Discurso no Senado Federal

ANALISE DE ESTATISTICAS RELATIVAS AS DESIGUALDADES REGIONAIS DE RENDA ENTRE A REGIÃO NORDESTE E O RESTO DO BRASIL.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • ANALISE DE ESTATISTICAS RELATIVAS AS DESIGUALDADES REGIONAIS DE RENDA ENTRE A REGIÃO NORDESTE E O RESTO DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 28/04/1999 - Página 8989
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • DENUNCIA, CONTRIBUIÇÃO, ESTADO, CONTINUAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, BRASIL.
  • ANALISE, DADOS, SUPERIORIDADE, VALOR, APOSENTADORIA, MUNICIPIOS, COMPARAÇÃO, RECURSOS, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM), PRECARIEDADE, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO.
  • CRITICA, BANCO DO BRASIL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), CONCENTRAÇÃO, INVESTIMENTO PUBLICO, PRIVILEGIO, REGIÃO SUDESTE, IGUALDADE, SITUAÇÃO, INVESTIMENTO, INICIATIVA PRIVADA.
  • ANALISE, MODELO, CONCENTRAÇÃO, INDUSTRIA, COMENTARIO, PREJUIZO, ESTADO DA PARAIBA (PB), DADOS, REDUÇÃO, ECONOMIA.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, POLITICA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ATENÇÃO, CARACTERISTICA, MICRORREGIÃO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, "o Brasil é o império britânico de si mesmo, e sem dispersão; (...) E o Nordeste (...) é uma colônia ... especial, (...) a "da Coroa", (título) que o Rei dá aos territórios mais mendigos."  

A citação acima, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de um poema de João Cabral de Melo Neto, em seu livro Agrestes, dá um retrato poético - mas nem por isso menos cruel - da situação de desigualdade social que sempre imperou em nosso País e que é visível para qualquer um. Segundo o poeta, as imagens sobre o Brasil ser império britânico de si mesmo e de o Nordeste ser a colônia mendiga teriam sido fornecidas por um amigo inglês a quem ele teria fornecido dados sobre o Brasil.  

Para falar disso, venho hoje à tribuna. Não para falar das desigualdades interregionais, simplesmente, pois disso todos nós já sabemos, visto sermos, nesta Casa, os porta-vozes das mais diversas regiões. Falarei das desigualdades, sim, mas alertando para o fato de que elas foram construídas e não são, portanto, obra do acaso; falarei delas não apenas por mencionar, mas alertando para o fato de que são alimentadas - e, por isso, tendem a se perpetuar -; falarei delas, enfim, para advertir que o futuro dessas desigualdades está, em grande parte, nas mãos de quem dirige os destinos econômicos do País - entre estes, chamar a responsabilidade, por pequena que seja, desta Casa Legislativa.  

Com menos poesia, porém com mais realismo, o economista Francisco de Oliveira caracterizou o modo distorcido como foi engendrada a divisão inter-regional do trabalho, que passou a reproduzir continuamente níveis e formas diferenciadas de crescimento econômico entre as regiões brasileiras.  

O estudo denominado "Mudanças na divisão inter-regional do Brasil" foi publicado na década de 70, baseando-se na análise das contas de 1946 a 1968. De resto, isso, naquela época, não era novidade, mas, diante de tudo o que o Estado fez nesse período, é estarrecedor constatar que, em trinta anos, essa realidade pouco tenha mudado.  

Chamou-me a atenção, particularmente, a reportagem publicada no Correio Braziliense de 18 de abril, em que se noticia a extrema dependência de muitos Municípios brasileiros em relação à Previdência Social. Segundo a reportagem, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a economia desses Municípios é extremamente dependente da aposentadoria dos idosos, particularmente nos Municípios em que predomina a agropecuária. Os idosos, nessas cidades, segundo o Correio, são tão importantes quanto o delegado, o padre ou o juiz, pois dos primeiros depende o comércio e a economia local.  

