Discurso no Senado Federal

DEFESA DO APRIMORAMENTO DA MEDIDA PROVISORIA 1.820/99, QUE COMBATE A AGIOTAGEM, QUANDO DE SUA REEDIÇÃO EM 5 DE MAIO PROXIMO.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA POPULAR.:
  • DEFESA DO APRIMORAMENTO DA MEDIDA PROVISORIA 1.820/99, QUE COMBATE A AGIOTAGEM, QUANDO DE SUA REEDIÇÃO EM 5 DE MAIO PROXIMO.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/1999 - Página 8792
Assunto
Outros > ECONOMIA POPULAR.
Indexação
  • COMENTARIO, PROBLEMA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, CRIAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA.
  • CRITICA, AGIOTAGEM, DEFESA, APERFEIÇOAMENTO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), COMBATE, CRIME DE USURA.
  • SUGESTÃO, CRIAÇÃO, CAMPANHA, CONSCIENTIZAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, COMBATE, AGIOTAGEM.
  • ANALISE, CRITICA, EXCESSO, JUROS, BANCOS, AUMENTO, CUSTO DE VIDA, SUJEIÇÃO, CONSUMIDOR, PEQUENA EMPRESA, UTILIZAÇÃO, AGIOTAGEM.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL-MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acabamos de falar - o orador principal, Senador Eduardo Suplicy, e nós outros do Plenário - sobre a renda mínima no Brasil, um problema grave, até porque parte da visão da renda nenhuma. Por isso mesmo, quero falar aqui sobre aqueles que têm renda máxima decorrente da ilicitude, do crime, do abuso, e de certa forma da indiferença daqueles que têm muito e não se preocupam com aqueles que procuram ter muito por meios ilícitos.  

Sr. Presidente, é preciso dar um basta na agiotagem. Ela existe em todas as cidades mineiras, inclusive nas cidades que estão sendo contempladas modestamente com o programa de renda mínima. A agiotagem existe em quase todas as esquinas, no campo, na cidade, em toda a extensão do território brasileiro. É uma praga. A agiotagem existe nas repartições públicas e, com certeza - creio eu -, no Congresso Nacional. Onde quer que haja um pouco de dinheiro a mais, e sobretudo onde não há nenhum dinheiro, o agiota aparece e tenta enriquecer-se.  

O primeiro passo para combater a agiotagem foi dado com a edição da Medida Provisória nº 1.820, de 05 de abril corrente. Mas ainda é muito pouco. A agiotagem gera a indignação dos pobres e até dos ricos, quando atingidos pelas dificuldades econômicas da vida. Ela está presente, insidiosamente, em todos os níveis da sociedade brasileira. Transformou-se numa profissão marcada pelo ódio.  

É preciso combatê-la, apedrejá-la, jogá-la na vala dos crimes mais sórdidos, cometidos pelos que não têm alma, honradez ou vergonha. Mais do que isso, é preciso destruir a agiotagem, que perturba a vida da sociedade brasileira.  

Essa praga que escolhe suas vítimas sobretudo entre as pessoas de baixa renda, que mal ganham para o sustento de suas famílias, torna-se mais generalizada em momentos de grave crise financeira, como o que estamos enfrentando.  

Ninguém escapa dos agiotas. As vítimas mais freqüentes são os funcionários públicos, que estão sem reajuste salarial há quatro anos e carregam uma perda real de salários de quase 40%.  

Com o aumento das contribuições previdenciárias, que alcançará, a partir de maio próximo, tanto os funcionários federais em exercício quanto os aposentados, em descontos que vão até a 25% dos seus vencimentos e proventos, a situação de dependência desses servidores aos agiotas certamente se agravará.  

Os agiotas exploram também os trabalhadores do setor privado, os operários que recebem salários irrisórios e que se submetem ao pagamento de juros extorsivos na vã tentativa de ajustar suas despesas aos seus ganhos.  

As pequenas e médias empresas também são reféns da agiotagem. Com limitado acesso ao crédito bancário, seja oficial, seja privado, e tendo de cumprir compromissos com seus fornecedores, para fugir da inadimplência, submetem-se também aos agiotas.  

Desde a edição da Medida Provisória nº 1.820, o juiz está autorizado a declarar a nulidade dos contratos de mútuo com taxas de juros superiores às legalmente permitidas. Nestes casos, deve o juiz ajustar essas taxas a um limite razoável, em função das práticas vigentes no mercado. E se o juro extorsivo já tiver sido pago, deverá o juiz condenar o agiota a restituir em dobro ao devedor a quantia paga abusivamente.  

