Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS NEGOCIAÇÕES PARA A SUSPENSÃO DA PROIBIÇÃO DE EXPLORAÇÃO DE MADEIRA NA AMAZONIA. DEBATE SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL NA REGIÃO AMAZONICA. (COMO LIDER).

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE AS NEGOCIAÇÕES PARA A SUSPENSÃO DA PROIBIÇÃO DE EXPLORAÇÃO DE MADEIRA NA AMAZONIA. DEBATE SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL NA REGIÃO AMAZONICA. (COMO LIDER).
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/1999 - Página 8187
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, REUNIÃO, ORADOR, REPRESENTANTE, ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DE RONDONIA (RO), ESTADO DO PARA (PA), MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), DISCUSSÃO, REVOGAÇÃO, PORTARIA, PROIBIÇÃO, DESMATAMENTO, PARTICIPAÇÃO, PECUARISTA, PEQUENO AGRICULTOR, ENTIDADE, SOCIEDADE CIVIL, DEBATE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • COMENTARIO, PARECER FAVORAVEL, GILBERTO MESTRINHO, SENADOR, RELATOR, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, FUNDO DE RESERVA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, farei um breve pronunciamento a respeito de alguns problemas que enfrentamos nos últimos 30 dias, referentes aos encaminhamentos feitos após a divulgação dos dados relativos aos desmatamentos na Amazônia.  

O Ministro Sarney Filho trouxe esses dados ao Congresso Nacional, inclusive levou até ao meu gabinete, e, na oportunidade, S. Exª expôs alguns possíveis encaminhamentos para o combate aos desmatamentos, às queimadas e à extração irregular de madeira. Estes são os dados do INPE sobre desmatamento na Amazônia: em 1997, 13 mil quilômetros quadrados, e, em 1998, uma projeção indica 17 mil quilômetros quadrados. Nos últimos 20 anos, o total acumulado de desmatamento na Amazônia chega a praticamente 550 mil quilômetros quadrados, o equivalente a mais de duas vezes o Estado de São Paulo. Como V. Exª pode observar, os números são muito elevados e, portanto, merecedores de toda a preocupação do Congresso Nacional, do Poder Executivo e da sociedade.  

Discutindo, naquela ocasião, com o Ministro Sarney Filho, eu disse a S. Exª que qualquer atitude no sentido de combater o desmatamento na Amazônia deveria, necessariamente, passar por uma ampla discussão com os mais diferentes setores, as ONG, a comunidade científica, o setor empresarial e os governos locais. O Ministro concordou com o que estava sendo dito naquela reunião e afirmou que seu Ministério se encarregaria de promover o debate.  

Infelizmente, ocorreram fatos que modificaram a posição assumida pelo Ministro e levaram o Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal a baixar portaria propondo a proibição de todo e qualquer desmatamento pelo prazo de 120 dias – a Portaria nº 16, depois transformada em Instrução Normativa nº 04, que propunha 120 dias de trégua para qualquer atividade de desmatamento na Amazônia.  

Essa portaria foi extemporânea e resultou de uma pressão de setores do Governo em resposta aos dados mostrados à sociedade, mas, principalmente, como de costume, de pressões externas. Como conseqüência, houve uma série de problemas que, graças a Deus, já estão sendo reparados pela postura, devo reconhecer, aberta do Ministro do Meio Ambiente. S. Exª percebeu que a portaria tinha uma ação puramente proibitiva. Além de não resolver o problema do desmatamento, ainda levava a uma situação de agregação, de agrupamento dos setores hostis à preservação ambiental. Esses setores, utilizando o argumento de que se estava engessando o processo produtivo na Amazônia e de que todos os segmentos seriam igualmente prejudicados, mobilizaram amplos setores, em nome de um suposto desenvolvimento, que, infelizmente, não acontecerá em função dos problemas vividos pelo setor produtivo amazonense, mas, fundamentalmente, no meu ponto de vista, por uma questão de concepção - o paradigma orientador do desenvolvimento na Amazônia está completamente superado, ultrapassado e não corresponde à realidade econômica, social e ambiental da região.  

Por minha sugestão, tivemos uma reunião no gabinete do Ministro, da qual participaram representantes do Acre, de Rondônia e do Pará, e ali discutimos questões envolvendo a portaria, no sentido de que não se deveria pura e simplesmente revogá-la, mas construir um processo afirmativo na Amazônia envolvendo os mais amplos setores: pecuaristas, exploradores de madeira, pequenos agricultores ligados à agricultura familiar, organizações não-governamentais, ativistas do movimento ambiental da Amazônia e do País, com a participação de Secretários do Meio Ambiente, de governos locais, prefeitos.  

O Ministro acatou a sugestão. Quando um administrador tem essa postura, devemos reconhecê-la, porque foi altamente edificante o debate que se instalou, a partir daí, com madeireiros sentando para discutir a questão da preservação ambiental, pecuaristas, organizações da sociedade civil, bem como os setores produtivos ligados aos extrativistas e aos pequenos agricultores.  