A reportagem, baseada num livro do economista Álvaro Sólon de França, ex-Presidente da Associação Nacional dos Fiscais de Contribuição Previdenciária (Anfip), revela que os recursos da Previdência Social são "fundamentais para a sobrevivência de pelo menos 3,1 mil Municípios do País (57,3% de 5,5 mil pesquisados)". Segundo ele, nessas cidades, "o valor dos benefícios pagos a aposentados é maior do que o próprio Fundo de Participação dos Municípios (FPM), mecanismo pelo qual se distribui o dinheiro dos impostos."  

Ao contrário do que se possa pensar, isso não ocorre apenas nos Estados do Nordeste, mas também nos do Sul e do Sudeste, como é o caso do Estado do Rio de Janeiro, onde o pagamento de benefícios supera o FPM em 74 dos 91 municípios pesquisados. O mesmo ocorre em 476 das 853 cidades pesquisadas em Minas Gerais. Já no Rio Grande do Sul, a proporção de municípios com maior volume de recursos vindos da Previdência que do FPM é de 271 contra 467.  

Mesmo nas 100 melhores cidades brasileiras, classificadas pelo índice municipal de desenvolvimento humano, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), verifica-se que em apenas quatro delas o pagamento dos benefícios é inferior ao Fundo de Participação.  

Num Município como o de Araçatuba, em São Paulo, o pagamento de benefícios fica em mais de 58 milhões, ao passo que o Fundo de Participação é de apenas 8 milhões.  

Em meu Estado, a Paraíba, na cidade de Rio Tinto, os benefícios totalizam mais de R$7 milhões contra menos de R$2 milhões do FPM. Alertado por essa situação, venho trazer hoje um apelo à União, para que não esqueça seus compromissos - inscritos na Constituição - de atuar para reduzir as disparidades regionais.  

Particularmente nestes tempos de inserção do País na economia mundial, pergunto-me: como esses pequenos municípios participarão da tal globalização? Em que condições? Há o sério risco, Sr. Presidente, de essas disparidades se agravarem, pois as áreas menos desenvolvidas podem ficar fora do fluxo internacional de comércio.  

Nesse particular, gostaria de chamar a atenção para o seguinte objetivo de uma política de desenvolvimento: "reduzir as indesejáveis disparidades regionais com respeito às condições de vida e de trabalho". Adivinhem de que país é este objetivo? Engana-se quem respondeu Brasil; trata-se de objetivo fixado pela Suíça, diante das disparidades entre seus territórios.  

O que dizer, então, do Brasil, que tem uma das maiores taxas de disparidade de renda do mundo? O que dizer do Brasil, em que a média da renda per capita do Nordeste representa menos do que a metade da renda per capita nacional? Que objetivos teriam que ser fixados para nós? Cabe, diante disso, fazer uma pequena reflexão sobre o modo como essas disparidades foram construídas, como se mantêm e como poderão se perpetuar – ou não, se algo for feito a respeito.  

A economia nacional está hoje regionalmente localizada, com a supremacia do Sudeste sobre as outras regiões, sendo que estas últimas são periféricas, mesmo com o pequeno movimento de desconcentração havido nos últimos 20 anos. Para elas, não há muitas soluções. Porém, as disparidades não são somente entre regiões. São também entre Estados da Federação e, ao que parece, com tendência à perpetuação.  

Vejamos este exemplo: em 1895, alguns Estados brasileiros, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Bahia, detinham três quartos da economia nacional; em 1994 esse percentual havia subido para 77,3%. As desigualdades brasileiras podem ser localizadas nas estruturas produtivas, nas relações de trabalho, nas condições de vida e nas possibilidades de acesso aos bens e serviços.  

Pelo relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, os nove Estados do Nordeste ocupam as nove últimas posições entre os 26 Estados do Brasil; o Nordeste, apesar de ter menos de um terço da população nacional, responde por 45% dos pobres; dentre as pessoas ocupadas com ganho de até um salário mínimo, 35% estão no Nordeste, contra 15% no Sudeste; apenas um quarto dos trabalhadores nordestinos estão vinculados à previdência social, contra 60% no Sudeste.  

