Discurso no Senado Federal

REALIZAÇÃO, A PARTIR DE HOJE, NO RIO DE JANEIRO, DO TRIBUNAL DA DIVIDA EXTERNA, EVENTO QUE FAZ PARTE DA CAMPANHA DO JUBILEU 2000. SUBSERVIENCIA DO BRASIL A LOGICA DO CAPITAL ESPECULATIVO INTERNACIONAL.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA EXTERNA.:
  • REALIZAÇÃO, A PARTIR DE HOJE, NO RIO DE JANEIRO, DO TRIBUNAL DA DIVIDA EXTERNA, EVENTO QUE FAZ PARTE DA CAMPANHA DO JUBILEU 2000. SUBSERVIENCIA DO BRASIL A LOGICA DO CAPITAL ESPECULATIVO INTERNACIONAL.
Aparteantes
Edison Lobão, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/1999 - Página 8858
Assunto
Outros > DIVIDA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, FORO, DEBATE, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ORGANIZAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, SINDICATO, DISCUSSÃO, DEPENDENCIA, BRASIL, DIVIDA EXTERNA, PROPOSTA, SUSPENSÃO, PAGAMENTO, REDUÇÃO, JUROS, CRIAÇÃO, FUNDO ESPECIAL, AUXILIO, PAIS SUBDESENVOLVIDO.
  • ANALISE, DADOS, AUMENTO, DIVIDA EXTERNA, BRASIL, DENUNCIA, EXCESSO, PAGAMENTO, JUROS, SUJEIÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • CRITICA, FUNCIONARIO PUBLICO, SETOR, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, DEMISSÃO, GOVERNO, CONTRATAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, CAPITAL ESPECULATIVO, MERCADO FINANCEIRO, TRANSFERENCIA, INFORMAÇÃO.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a partir de hoje, na cidade do Rio de Janeiro, está sendo realizado o Tribunal da Dívida Externa. Trata-se de um evento promovido pela CNBB, pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, com a participação de diversas entidades sindicais, comunitárias e religiosas, de intelectuais, de juristas, de personalidades políticas e artísticas. Enfim, será uma atividade com representação de vários países, com a finalidade de apresentar uma sentença sobre a situação da dívida externa e, portanto, sobre a situação da dependência externa do Brasil.  

Evidentemente, todos nós sabemos que esse tribunal não é apenas um evento. Aliás, ele é parte de uma campanha muito maior, apoiada, inclusive, pelo Papa João Paulo II: a Campanha do Jubileu ano 2000. Todos nós, cristãos, sabemos que o Levítico, em seus versículos de 25 a 35, versa sobre o Jubileu, que, na tradição cristã, é um momento em que acontece o perdão das dívidas. Que o façamos antes que Bill Clinton nos sugira isso! Que haja o perdão das dívidas e, portanto, o cancelamento das dívidas dos países empobrecidos! Busca-se, com isso, restabelecer a justiça entre credores e devedores, assim como a paz e a harmonia entre os povos, possibilitando eliminar a perversa servidão estabelecida pelas dívidas.  

Todos nós sabemos que a dívida externa hoje é um tema esquecido nacionalmente. A grande imprensa não a menciona; fala no dólar, na calmaria do mercado, nos bilhões — tão cantados em verso e prosa — que os fariseus do FMI trarão para o nosso Brasil.  

Depois do Plano Brady, em 1994, Fernando Henrique, então Presidente, declarou que estava extremamente feliz com o problema da dívida externa. Além da redução do valor total da dívida externa por meio da redução do principal e das taxas de juros, o plano previa também a extensão dos prazos de pagamento, a substituição de obrigações e taxas flutuantes por títulos com taxas fixas. O desconto efetivo foi muito pequeno — 7,6% —, mas, claro, a propaganda enganosa do Governo divulgava que havia sido de 100%. Por isso é difícil que o povo acredite em político; não há Procon que agüente tanta propaganda enganosa.  

Como todos sabemos, a dívida externa brasileira ganhou vulto no início dos anos 70, quando o Governo brasileiro estimulou a captação de recursos externos para financiar o II Programa Nacional de Desenvolvimento. Em 1964, a dívida era de US$3 bilhões; em 1973, pulou para US$12,6 bilhões, 8% do PIB; em 1978, alcançou US$43,5 bilhões, portanto, 15% do PIB. A essa altura, já éramos considerados, sem dúvida, exportadores de capitais — unicamente exportadores de capitais, tanto pelo pagamento da dívida externa, como pela remessa de lucros das empresas do País. O Brasil, com a maior pose de exportador de capital, e a dívida aumentando. Em 1980, a dívida aumentou para US$71,5 bilhões; em 1989, US$115 bilhões; em 1994 — primeiro ano de Fernando Henrique —, era de US$146 bilhões; no final de 1998, US$235 bilhões — US$140 bilhões do setor privado e US$95 bilhões do setor público.  