Estamos na fase final dessa rodada de negociações mediada pelo Ministério do Meio Ambiente. Como resultado desse processo de discussão, várias ações afirmativas serão colocadas para o desenvolvimento da Amazônia.  

Também disse ao Ministro - que considerou a idéia interessante e comprometeu-se a encaminhá-la - que não bastaria o Ministério do Meio Ambiente apresentar uma série de propostas, fazer o esforço de reorientar as atividades produtivas na Amazônia, de sorte a não serem nefastas ao meio ambiente, se ele não contasse com o suporte do Governo Federal, por intermédio da ação de outros Ministérios.  

É fundamental que os Ministérios do Planejamento, de Ciência e Tecnologia e o da Fazenda, juntamente com a Casa Civil, participem dessas rodadas de negociação. Não adianta colocarmos no papel as melhores propostas e intenções para o desenvolvimento da Amazônia se, quando da viabilização dos recursos, o Ministério da Fazenda não tem sensibilidade para liberar recursos para o Ministério do Meio Ambiente ou para aqueles que levam a cabo as atividades produtivas. Dessa forma, o Ministério ficará sem condições de implementar as políticas deliberadas.  

Também não adianta pensarmos em política ambiental, em programas para o desenvolvimento da região, em macropolítica para a região amazônica, se o Governo Federal sequer contempla as preocupações do Ministério do Meio Ambiente. Por isso a sugestão de que participasse também desse processo o Ministério do Planejamento.  

Por último, a participação da Casa Civil, como uma das pontas que tem operado na questão ambiental e que muitas vezes faz determinado tipo de pressão para que seja dada essa ou aquela resposta; é fundamental o envolvimento da Casa Civil no processo, para, efetivamente, resolvermos o problema, e não ficarmos eternamente fazendo cena para inglês ver, como diz o dito popular.  

A proposta, no meu ponto de vista, tem grande possibilidade de realização. Repercutirá positivamente nas atividades do Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, que está concluindo um conjunto de propostas denominadas ações afirmativas, as quais poderão dar ao Ministério, aos governos locais, elementos para sua ação no processo de desenvolvimento econômico.  

Não se tratam apenas de ações no sentido da gestão ambiental, da fiscalização, do controle. Na Amazônia, precisamos dizer o que não se pode fazer. Penso até que já dissemos demais o que não se deve fazer. É fundamental que passemos para uma nova fase: de dizermos como fazer. Esse é também o entendimento do Governador Jorge Viana. E, nesse ponto, é essencial que não tenhamos preconceito com relação às propostas que estão surgindo e que apontam para uma nova concepção de desenvolvimento, pois, no meu ponto de vista, não há por que insistirmos em uma atividade não-sustentável nem socialmente, nem economicamente, nem ambientalmente, uma vez que já sabemos dos prejuízos que causam.  

A pecuária extensiva, quem poderá defendê-la? Ela é danosa ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, inviável do ponto de vista econômico. Daqui a 50 ou 100 anos, não haverá mais possibilidade de continuar-se nesse mesmo caminho.  

Quanto à exploração de madeira sem o manejo florestal, convém dizer que o próprio Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama, dá conta de que 70% da extração de madeira estão ocorrendo em áreas sem plano de manejo, e as explorações são ilegais. Noventa por cento do fornecimento da madeira processada na Amazônia estão sendo retiradas da área de desmatamento, e não da área de manejo florestal. Ou seja, estão-se aproveitando da produção de roçados e de outras formas de desmatamento para alimentar a produção madeireira, as indústrias que se utilizam da madeira, principalmente as que se situam em alguns pontos com alta incidência desse potencial madeireiro na Amazônia.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reunião que está ocorrendo agora no Ministério do Meio Ambiente tem uma enorme importância muito grande. Ela é sempre permeada de uma série de debates, que, às vezes, são preconceituosos, que nem sempre se atêm à verdade, que são utilizados por Partidos para atender seus interesses, colocando grupos contra grupos.  

Todavia, entendo ser fundamental que tenhamos uma nova compreensão no que se refere ao desenvolvimento econômico da Amazônia. É importante que esse desenvolvimento possa ser sustentado e amparado por uma nova variável, que poderá ser pautada nos Estados, nos Governos locais. São exemplos disso o Acre, que já está fazendo seu zoneamento ecológico e econômico, o Amapá, que também trabalha com essa possibilidade, e tantos outros Estados que começam a perceber que a existência de uma nova orientação para o processo produtivo na Amazônia é fundamental.  

Não tenho medo de encarar essa discussão porque sei que, se pensarmos estrategicamente no desenvolvimento da Amazônia, inclusive envolvendo aquelas instituições que são responsáveis por promover o desenvolvimento econômico e social da região, como é o caso da Sudam, da Suframa, do BNDES e do próprio BASA, poderemos obter bons resultados.  

