas pessoas, das mais diversas classes sociais, pudessem expressar o seu amor ao Brasil, o seu sentimento de patriotismo figurado na representação simbólica do nosso querido Tiradentes.  

Ontem realmente houve uma manifestação muito bonita. Com certeza, havia mais de 30 mil pessoas em Ouro Preto. Foi uma ato em que estavam presentes as mais diversas lideranças da sociedade civil organizada e dos partidos progressistas. Sem dúvida, esse foi um marco para a cidade de Ouro Preto. A população, de uma forma geral, dizia-se feliz e alegre, porque estava tendo a possibilidade de ver superadas as agitações que, muitas vezes, representavam o sangue para o povo de Ouro Preto. Essas pessoas estavam na praça dando uma demonstração de civismo muito importante.  

Sem dúvida, todas as pessoas que ali estavam e todas as pessoas que ontem lembraram do exemplo de Tiradentes e de tantos outros Tiradentes e mártires que continuam surgindo no Brasil tiveram também a oportunidade de refletir sobre o movimento chamado de Inconfidência, que nada mais era do que um movimento de lealdade e uma declaração de amor ao nosso Brasil. Se fizermos uma reflexão sobre o Movimento de 1780 e sobre o que acontece hoje, verificaremos que a causa do movimento da dita Inconfidência Mineira foi a derrama dos 20% dos tributos de ouro e que hoje pagamos mais de 30% do PIB, um percentual muito maior do que a derrama de dois séculos atrás.  

Tudo isso é muito importante, porque todos nós brasileiros tivemos a oportunidade de revisitar a História, de relembrar personagens da nossa História, tentando identificar quem é quem. Quem é o Tiradentes de hoje? Quem são os Tiradentes de hoje? Quem são as pessoas que, com audácia, coragem, independência e amor pelo Brasil, fazem declarações de patriotismo e de amor à Nação? Quem é o Visconde de Barbacena, aquele que nada mais fazia do que garantir os interesses da Coroa portuguesa e a sua dominação? Será que o Visconde de Barbacena de hoje não é o tão prestigiado Fundo Monetário Internacional, que nada mais faz que garantir o capital especulativo, o desmantelamento das estruturas de serviços sociais, o desmonte de nosso patrimônio público e o entreguismo desvairado no Brasil?  

Quem é o Silvério dos Reis de hoje? Quem tem traído a Nação brasileira? Quem tem desmontado a Nação brasileira? Quem tem se curvado de forma subserviente e subordinada ao capital especulativo internacional? Quem está contribuindo para que estejamos entrando no próximo século sem a possibilidade de nos transformar em uma verdadeira Nação? Com certeza, qualquer pessoa de bom senso, que ouviu aquele famoso discurso de Fernando Henrique Cardoso atribuindo ao Governador Itamar Franco a figura de Silvério dos Reis, vai identificar, com clareza, pelos procedimentos, pelo comportamento, pela falta de identidade com o patrimônio nacional, pela falta de defesa da soberania nacional, infelizmente, como o grande traidor da Nação brasileira o Presidente da República, para tristeza de todos nós.  

Todos nós que prezamos a democracia e o estado de direito, todos nós que aprendemos com a nossa própria história de vida a respeitar os resultados das urnas e que, portanto, respeitamos no momento do processo eleitoral a vitória do Presidente da República, sem dúvida, depois de tudo o que vem acontecendo no Brasil, desde as denúncias de corrupção ao grande estelionato eleitoral, buscaremos a figura de quem está traindo a Nação brasileira e, infelizmente, estaremos nos deparando com o Presidente da República.  

Mas, acima de tudo isso, existem exemplos gigantescos, que continuam surgindo no Brasil, de pessoas que não se curvam, que não se dobram e que enfrentam a arrogância e o abuso do poder para defender a Nação brasileira.  

Eu gostaria também de, ao tempo em que homenageamos todos os brasileiros que incorporam a história de vida e de luta do nosso querido Tiradentes, homenagear também o Governador Itamar Franco não apenas pelo gesto simbólico e extremamente positivo de arrancar as cercas da praça e possibilitar a participação da sociedade, mas também pela homenagem que fez ao Movimento dos Sem-Terra.  

Sei que os ruralistas e muitas personalidades importantes do Brasil estão reclamando muito pelo fato de o Governador ter homenageado o Movimento dos Sem-Terra. Isso ocorre, porque, em nosso País, foi estabelecida uma lógica de que existem algumas estruturas - quer seja a estrutura do Senado e do Congresso Nacional, quer sejam as instâncias de decisão política, as instâncias de poder, as homenagens, as medalhas e os diplomas - que se transformaram como se fossem pérolas a serem tocadas apenas pela representação da elite econômica e política. Agem como se essas pérolas pudessem ser tocadas apenas por eles, que representam os grandes e os poderosos, que acham que também são donos das condecorações, das instâncias de decisão política ou das cadeiras do Congresso Nacional. Portanto, fazem de tudo para impedir que a participação popular possa efetivamente ocupar esses espaços também.  

É exatamente por isto que o Governador Itamar Franco deve ser parabenizado: por ter tido a coragem de assumir a belíssima posição de homenagear o Movimento dos Sem-Terra. As condecorações, como as cadeiras dos Parlamentos, não são pérolas a serem tocadas e apropriadas apenas pela elite econômica e política do nosso País.  