Para se ter uma idéia, essa dívida, que, em quatro anos do primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique, aumentou praticamente US$100 bilhões, equivale a quatro anos de exportação, a dois anos de arrecadação de impostos federais e a seis vezes o valor das reservas em moedas estrangeiras que estavam — não estão mais — no Banco Central, no início do ano.  

E o pior é a lógica; por isso o tribunal da dívida externa está questionando. Quando a dívida — não dos governantes, mas do povo brasileiro, de cuja vida e dignidade é preciso arrancar para pagá-la — era de US$115 bilhões, o Governo pagou R$216 bilhões e, mesmo assim, continuou devendo US$212 bilhões. Então, não há lógica, nem matemática que consigam explicar tamanha subserviência.  

Agora, qual é a principal maneira de o Governo obter dólares para honrar seus compromissos externos? Conseguindo mais empréstimos, atraindo — em uma verdadeira atração fatal — o capital especulativo, com altas taxas de juros, que, conforme já foi dito várias vezes nesta Casa, sobrecarregam as empresas, a população, aqueles pobres mortais que operam com o real e os agiotas internacionais. Estes adquirem títulos do Governo e tão provisoriamente deixam o dinheiro no Banco Central, que me fazem lembrar Flash Gordon, das antigas revistas em quadrinho; no entanto, conseguem gerar no Governo, em setores importantes da mídia e em muitas personalidade políticas um saltitar alegre diante dessa pseudotranqüilidade e calmaria do mercado. Depois, rapidamente, como todo agiota, buscam seus dólares, acrescidos com os juros maiores do mundo. É por isso que a dívida interna, que há pouco tempo era de US$93 bilhões, hoje passou para US$400 bilhões.  

O mais doloroso — certamente, isso deve estar sendo discutido pelas mais diversas entidades religiosas, intelectuais e juristas — é verificar onde está esse dinheiro; é ver o montante das dívidas externa e interna deste País de dimensões continentais, que tem potencial para ser transformado em uma Nação rica. Nós não conseguimos ver onde está esse dinheiro, porque a realidade deste Brasil é de fome, desemprego, humilhação e sofrimento. O mais doloroso — por isso a opinião pública é a de tristeza com os políticos — é que os atuais protagonistas da subordinação à lógica das grandes potências, do capital especulativo e do Fundo Monetário Internacional são exatamente as mesmas personalidades que, nos anos 70, combatiam a política do endividamento irresponsável da ditadura militar e condenavam a submissão do Governo ao receituário do Fundo Monetário Internacional.  

Certamente, naquela época, o Presidente da República sabia o que era o termo "fracassomaníaco". Eu já disse, nesta Casa, que, embora a mídia tenha atribuído a outro a originalidade do termo, na década de 50, um velho cientista social norte-americano já o atribuía aos dirigentes que não acreditam na potencialidade de seus países e se submetem, subservientes, à lógica das grandes potências, do Fundo Monetário Internacional.  

O grave — daí a importância da CPI do Sistema Financeiro - é que, nessa vergonhosa subordinação, são muitos os negócios que se realizam nos altos escalões do Governo Federal. Antigamente, denunciávamos a pressão dos capitalistas e dos lobistas; hoje, a sensação que nós, brasileiros, temos é a de que eles não precisam mais fazer pressão, porque estão no coração do País, do qual são a própria representação. Eles não precisam mais pressionar as instâncias de decisão, de poder, porque já as comandam. São os emissários do capitalismo internacional; burocratas frios, a serviço dos interesses de outros países. Fazem isso com tal naturalidade, que os únicos termos apropriados — nós, do interior, chamamos de outra coisa — para designar o local onde se encontram essas pessoas seria "um gigantesco vazio moral".  