A minha experiência leva-me a concluir que, quando temos bons projetos, boas intenções e, acima de tudo, a determinação em realizar um projeto, acabamos por consegui-lo. É o que estamos fazendo no Acre com o Zoneamento Ecológico e Econômico e com as várias ações de Governo que hoje estão sendo implementadas, também com o trabalho do Governador Capiberibe.  

Queremos fazer essa discussão de coração aberto, convidando os setores produtivos para debater o problema. Não é interessante para o pecuarista ficar o tempo todo desmatando sua fazenda se ele pode se utilizar de uma tecnologia que lhe possibilite dobrar o seu rebanho, sem precisar, contudo, derrubar uma árvore. Derrubar florestas não deve ser entendido como uma atividade prazerosa, do tipo: derrubo porque gosto de derrubar. Se lhe for oferecida uma outra proposta, tenho certeza de que aqueles setores - que possuem preocupações com o meio ambiente - estarão abertos a elas.

 

Por isso, apresentei um projeto nesta Casa, cujo Relator é o Senador Gilberto Mestrinho, do Estado do Amazonas. Este, por sua vez, proferiu parecer favorável ao meu projeto que institui um Fundo de Reserva para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. Teríamos também um adicional no Fundo de Participação dos Estados que tenham área de preservação ambiental - sejam reservas indígenas ou área de preservação permanente. Esses Estados, a partir desses recursos, poderiam dirigir investimentos para o desenvolvimento sustentado nos mais diferentes setores produtivos da sociedade. Nesse sentido, creio que o Congresso Nacional deverá aprová-lo o quanto antes, até porque a ausência de recursos leva necessariamente a ações que nem sempre são as que proporcionam respostas mais eficientes para os nossos problemas de desenvolvimento.  

Há também uma informação nova: os dados apresentados pelo INPE podem apresentar resultados diferentes do que os divulgados recentemente, até porque os equipamentos de que o INPE dispõe para fazer a medição das áreas devastadas só têm um alcance acima de seis hectares. Se considerarmos a existência de uma grande incidência de pequenas clareiras abertas na Floresta Amazônica, chegaremos à conclusão de que a quantidade de área desmatada é bem maior do que a que vem sendo divulgada. Essa informação foi obtida segundo pesquisas realizadas pelo Instituto Woods Hole, segundo as quais os equipamentos que estão rastreando o desmatamento na Amazônia não alcançam as pequenas clareiras, as pequenas derrubadas.  

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, do ponto de vista do desenvolvimento econômico e social sustentado na Amazônia, talvez o grande passo esteja sendo dado no sentido de juntar esses diferentes setores. Não adianta fazermos uma discussão isolada, os ambientalistas de um lado, o setor produtivo de um outro, e o Governo tentando fazer políticas puramente restritivas. É fundamental que se tenha disposição para o debate e para, inclusive, ceder posição. No entanto, ceder posição não significa necessariamente abrirmos mão daquilo que é essencial: o desenvolvimento da Amazônia e a melhoria das condições de vida das pessoas que lá vivem, que querem sobreviver e viver com dignidade.  

Há, naquela região, 20 milhões de habitantes que estão abertos a uma nova proposta de desenvolvimento, porque, a que vem sendo experimentada não está dando certo. Não está dando certo porque são inúmeras as atividades que têm ido à falência, que não têm gerado emprego e renda, que causam problema ambientais, além de não gerarem receitas para os Estados e os Municípios.  

É fundamental que procuremos um novo caminho, repito, que não será encontrado apenas da ação do Governo Federal e nem da capacidade inventiva e criativa da sociedade, mas que resulte, sim, de um esforço conjunto daqueles que têm o poder institucional de operar políticas públicas e daqueles que têm a capacidade inventiva e a coragem de operar essas políticas das mais diversas formas, como é diversa a realidade econômica e social da nossa região.  

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que o Governo Federal tem a oportunidade de dar uma grande contribuição a este debate. Que se faça o zoneamento ecológico e econômico da Região Amazônica, para, a partir daí, haver uma orientação para os governos municipais, os governos estaduais e para o setor produtivo da Amazônia.  

Acredito que com, essa atitude do Governo Federal, estaremos realmente atacando, na essência, os grandes problemas que todos os anos enfrentamos, tais como os índices de desflorestamento da Região Amazônica, motivo de preocupação tanto dos representantes das organizações sociais, quanto dos que têm responsabilidade pública pelas funções que ocupam em postos importantes do Governo e até mesmo dentro do Congresso Nacional.  

Sr. Presidente, acredito que, como aquele beija-flor que tentava apagar o grande incêndio pingando um pouquinho de água sobre as chamas, também temos algumas iniciativas dessa natureza que, embora pequenas, têm se constituído em verdadeira alavanca para a discussão de temas ligados ao desenvolvimento e aos problemas sociais e ambientais da nossa região.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/1999 - Página 8187