Tão antiga quanto outras mazelas do nosso tempo, a prática da agiotagem sempre se desenvolveu livremente, sob a complacência das autoridades. Para justificar a tolerância, brandia-se o argumento de tratar-se de um contrato livremente aceito pelas partes, com o agravante, para o agiota, da impossibilidade de uma cobrança pela via judicial, no caso de inadimplência do devedor.  

Mas não é bem assim. A prática da agiotagem exibe claramente sua face constrangedora para quem é a ela submetido. Além de cobrar um juro extorsivo, o agiota toma as suas precauções para evitar a inadimplência do devedor. Aproveitando-se da angústia de quem precisa desesperadamente de dinheiro, muitas vezes para salvar a vida de um doente da família, ou um bem adquirido a duras penas em vias de ser perdido, o agiota exige de sua vítima um cheque em branco, devidamente assinado, para ser imediatamente apresentado ao banco no valor que o agiota decidir.  

E vai mais longe. Dependendo da quantia emprestada, exige do credor o preenchimento do documento de transferência de propriedade de seu veículo, assinado e com firma reconhecida. Em caso de inadimplência, o veículo é tomado.  

Muitos agiotas exigem documentos de propriedade de outros bens do credor, principalmente imóveis. Não são poucos os casos de credores que, pressionados pelos juros avassaladores, cedem ao agiota até mesmo a casa onde moram, não raras vezes produto de uma vida inteira de lutas e sacrifícios.  

A Medida Provisória nº 1.820 cria condições para evitar tal prática, ao estabelecer, em seu art. 2º:  

"São igualmente nulas de pleno direito as disposições contratuais que, com o pretexto de conferir ou transmitir direitos, são celebradas para garantir, direta ou indiretamente, contratos civis de mútuo com estipulações usurárias".  

E o mais importante, Sr. Presidente, é que a Medida Provisória inverte o ônus da prova, ou seja, incumbirá ao agiota provar a legalidade da operação, sempre que a vítima recorrer à justiça contra os abusos cometidos.  

Para configurar o lucro excessivo do agiota, o juiz levará em conta a vontade das partes, as circunstâncias da celebração do contrato, o seu conteúdo e natureza, a origem das correspondentes obrigações, as práticas de mercado e as taxas de juros legalmente permitidas, conforme dispõe o parágrafo único do art. 1º da Medida Provisória nº 1.820.  

Infelizmente, Sr. Presidente, a abrangência da Medida Provisória é ainda insuficiente para alcançar todo o universo das práticas de agiotagem. Os agiotas estão a cada dia mais espertos. Reconhecendo a ilegalidade da operação e os riscos de serem enquadrados na legislação que disciplina as atividades do mercado financeiro, eles operam sem deixar rastros. Além do cheque em branco, ou do documento de transferência de propriedade de veículo ou bens imóveis, a vítima não assina nenhum documento, nem mesmo um simples recibo, capaz de configurar a operação.  

Trata-se, aparentemente, de um negócio na base da confiança. Mas não o é, pois o agiota se protege de outra forma, garantindo o recebimento do que emprestou, ou através do pagamento em espécie, via cheque em branco, ou mediante a cessão dos bens do credor  

Nesses casos, que são a maioria, a justiça pouco poderá fazer, a menos que se prove a vinculação entre o empréstimo e a emissão do cheque em branco, ou ainda a transmissão dos direitos de propriedade do credor para o agiota.  

Por isso, Sr. Presidente, insisto em que é preciso fazer muito mais para que essa Medida Provisória produza os efeitos que toda a sociedade espera e anseia.  

É essencial, em primeiro lugar, a realização, em caráter permanente, de uma ampla campanha de esclarecimento público, sobretudo através das emissoras de televisão, alertando as pessoas para as armadilhas dos agiotas. Tal campanha deve desenvolver-se principalmente nos horários nobres, como os jornais e as novelas de televisão, para que o maior número possível de pessoas seja alcançada pelas mensagens.  