A análise do acesso à água encanada, aos esgotos e aos leitos hospitalares segue a mesma linha, como é do conhecimento de V. Exªs, razão pela qual omito os dados relativos a esses serviços.  

Vejamos, agora, quais são as possibilidades de mudança a curto prazo. Tomemos os investimentos federais. Fiquemos com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).  

O Banco do Brasil, de um modo geral, tem reduzido os seus investimentos - de US$4,6 bilhões, em 1990, para US$1,3 bilhão, em 1995 -, concentrando-os no Sul em detrimento de todas as outras regiões; a Caixa Econômica Federal reduziu os seus investimentos de US$3,7 bilhões, em 1990, para US$800 milhões, em 1994, privilegiando o Sudeste. Já o BNDES, embora tenha aumentado seus investimentos do equivalente a US$3,8 bilhões para US$9,7 bilhões, mantém a discriminação em dia, uma vez que, em 1991, a proporção era de 24% de investimentos no Nordeste e de 42% no Sudeste, e essa proporção, em 1995, diminuiu para 15% no Nordeste e subiu para 49% no Sudeste.  

Alguém poderia alegar que tais valores são proporcionais à participação das respectivas regiões no PIB, alegação que só reforça o caráter perpetuador dessas desigualdades. Cabe, então, indagar: quando as proporções vão mudar para que os resultados possam ser diferentes?  

Tomemos agora os investimentos privados. Numa pesquisa do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo sobre as oportunidades e intenções de investimentos industriais de 1995 a 2000, constatou-se a concentração de investimentos de 64,3% no Sudeste contra 17,6% no Nordeste. Nas intenções de investimento chama a atenção, também, o seu caráter: enquanto a indústria pesada, que dinamiza a economia, concentra-se no Sudeste, para o Nordeste vão os investimentos em bens intermediários, ou seja, a chamada indústria leve.  

Qual o resumo, então, desse mapa de desigualdades? Temos a existência de uma região onde estão localizadas as atividades estratégicas e de uma outra série de regiões girando na periferia desta.  

Nas décadas de 70 e 80, com os chamados planos nacionais de desenvolvimento, com a crise do petróleo e com a busca de novas fontes energéticas, houve uma certa desconcentração das empresas, algumas delas estatais, mas também da iniciativa privada, que se instalaram fora do centro de gravitação do Sudeste.  

Assim, tivemos a petroquímica, na Bahia; o Projeto Carajás, no Pará. Por outro lado, os incentivos fiscais favoreceram o Centro-Oeste, com a agroindústria. Nesse meio tempo, Estados como a Paraíba pouco se beneficiaram dessa desconcentração, mesmo quando outros da região - como Alagoas, Ceará, Maranhão - se beneficiaram. O que significa que a desconcentração não foi articulada e que as políticas setoriais e macroeconômicas determinam ora a concentração, ora a desconcentração, sem uma direção por parte do Estado.  

Essas mesmas políticas setoriais apontam, agora, para novos recortes regionais. A Amazônia, por exemplo, separa-se em duas: a oriental e a ocidental. Na primeira, um eixo econômico, do Pará ao Maranhão (Carajás); na segunda, uma articulação entre Rondônia, parte do Centro-Oeste e Mato Grosso (soja e outros produtos). Além desses dois segmentos, por fora temos a Zona Franca de Manaus, com articulação maior com o restante do País e menor com a Região Norte. Do mesmo modo, o Sul vincula-se mais às economias regionais, principalmente ao Mercosul.

 

Esses novos regionalismos, como se vê, têm um determinante menos territorial e mais ligado a identidades sociais e a projetos políticos. Num contexto como esse, como fica um Estado como a Paraíba? Especialmente num momento de inserção da economia brasileira na economia mundial, como responder às novas demandas?  