Como novata, busquei saber de alguns poucos casos. Francisco Gross foi Presidente do Banco Central durante a fase crítica da renegociação da dívida externa; mal terminou a negociação, foi contratado pelo maior credor externo brasileiro, o banco norte-americano Morgan. Marcílio Marques Moreira, ex-Ministro da Economia, representou no Brasil os interesses da megacorretora americana, responsável, inclusive, pela modelagem na operação de venda da Companhia Vale do Rio Doce, entre outras. Helena Landau era Diretora de Privatização do BNDES., quando saiu — certamente conhecia detalhes valiosos —, foi contratada por um banco norte-americano, cliente das nossas privatizações. José Luiz Alquéres era Presidente da Eletrobrás e participou da modelagem da privatização do setor elétrico; saiu para ser contratado por uma diretoria de um grande banco de investimento, que é potencial comprador do setor que ele ajudou a construir. Há outros envolvidos; um deles deixou a Secretaria de Política Econômica para assumir filial de bancos no Brasil. Armínio Fraga, como todos sabemos, foi Diretor do Banco Central e deixou a Diretoria do Banco Central para tornar-se Consultor do Grupo George Soros, responsável, como já discutimos nesta Casa, pelos maiores ataques especulativos a moedas, destruindo nações. Hoje, ele volta para o Banco Central.  

O Presidente da República diz à imprensa que a CPI deve ser criada para fiscalizar. O Ministro Pimenta da Veiga está dando uma lição ao dizer - isto está em todos os jornais de hoje - que o Congresso Nacional deve fiscalizar, mas que precisa legislar. Está ensinando aos Deputados e Senadores que é necessário legislar, esquecendo que quem tem, ao longo do tempo, usurpado a nossa prerrogativa constitucional de legislar é o próprio Governo Federal — a quem ele serve —, por meio de medidas provisórias. É muito bom que o Congresso possa legislar, porque não fará nada além de cumprir sua função constitucional, e ótimo que possa também fiscalizar.  

A CPI do sistema financeiro muito contribuirá se realmente for ao fundo do problema e não tratar Francisco Lopes — como alguns já disseram desta Casa — como um peixinho, um peixinho que foi apresentado ao Congresso como um samurai. O Ministro Pedro Parente disse que ele era um samurai que puxaria uma grande espada para enfrentar os tubarões do mercado especulativo. Não sei se ele, como samurai, imaginou ou incorporou as virtudes para a guerra, porque oportunismo e flexibilidade são virtudes na guerra. Talvez tenha incorporado dos samurais não a lógica e as virtudes de quem governa, mas outra lógica. Talvez até tenha feito o que saiu na revista, ao dizer que, quando desembainha a espada, tem que se ferir, nem que seja com o seu próprio sangue — deve ser apenas o sangue dele que estava jorrando — antes, para que a espada não perca a sua alma.  

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Concede-me V. Exª um aparte?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Concedo o aparte ao Senador Edison Lobão, que sempre diz que nunca interfere nos pronunciamentos da esquerda, porque, com seu aparte, destrói todos os pronunciamentos que fazemos. Digo isso com simpatia e sem nenhuma ironia, tenha certeza disso, Senador Edison Lobão.

 

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Sei disso, Senadora. V. Exª nos traz números e datas que parecem absolutamente verdadeiros. O que estraga, a meu ver, o seu discurso é a adjetivação. V. Ex.ª usa verdades para trazer coisas imaginárias. Por exemplo, ao dizer que, em 1964, o Brasil devia US$3 bilhões. Isso é verdade. Mas quem governava? O PT de então. Não havia o PT — assinalo, antes que V. Exª conteste. A expressão que usei foi "o PT de então", ou seja, o PTB, a extrema esquerda. O PT veio depois, como uma repartição daquilo que havia em matéria de esquerda. Àquela época, a inflação no Governo do Sr. João Goulart chegava a quase 100% ao mês.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Ao ano!  

