Discurso no Senado Federal

JUSTIFICATIVA A APRESENTAÇÃO DO REQUERIMENTO 205, DE 1999, LIDO NA PRESENTE SESSÃO, SOLICITANDO INFORMAÇÕES AO MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO SOBRE O ANUNCIADO PROGRAMA DE FINANCIAMENTO, POR PARTE DO BNDES, A EMPRESAS ENDIVIDADAS EM DOLAR.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA E DO COMERCIO EXTERIOR (MDIC), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.:
  • JUSTIFICATIVA A APRESENTAÇÃO DO REQUERIMENTO 205, DE 1999, LIDO NA PRESENTE SESSÃO, SOLICITANDO INFORMAÇÕES AO MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO SOBRE O ANUNCIADO PROGRAMA DE FINANCIAMENTO, POR PARTE DO BNDES, A EMPRESAS ENDIVIDADAS EM DOLAR.
Aparteantes
Artur da Tavola, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/1999 - Página 9147
Assunto
Outros > MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA E DO COMERCIO EXTERIOR (MDIC), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.
Indexação
  • LEITURA, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ORADOR, SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA E DO COMERCIO EXTERIOR (MDIC), ESCLARECIMENTOS, PROGRAMA, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), FINANCIAMENTO, EMPRESA NACIONAL, DIVIDA, MOEDA ESTRANGEIRA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srªs e Srs. Senadores, não bastasse a preocupação da Nação brasileira com os diversos instrumentos de que se utiliza o Governo - como o BNDES, o Banco do Brasil, os Fundos de Pensão das empresas estatais, o Banco do Nordeste do Brasil, o BASA, dentre outros; não bastasse a preocupação de toda a sociedade brasileira com o que está sendo desvendado pela CPI do Sistema Financeiro, averiguando formas pelas quais autoridades tomam decisões para beneficiar grandes grupos econômicos, muitas vezes divulgando informações privilegiadas ou mediante concessões a poucas empresas ou instituições financeiras - no caso, os Bancos Marka e FonteCindam - que realizaram operações cambiais a taxas mais favorecidas do que as oferecidas às demais instituições financeiras no mercado; não bastasse a preocupação com o processo de privatização, por meio do qual o BNDES canaliza recursos a taxas de juros...  

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me permite um aparte? Desculpe-me pedi-lo logo no início de seu pronunciamento, um aparte súbito.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Concederei o aparte com muita honra, mas preciso concluir o meu pensamento.  

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - Eu gostaria de comentar rapidamente a primeira parte do discurso de V. Exª.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Estou concluindo-a.  

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - Então está certo. V. Exª me desculpe. Eu abro mão do meu aparte.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Não. Faço questão de conceder o aparte a V. Exª, com muita honra, Senador Artur da Távola. Mas V. Exª, que respeita tanto o vernáculo brasileiro, ilustrando-o com uma bonita forma de expressão, saberá como é importante a conclusão do meu pensamento.  

Retomando minha linha de raciocínio. Não bastasse a preocupação dos brasileiros com a maneira pela qual as instituições oficiais destinam recursos a grupos econômicos privados para que adquiram patrimônio público, eis que agora o BNDES anuncia a realização de uma operação para financiar as 90 maiores empresas brasileiras. E por que, Senador Artur da Távola? Porque essas empresas estavam com grandes dívidas em moeda estrangeira. Entretanto, a dívida do povo brasileiro de alguma forma também cresceu: os custos dos bens e serviços aumentaram. Mas para as 90 maiores empresas brasileiras, eis que o BNDES, com a ajuda de uma instituição financeira internacional, realizará uma operação que precisa ser melhor esclarecida.  

E, Senador Artur da Távola, concederei o aparte a V. Exª logo após ler o requerimento de informações que estou encaminhando ao Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Solicito que S. Exª encaminhe ao Senado as seguintes informações:  

1) O BNDES está preparando a criação de uma empresa sediada nas Ilhas Cayman, com a finalidade de lançar títulos no mercado internacional em troca dos papéis de empresas brasileiras emitidos no exterior? Em caso afirmativo, como será constituído o capital dessa nova empresa?  

2) Que tipo de papel essa nova empresa vai lançar no mercado? Quais os critérios para a troca dos títulos das empresas endividadas em moeda estrangeira por esse novo papel? Qual o valor dessa dívida que o BNDES pretende trocar? Quem são seus detentores? Qual o critério para se candidatar a essa troca?  

3) Por que o BNDES está escolhendo as Ilhas Cayman para sede dessa nova empresa e não o Brasil? Qual é o amparo legal para a criação e o lançamento desses títulos?  