Um estudo do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene) aponta, por exemplo, uma "involução" da economia paraibana entre os anos de 1960 e 1992. Nesse período, a economia paraibana teria tido um PIB com desempenho inferior ao do Nordeste como um todo. No período, houve as maiores taxas de migração. Aliadas às crises brasileiras cíclicas e seus processos - muitas vezes frustrados - de estabilização, as secas comprometeram a agropecuária de maneira mais profunda que no caso dos Estados vizinhos. Em conseqüência, a indústria paraibana, muito voltada para a economia estadual, sofreu revezes. Não por acaso, o grau de integração com a economia do restante do País e a acumulação de capital produtivo foi prejudicada.  

Quanto ao processo de acumulação de capital, no caso da Paraíba, embora não tenha sido suficiente para integrar o Estado ao restante da economia nacional, trouxe a desorganização das formas tradicionais de produção, resultando em enorme excedente de mão-de-obra.  

Tudo isso faz que questionemos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o modo como uma economia estadual nessas condições pode ser, de repente, incorporada - ou melhor, engolida - pelo turbilhão de uma economia global marcada por uma excessiva e altíssima competitividade.  

Ainda sobre a minha querida Paraíba, gostaria de trazer à baila alguns dados, não para lamentar mas para evidenciar esse processo de desigualdades regionais. Em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (1996), o Estado da Paraíba está em 24º lugar; no Mapa da Fome III, do IPEA (1993), de seus 171 municípios, 147 estão na faixa de 55% ou mais de famílias indigentes, chegando um deles a 71% das famílias na condição de indigentes. Mesmo a Capital, João Pessoa, tem um patamar de indigentes acima das demais capitais nordestinas.  

Mas essa não é uma exclusividade da Paraíba, pois no restante do País os pequenos municípios são os que mais convivem com o problema da miséria. Pelo Mapa da Fome III, os municípios com até 50 mil habitantes são os que mais convivem com a miséria, concentrando algo próximo de 40% de famílias indigentes. Isto se torna tanto mais espantoso quando vemos que os municípios com até 50 mil habitantes constituem 90% do total de cidades, abrigando mais da metade dos 9 milhões de famílias famintas.  

Levantados todos esses dados, volto à minha reflexão inicial, que é a da necessidade de a União atuar de modo significativo para reduzir as desigualdades, que não são somente inter-regionais, mas entre Estados e entre cidades, ou até mesmo entre regiões do mesmo Estado, ou entre sub-regiões.  

Não é possível que esses municípios - tomemos os municípios, por serem os locais de maior possibilidade de acesso à cidadania - continuem à margem de políticas consistentes para pôr fim às desigualdades. Não é possível que o acaso (o munícipe ser um aposentado da Previdência Social) seja o fator de soerguimento da economia municipal.  

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é necessário um ajuste dos projetos econômicos por uma espécie de "sintonia fina", buscando detectar onde estão as fragilidades e as potencialidades de cada região, de cada município. E, a partir desse diagnóstico, criar programas que possibilitem o resgate dessas economias antes de sua inserção no mercado mundial, pois antes elas precisam se consolidar no próprio mercado nacional.  

Desse ponto de vista, é preciso verificar o que é possível fazer em cada lugar. As respostas serão várias: num lugar, pode ser o incremento de tecnologia; noutro, pode ser o treinamento ou o retreinamento de mão-de-obra; noutro ainda pode ser a construção de infra-estrutura, e assim por diante. O que não pode ocorrer é deixar como na "terra de murici", em que é "cada um por si", mesmo porque não se construiu a riqueza nacional nessa base.  

Todas as regiões contribuíram, de algum modo, para o processo de acumulação que hoje privilegia certos centros industriais. Mas uma coisa é certa, Srªs e Srs. Senadores, o Estado não pode se omitir, não pode "ficar levitando" acima dessas disparidades, deixando que "o mercado" faça os ajustes necessários.  

Este é o meu alerta, Srªs e Srs. Senadores: que sejam criadas e mantidas políticas de superação de desigualdades sociais, econômicas e culturais. Do contrário, crescerá a desagregação social e não se sabe que resultados tal desagregação poderá ter.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/04/1999 - Página 8989