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - O Brasil devia US$ 3 bilhões, e não havia quem quisesse emprestar-lhe nada. O País não tinha competência nem capacidade de dever um centavo a mais. Hoje, o País deve tudo isso, e o mundo continua nos emprestando, porque o Brasil é uma grande nação. Àquela época, o Brasil era a 48ª economia na escala mundial. Era, portanto, um território e não existia com o governo do PT de então. Atualmente, nosso País é a 10ª economia mundial. V Exª se refere ao período militar. Em verdade, houve uma elevação do endividamento naquela época. V. Exª afirma isso, mas não diz o motivo porque não lhe convém. Por que houve o endividamento? A grande crise do petróleo avassalou o mundo. Os Estados Unidos entraram em uma recessão profunda, com desemprego intenso. O Japão, a Alemanha, a Espanha, a França, a Inglaterra, enfim, todos os países optaram pela recessão, para corrigir as distorções oriundas da crise do petróleo, cujo preço saltou de US$2,00 para US$38,00 o barril. O Brasil preferiu manter o caminho do pleno desenvolvimento, e para tanto usou poupança externa. Nessa ocasião, construímos as grandes estradas e surgiram os telefones. V. Exª hoje conta com a facilidade do celular. Não havia telefone, mas a revolução promoveu a telefonia. A energia elétrica era irrisória, e hoje a temos em todo o País. A indústria automobilística criada por Juscelino foi intensificada no período revolucionário. Então, o endividamento se deu por todas essas razões. Não quero prolongar meu aparte. V. Exª diz que o Brasil é subserviente ao Fundo Monetário Internacional. Ouço isso todos os dias de Senadores e Deputados, mas entendo que o Brasil não é e nunca foi subserviente. O Brasil é sócio do Fundo Monetário Internacional, que não tem interesse em prejudicar nem nosso País nem a Rússia. V. Exªs elogiavam a Rússia, hoje não elogiam mais, porque fracassou, ruiu, faliu, era um regime falido. Pois bem, hoje já não elogiam mais a Rússia, ela não é mais paradigma; mas a Rússia também é sócia do Fundo Monetário. O Fundo não quer prejudicar nenhum país do mundo. Ele até pode oferecer conselhos equivocados, errados, mas não por má fé. O FMI está emprestando seu dinheiro e quer recebê-lo de volta. Se, deliberadamente, dá um conselho errado, de má fé, não irá recebê-lo. Portanto, é preciso que a adjetivação não suplante os números verdadeiros.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - V. Exª, como "petólogo", precisa estudar mais. O PT nunca elogiou a União Soviética. Digo isso com muita isenção, porque, na época, eu não era do Partido dos Trabalhadores. O PT surgiu como partido político justamente criticando o regime do leste europeu. Se aquele regime faliu, os que defendem o modelo neoliberal faliram ainda mais. São os senhores que estão sendo hoje questionados pelo mundo para dar uma resposta. O que fracassou foi o modelo que aí está. Se não tivesse fracassado, não estaríamos numa crise mundial. Como é que se responde aos indicadores sociais que temos no Brasil? Às gigantescas taxas de desemprego? À destruição de parques produtivos inteiros? À destruição do setor agrícola? À destruição de absolutamente tudo? E ao entreguismo do que se construiu? V. Exª resgatou o que se construiu, e tudo isso que se construiu...  

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Quase cem milhões de toneladas de produtos agrícolas é falência?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - ... está sendo entregue de uma forma vergonhosa pelo Governo Federal. À custa da fome, da miséria e do desemprego, forçam o povo a pagar uma dívida externa e entregam nosso patrimônio, de forma vergonhosa, por migalhas, em nome da tal estabilidade do mercado.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Senadora Heloísa Helena, V. Exª me concede um aparte?  

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT-AL) - Concedo a aparte a V. Exª.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Nobre Senadora Heloísa Helena, ao falar da dívida externa e mencionar que em breve teremos um julgamento desta dívida, volto ao passado e lembro que já participei, em São Paulo, em Campinas, aqui em Brasília por três vezes e em vários outros lugares, de tribunais que julgaram essa criminosa dívida externa. Em 1973, antes do aumento do preço do petróleo, a dívida disparou de três e poucos bilhões para mais de US$6 bilhões, porque quase US$4 bilhões ficaram em reserva. O governo dos banqueiros brasileiros, aliado aos militares, tomavam dinheiro emprestado e acumularam aqui quase US$6 bilhões em reserva. Foi essa reserva astronômica que estimulou o Presidente Geisel a realizar suas obras megalômanas, inclusive aquela em parceria com a Alemanha. Não havia na Alemanha nenhuma indústria termonuclear, pois era proibido a construção de tais usinas pelo Tratado de Rendição. Assim, não tinha experiência alguma nesse setor. E nos vendeu, através do contrato que o então Presidente Ernesto Geisel queria fazer com a Alemanha, por US$28 bilhões, o contrato do século, a fim de que importássemos não apenas esses três ou quatro vaga-lumes, mas muitas vezes mais do que isso. Desde a nossa independência política, que nos custou a dependência à dívida que Portugal tinha com a Inglaterra, a qual assumimos, e, desde sempre, somos escravos dessa dívida externa. E agora, tal como ocorreu nos anos 80, a dívida – que foi feita para quê? – cresce a tal ponto a fim de que nos endividemos e possamos importar artigos que estão sobrando no capitalismo eficiente, no capitalismo desumano. Importamos e nos endividamos. Todos os países subdesenvolvidos fazem a mesma coisa. E, a partir de determinado momento, a dívida, que antes aumentava as exportações e ajudava a dinamizá-los, agora, torna-se um obstáculo ao comércio internacional. E é por isso que o comércio internacional, a partir deste ano, está sofrendo uma contração, uma redução em relação ao ano passado. Por isso, até Bill Clinton está dizendo que devemos write off , riscar, acabar, perdoar. Não é que ele tenha assumido um caráter humano, cristão, papal, porque o Papa também é a favor dessa abolição. Mas os motivos do Presidente Clinton são esses. Eles devem perdoar um pouco essa nossa dívida externa para que possamos importar mais, endividar-nos de novo e apertar novamente essa corda que sempre passou em torno do nosso pescoço. De modo que parabenizo V. Exª pelo brilhante discurso, porque, realmente, todas as vezes que V. Exª fala, torna-me um pouco menos velho. Muito obrigado.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) — Pois imagine. São os cabelos brancos e a eterna juventude de V. Exª que me inspiram. Tenha certeza disso.  