4) Quais as garantias que o BNDES vai oferecer para essas operações de troca de títulos?  

5) Que garantias as empresas endividadas darão ao BNDES?  

6) Como apenas grandes empresas têm acesso ao mercado de títulos externos? Parece evidente que essas operações levarão a uma maior concentração de riqueza no Brasil. Que estimativa faz o Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio desses efeitos concentradores decorrentes do conjunto dessas operações?  

Senador Artur da Távola, noticia-se, nos últimos três dias, que o BNDES, juntamente com o Banco Goldman Sachs, estaria preparando uma operação com o objetivo de permitir que empresas brasileiras endividadas em moeda estrangeira pudessem trocar e alongar os seus débitos, e que na arquitetura dessa operação estaria incluída a criação de uma empresa nas Ilhas Cayman, conhecido paraíso fiscal. Por isso, é importante que saibamos que garantias o BNDES oferecerá para o lançamento dos títulos dessa nova empresa; que garantias irá exigir das empresas que farão parte, e quais são os efeitos concentradores de riqueza dessa operação anunciada pelo Presidente do BNDES, José Pio Borges.  

Com muita honra, Senador Artur da Távola, concedo o aparte a V. Exª; em seguida, ao Senador Lauro Campos.  

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - Obrigado, Senador Suplicy. O meu aparte já não está mais oportuno.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Sempre é oportuno.  

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - Não é não. Por isso quis interrompê-lo ao começo. Não queria atrapalhá-lo de maneira alguma. V. Exª começou seu discurso mais ou menos com estas palavras ou seguramente com este pensamento: "enquanto as autoridades financeiras dão informações privilegiadas, favorecendo grandes grupos financeiros..." Nesse ponto, solicitei o aparte para fazer-lhe a seguinte pergunta: se V. Exª está convicto disso, o que está fazendo na Comissão Parlamentar de Inquérito? Porque eu acreditava até hoje que V. Exª estava lá para apurar.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Estou lá para apurar.  

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - V. Exª já tem posição firmada, o que, a meu juízo, é bastante estranho. Sendo V. Exª um brilhante e eminente Líder oposicionista, um homem de absoluta correção ética e aberto ao diálogo, enfim, um homem com qualidades magníficas, perguntei-me o que um homem com essa abertura estaria fazendo na Comissão Parlamentar de Inquérito. Ou seja, ele não está ali para apurar; possivelmente esteja na Comissão para confirmar a sua tese, o que, desde logo, já inquina de alguma forma a participação de V. Exª, de uma participação honrada, inteligente, correta e patriótica sempre, mas absolutamente comprometida com uma opinião prévia. Era esse o aparte.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Senador Artur da Távola, V. Exª, com muita propriedade, chama a minha atenção para o fato de que eu já estaria avançando sobre o que constitui o nosso dever - e meu, como membro da CPI - na apuração dos fatos. V. Exª usa o verbo, e aceito a sua ponderação, porque a CPI ainda não chegou à conclusão como um todo. Os membros da CPI certamente irão examinar todas as provas e documentações para chegar ao seu relatório final para sua conclusão. Um dos objetivos principais da CPI é examinar se houve o vazamento de informações privilegiadas com respeito, por exemplo, a pessoas ficarem sabendo, com antecedência, da possibilidade da desvalorização abrupta do real e, assim, realizarem operações.  

Esse tipo de informação privilegiada, nitidamente, é objeto da apuração da CPI, mas há certo tipo de relacionamento que ocorre entre o Poder Público Federal e empresas que me permite, Senador Artur da Távola, já dizer que há segmentos que estão sendo objeto de favor por parte de instituições oficiais, correspondendo a laços que envolvem tanto a informação, quanto a própria liberação de recursos de instituições oficiais.  