Sob a responsabilidade do Ministério da Justiça, a campanha deve estimular as pessoas a fugirem dos agiotas, garantindo-se proteção e segurança a todos os denunciantes, utilizando-se, para tanto, a legislação que protege as testemunhas de crimes. E mais, deve o Ministério da Justiça estimular a instalação, em todo o País, especialmente no âmbito das instituições de defesa do consumidor, como os Procons, de disque-denúncia, para que as vítimas possam fazer suas denúncias.  

Ao mesmo tempo, a reedição da Medida Provisória nº 1.820, que ocorrerá no dia 5 de maio próximo, deverá ser aproveitada pelo Governo para ampliar o seu raio de ação, buscar formas mais eficazes de pôr a mão nos agiotas.  

Sabemos, Sr. Presidente, que há variados tipos de agiotagem, diversas formas através das quais os agiotas alcançam seus objetivos de obter lucros inescrupulosos à custa da miséria alheia. É preciso identificar quais as artimanhas utilizadas e as melhores formas legais de combatê-las.  

Essa é. também uma tarefa nossa, de cada um de nós, neste Senado e na Câmara dos Deputados, quando da avaliação da Medida Provisória no âmbito da comissão mista criada para examiná-la e em tramitação nesta Casa.  

Seria profundamente lamentável para todos nós, e frustrante para as vítimas da agiotagem, se as medidas de combate aos agiotas se revelassem insuficientes e ineficazes, e eles pudessem continuar livremente a praticar seu crime de usura.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são as dificuldades, quase insuperáveis, de acesso ao crédito, seja nas instituições oficiais, seja nos bancos privados, que movem os indivíduos e as empresas a submeterem-se ao agiota para honrar seus compromissos.  

A par disso, os juros, igualmente extorsivos, exigidos pelas instituições nas operações de crédito ao consumidor, e que chegam, em vários casos, como nos financiamentos de débitos do cartão de crédito, até a 12% ao mês, em comparação com uma inflação que gira em torno de 1% ao mês.  

Se as pequenas e médias empresas são obrigadas a recorrer aos agiotas, o fazem na maioria dos casos porque as portas dos bancos estão fechadas para elas.  

A crise econômica provocou o aumento da inadimplência e os bancos tornaram-se mais rigorosos e seletivos na concessão do crédito.  

Nem mesmo as garantias reais são suficientes. Os banqueiros relutam em aceitar imóveis, estoques e outros títulos representativos de garantia real. Eles exigem liquidez e preferem emprestar o seu dinheiro às grandes empresas, mais sólidas e com tradição de adimplência no mercado.  

É verdade que os lucros básicos da economia estão caindo, depois da subida vertical de 4 de março passado, quando, em plena crise provocada pela moratória russa, a taxa chegou aos 45%.

 

A partir de então, o Banco Central tem efetuado cortes nos juros - o último deles, promovido no dia 14 do corrente mês, reduziu a taxa para 34%. É possível que em sua próxima reunião, no dia 19 de maio, o Comitê de Política Monetária do Banco Central venha a efetuar um novo corte, desde que a inflação continue em declínio, seja intensificada a retomada do financiamento externo ao país e o mercado se mantenha receptivo aos títulos públicos prefixados do Tesouro Nacional.  

Infelizmente, porém, Sr. Presidente, essa diminuição do custo do dinheiro para os bancos não tem se refletido na redução da taxa de juros para o consumidor, nem para as pequenas e médias empresas, salvo pequenos cortes nas taxas de algumas operações, como o leasing de automóveis.  

No Banco do Brasil, as operações de cheque especial, que custam entre 8,4% e 9,4% ao mês, tendem a cair, mas em percentuais irrisórios, tornando inacessível esse tipo de financiamento.  

É claro que uma queda substancial da taxa de juros só ocorrerá com a plena execução do ajuste fiscal e o controle efetivo da inflação. Mas os bancos não podem, a pretexto de se precaverem contra os riscos da inadimplência, cobrar juros várias vezes superiores aos que pagam na captação. Essa pode ser uma espécie de agiotagem com outro nome.  

Sr. Presidente, nesta hora em que estamos aqui a debater o problema da renda mínima, é necessário, é urgente, é imperativo que o governo brasileiro, que as instituições, que a sociedade, todos, enfim, possamos nos unir para combater a prática da agiotagem, que é um dos crimes mais hediondos que existe na terra brasileira. Transmito aos Senadores a minha expectativa de que o combate à agiotagem seja verdadeiro onde quer que ela se encontre, em qualquer das casas do Brasil, inclusive no Congresso Nacional.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/1999 - Página 8792