Portanto, todos nós brasileiros temos que nos sentir felizes com essa homenagem que foi feita não apenas ao Movimento dos Sem Terra. Entendo que os ruralistas deveriam ter o mesmo entendimento de João Pedro Stédile, que dizia: "Se querem acabar com o Movimento dos Sem-Terra podem acabar. É só fazer a reforma agrária!". Portanto, quem quiser acabar com o Movimento dos Sem-Terra deve fazer como os próprios companheiros e companheiras desse Movimento dizem: "Façam a reforma agrária, que acaba o Movimento dos Sem Terra!.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Com muito prazer, concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senadora Heloisa Helena, quero cumprimentar V. Exª por estar enaltecendo, com tanta sensibilidade, o gesto do Governador Itamar Franco, que, ontem, ao reunir mais de 20 mil pessoas em Ouro Preto, resolveu conceder a Medalha da Inconfidência a pessoas como Luiz Inácio Lula da Silva; o Presidente do Partido dos Trabalhadores, José Dirceu; Leonel Brizola; o Governador Olívio Dutra e outras personalidades. Ao conceder-lhes a Medalha da Inconfidência, com todo o seu sentido histórico de luta pela independência, por justiça, pelo sentimento maior da nacionalidade brasileira, o Presidente Itamar Franco fez algo que tem um enorme sentido. É bem verdade - V. Exª aqui assinala - que algumas entidades ruralistas, como a UDR, podem estar preocupadas com o fato de o Governador de Minas Gerais estar condecorando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Ora, o gesto do Governador Itamar faz todas a pessoas pensarem muito, desde aquelas - e são dezenas de milhares, cerca de cinqüenta mil famílias - que estão acampadas à beira de estradas ou ocupando áreas improdutivas à espera de que o Governo realize a desapropriação devida, conforme o que está na Constituição, e faça o assentamento dessas famílias, como também está preocupando os membros da sociedade rural brasileira, da UDR, da Confederação Nacional da Agricultura, dos empresários rurais, que dizem: "Puxa, então um Governador de Estado vai condecorar, homenagear o MST!?" E V. Exª coloca com muita propriedade o sentido dessa homenagem, porque todos os estudos realizados, inclusive os levantamentos oficiais do INCRA, estão a demonstrar que a maior parte dos assentamentos tem sido realizada, por enquanto, como uma reação à própria ação daqueles que lutam pelo seu direito de lavrar a terra. João Pedro Stédile, como V. Exª bem expressou, colocou que é preciso realizar muito mais para que se possa até acabar com o Movimento dos Sem-Terra, justamente acelerando a reforma agrária. Em alguns momentos, pode ser até que os companheiros do MST, em algumas ações, tenham-se exaltado, tenham cometido um ou outro abuso, e temos conversado com eles a respeito. Por exemplo: às vezes, recebo cartas de pessoas que dizem: "Puxa, o MST ocupou a fazenda que era produtiva" - no entender da proprietária; estou falando de um caso que realmente ocorreu - "e as pessoas entraram na sede, pegaram meus bens, destruíram coisas". Essa não é a orientação da coordenação. Então, às vezes, podem surgir movimentos. Mas o que percebemos é que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tem tido uma preocupação muito didática, uma preocupação de realizar movimentos, sobretudo, de natureza pacífica, na medida em que os seus movimentos, como de ocupar áreas que a Constituição diz que precisam ser objetos de desapropriação porque estão sendo improdutivas, ou ocupar a beira de estradas para mostrar que as autoridades precisam agir mais depressa, ou organizar marchas e movimentos, como aquele do dia 17 de abril para rememorar os três anos de impunidade com respeito ao massacre de 19 trabalhadores em Eldorado dos Carajás e relembrar o massacre ainda impune de Corumbiara, conseguem granjear o extraordinário respeito e apoio da população. E o Governador Itamar Franco, ontem, expressou o apoio a esse sentido de combatividade, de assertividade de um movimento que sabe se organizar e conquistar corações em busca de justiça em nosso País. Meus cumprimentos a V. Exª.

 

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, Senador Eduardo Suplicy, que muito demonstra a luta e o apoio que V. Exª e o nosso partido têm tido em relação à construção de uma sociedade justa, igualitária, fraterna, solidária, que supere a exclusão social e as mais diversas formas de violência que são nela apresentadas. Sem dúvida, ninguém pode fazer isso sem a reforma agrária.  

Portanto, queremos cumprimentar a todos que no dia de ontem tiveram a oportunidade de pensar no seu papel na transformação do mundo, a todos que hoje, diante de toda a gigantesca propaganda que se faz em relação aos 500 anos do Descobrimento do Brasil, nessa data de hoje que também é tão simbólica, imaginam o seu papel no mundo. Qual o papel que temos para a transformação desta sociedade? Sei que, muitas vezes, parecemos bem pequenos, minúsculas partículas perdidas na imensidão do universo, mas o nosso papel nesta sociedade é de fundamental importância para que possamos entrar no novo século com um novo modelo de sociedade. Sei que é muito difícil, sei que são tantos os acontecimentos deploráveis que ameaçam esgotar a nossa capacidade de reação, mas sempre digo que a grande maioria do povo brasileiro, sem dúvida, até em função da opressão, do cotidiano tão duro que tem passado, tem mais capacidade de reação, mais persistência, mais perseverança para construir um mundo novo, rico de paz e felicidade para todos.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/1999 - Página 8694