Sinceramente, luto para transformar este País numa Nação. Já disse aqui nessa Casa que não torcemos pelo quanto pior melhor, porque sabemos que o quanto pior significa mais fome e mais miséria para a grande maioria da população que representamos. O quanto pior melhor não fragiliza a elite política irresponsável, fracassada e incompetente que destrói o nosso Brasil. Por isso, não torcemos pelo quanto pior melhor. É extremamente doloroso para nós vermos essa subordinação, essa subserviência.  

O Brasil, como V. Exª diz, Senador Lauro Campos, era considerado país subdesenvolvido; depois, passa a ser chamado país em desenvolvimento; depois, país devedor. E, quando nos chamam de mercado emergente, começamos a comemorar, como se isso fosse alguma coisa importante, simplesmente ser mercado para o capital especulativo internacional. Sabemos exatamente que as grandes nações não estão coisíssima nenhuma nessa globalização; não estão inseridas nela coisíssima nenhuma. Basta ver as gigantescas barreiras protecionistas para suas mercadorias, para protegê-las. Basta ver as gigantescas barreiras inclusive de ferro e concreto. Eu já disse nesta Casa: quem critica o Muro de Berlim tem que começar a criticar o muro de ferro e concreto que está dando choque elétrico na travessia México-Estados Unidos, para impedir que nossos miseráveis, a nossa força de trabalho vá até lá disputar com os americanos.  

Portanto, concluindo, Sr. Presidente, porque sei que já passei do tempo, nossa luta e, com certeza, a luta de todos que estão hoje no Rio de Janeiro — espero que todos os cariocas possam participar dessa discussão que se encerrará na quarta-feira —, é no sentido de que possamos efetivamente viver numa democracia. Isso que estamos vivendo não é democracia. A democracia não é o simples respeito à organização e à administração do Poder, a algumas regras estabelecidas na vida em sociedade. Se a democracia cria um vazio social, ela é impedida de garantir a distribuição de riqueza, ela está inclusive se deslegitimando. O que legitima a democracia, como um instrumento fundamental para a humanidade, é a possibilidade de garantir justiça social.  

Falando sobre as propostas do Tribunal da Dívida Externa, como eles levantaram, e todos sabemos, o volume que hoje se paga da dívida externa, dessa dívida imoral, daria para pagar um salário mínimo por mês, durante três anos, para todos os 30 milhões de brasileiros pobres e famintos e, portanto, tirá-los da miséria; daria para criar três milhões de empregos na indústria por ano; assentar no campo nove milhões de famílias, embora tenhamos menos de cinco milhões de sem terra, construir catorze milhões de casas, embora nosso déficit habitacional seja de dez milhões de casas, aplicar cinco vezes mais em saúde e dez vezes mais em educação do que é gasto hoje.

 

Portanto, as propostas do Tribunal são: a suspensão do pagamento – porque todos entendemos que a dívida externa já foi paga, tanto pelo sangue, pelo sofrimento e pelo suor do povo brasileiro, como matematicamente –; a auditoria das dívidas, para sabermos para onde foi o dinheiro e quem efetivamente ganhou com essa forma; o não pagamento de juros além dos 12% estabelecidos pela Constituição; a proposta – de autoria do ganhador do prêmio Nobel de Economia – de se estabelecer um grande fundo de todas as operações financeiras para fazer um "fundão" de ajuda para os países subdesenvolvidos e, é claro, a autonomia em relação ao Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional.  

Para isso, bastava que se cumprisse a Constituição, que é muito clara, em seu art. 170, inciso I, que trata justamente da soberania nacional – Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica – e que apresenta a soberania como um requisito fundamental para o agente político em sua relação com o mundo.  

Finalizando, quero mais uma vez saudar a CNBB, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, enfim, todos que, até quarta-feira, reúnem-se dizendo NÃO à dívida externa e, portanto, por intermédio do Tribunal, dizendo SIM à vida da gigantesca maioria dos brasileiros.  

Agradeço a benevolência, porque sei que passei do tempo, Sr. Presidente.  

Obrigada. 

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/1999 - Página 8858