Assim, Senador Artur da Távola, com todo o respeito que tenho por V. Exª, chego a uma conclusão sobre o processo de privatização. Na minha avaliação, o Governo, ao conceder empréstimos a taxas de juros bem menores, com recursos do BNDES para os grupos empresariais "A", "B" e "C" adquirirem patrimônio público, de alguma maneira, isso constitui uma forma de gerar concentração de renda e de riqueza. Sob esse aspecto, eu, pelo menos, tenho a minha conclusão. Quanto a outros aspectos, os que estão sendo objeto de apuração da CPI, V. Exª tem razão: devo-me portar conforme a sua recomendação.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Senador Lauro Campos.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Fico realmente maravilhado com o desempenho de V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy, no cumprimento dos seus dois mandatos senatoriais. Em todo o lugar onde haja a necessidade de de sua presença, V. Exª se faz presente. Leva a sua coragem, o seu denodo e a sua inteligência. Em seu pronunciamento de hoje, gostaria de fazer dois ligeiros e rápidos reparos ou, talvez, duas colocações. A primeira é a que se refere a uma opinião transmitida pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, no programa "Roda Viva". Ao ser perguntado por que havia nomeado Chico Lopes para presidente do Banco Central, Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso - homem de uma agilidade mental indiscutível e que não tem as peias que alguns têm, as peias da coerência, as peias dos compromissos com o passado, porque ele muda sempre e tem uma flexibilidade muito grande -, respondeu: "Quem não tem cão, caça com gato". Quem é o cão? Quem é o gato? Então o gato seria o meu ex-colega, professor Francisco Lopes. E as coisas felinas, próprias do gato, nós sabemos quais sejam. Então, é de uma infelicidade enorme. Sua Excelência não tinha um cão para nomear para Presidente do Banco Central. Encontrou, finalmente, o cão. Quem não tem cão, caça com gato. Estava caçando com o gato, com Francisco Lopes; depois, então, encontrou o cão para caçar melhor, o Sr. Armínio Fraga, e o colocou na Presidência do Banco Central. Para mim, bastaria isso para elucidar uma série de dúvidas que podemos e devemos ter a respeito de um banco que vende o dólar a R$1,27 quando o dólar já se encaminhava para R$2,10. O BNDES, este sim, é um organismo jurássico, fundado em 1953, com um adicional do Imposto de Renda, é useiro e vezeiro em fazer isso que continua fazendo, pois, por intermédio da Srª Elena Landau, subavaliou empresas estatais, emprestou a juros baratíssimos recursos do BNDES, do povo brasileiro e recursos vindos da dívida externa para que empresas estatais estrangeiras, empresas estrangeiras, barões de Steinbruch, pessoas não muito qualificadas, pudessem, com dinheiro do BNDES, adquirir, na bacia das almas, as empresas estatais. Na Argentina, há um movimento para reestatizar as empresas privatizadas; no Brasil, um dia teremos uma CPI para o BNDES, pois ele merece por ser um órgão anti-social e concentrador de renda, desde os anos 60. Pois bem, agradeço a V. Exª a oportunidade deste aparte e peço desculpas por ter sido demasiado longo.

 

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço o aparte, Senador Lauro Campos. De fato, o paralelo, a imagem que fez o Presidente Fernando Henrique Cardoso dos escolhidos para presidente do Banco Central foi a mais infeliz possível. Se já foi inadequado comparar qualquer pessoa capaz para assumir a presidência do Banco Central com um cão, comparar a figura de Francisco Lopes com um gato que estaria substituindo alguém torna tudo muito mais estranho, porque, afinal de contas, ele foi escolhido na pressuposição de ser um dos maiores economistas brasileiros, colega de V. Exª e que, inclusive, ganhou o respeito da Casa, até que surgiu esse episódio, que ainda está por ser esclarecido.  

Acompanhei Chico Lopes quando ele foi detido à Polícia Federal, ocasião em que dei o meu testemunho do que ocorrera na CPI. Fiquei impressionado quando ele confirmou, para mim, o seu diálogo com o Presidente da República, durante aquele interregno onde ele foi, por breves dias, presidente do Banco Central. Em certo momento, o Presidente lhe pergunta qual a sua opinião sobre o nome de Armínio Fraga para substituí-lo. Surpreendido, ele disse que quem deveria ser substituído era o Ministro da Fazenda.  

Qual o significado de tudo isso? São temas que esta CPI tem a oportunidade de esclarecer, e eu tenho a convicção de que quando o Sr. Pedro Malan vier a esta CPI certamente terá a oportunidade de esclarecer inteiramente quais foram os motivos que resultaram em um verdadeiro curto-circuito, em poucos dias, na equipe econômica.  

Com respeito ao BNDES, estamos extremamente preocupado, porque afinal de contas o BNDES interage com o FAT, o Conselho do Fundo de Amparo ao Trabalhador, onde há, inclusive, a presença de representantes de trabalhadores. Fico imaginando a preocupação dos representantes das Centrais Sindicais dos Trabalhadores quando ali há uma operação de salvamento para as grandes empresas. Acredito que o Ministro do Desenvolvimento, Celso Lafer, agora responsável pelo BNDES, tem que explicar isso muito claramente, que aliás é um tema relacionado ao objeto da CPI do Sistema Financeiro.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/1999 - Página 9147