Discurso durante a 45ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ASSASSINATO DO ESTUDANTE DE MEDICINA DA USP, EDSON TSUNG CHI HSUEH.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. ENSINO SUPERIOR. HOMENAGEM.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O ASSASSINATO DO ESTUDANTE DE MEDICINA DA USP, EDSON TSUNG CHI HSUEH.
Aparteantes
Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/1999 - Página 9818
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. ENSINO SUPERIOR. HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, VIOLENCIA, RECEPÇÃO, ESTUDANTE, INGRESSO, UNIVERSIDADE, REFERENCIA, MORTE, ALUNO, MEDICINA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP).
  • SOLICITAÇÃO, REITOR, UNIVERSIDADE, PAIS, PREVENÇÃO, VIOLENCIA, INGRESSO, ESTUDANTE.
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, TRABALHO, COMENTARIO, AUMENTO, SALARIO MINIMO.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil está sofrendo, há dois meses, a dor coletiva causada pela morte do jovem Edison Tsung Chi Hsueh, vítima, ao que tudo indica, de um trote promovido pelos alunos veteranos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.  

Evitei abordar essa questão até hoje porque, como sempre, fui avesso a conclusões açodadas ou a acusações desprovidas de fundamentos irretorquíveis. Mas, desde o primeiro momento, ficou muito claro o fato em que se originou aquela tragédia: a violência que costuma cercar as manifestações pretensamente jubilosas, a pretexto do ingresso de novos estudantes nas instituições de ensino superior. Confesso, ademais, que sempre vi com preocupação e receio as seguidas notícias, vindas de todas as partes do território nacional, enfocando situações de grande constrangimento ou até mesmo de franca agressividade contra os chamados "calouros". Todos poderíamos citar, de memória, casos que vão desde atos de insensata hostilidade moral ou psicológica até danos físicos graves, como, por exemplo, quando um rapaz, recentemente, teve sua cabeça queimada por produto tóxico.  

Muitas pessoas invocam as ditas "tradições", descrevem tais práticas como se fossem fenômeno sociológico, inocentes "ritos de passagem". Até mesmo as comparam nas universidades aos costumes indígenas, que impõe tarefas originais aos rapazes e às moças quando atingem a maturidade física e social.  

Nada mais falso!  

Não se pode chamar de selvageria uma tradição cumprida sem maldade, na pureza dos simples, no recesso da mata e com a participação de todos os parentes, líderes e decanos da tribo. Selvageria, barbárie, é o sádico massacre imposto, por bandos de homens e mulheres, a outros mais jovens e inteiramente indefesos.  

Quando essa prática se reveste de particular violência, então, entramos no terreno da covardia pura e simples; se daí decorrem danos físicos ou até mesmo a morte das vítimas, tem-se de invocar o Código Penal, para nele enquadrar os praticantes do delito.  

Não se brinca com a vida. Não se pode agredir ninguém em nome de tradições deletérias; não se pode admitir que um jovem seja morto por outros, dos quais ouviremos, como escusa, apenas a frase irresponsável: "Mas era tudo brincadeira, só um trote".  

Tenho como muitos dos nobres Pares aqui presentes, filhos crescidos e já formados ou cursando universidades. Vi a alegria da aprovação no vestibular ser tisnada pelo receio de enfrentar o trote, embora, graças a Deus, todos tenham passado apenas por constrangimentos menores e poucas brincadeiras de gosto duvidoso. Mas, muitas vezes, essas pretensas "festas" se convertem em desgraças, enlutando lares, demolindo sua esperança de, com o sucesso dos filhos, conquistar novos degraus na escala social.  

Sei que muitos alegarão: "As mortes são fatos isolados; são exceções na prática consagrada do trote, aplicado pelos veteranos, sobre os calouros que ingressam nas universidades". A esses eu respondo com a linguagem do bom senso e do respeito à dignidade do ser humano: ninguém pode ser submetido a situações de constrangimento ou de humilhação gratuitas; o fato de ser mais antigo numa escola não dá a ninguém o direito de pisar, esmagar, ferir, matar os que conquistam uma vaga no mesmo estabelecimento.  

Como disse há pouco, desde o primeiro momento, tenho acompanhado o desenrolar das investigações em torno da morte do jovem calouro sino-brasileiro, filho de imigrantes pobres, que devotaram quase vinte anos à sua formação escolar.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Senador Nabor Júnior, quero somar a minha voz à de V. Exª. Aprovo as colocações feitas aqui, Sr. Presidente, porque, na verdade, é um absurdo acontecerem fatos dessa natureza. Isso não aconteceu somente quando do trote de São Paulo. Outros fatos, historicamente, já têm ocorrido no País, em que muitos jovens são, de certa forma, levados a trotes que descambam para a agressão pessoal e, em alguns casos, até para a morte. Portanto, apóio o pronunciamento do Senador Nabor Júnior. Efetivamente, é preciso uma legislação que cobre das universidades esse posicionamento e que acabe com os abusos ocorridos não só em São Paulo, mas em todo o território brasileiro.  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Muito obrigado a V. Exª pela contribuição que dá ao meu modesto pronunciamento, que tem, como ponto de partida, a tragédia que vitimou o jovem estudante Edison Tsung Chi Hsueh. Pois quando seu corpo apareceu no fundo da piscina da Associação Atlética Acadêmica Osvaldo Cruz, no campus universitário, ficou claro que algo estava muito errado, pois nada havia que justificasse a ocorrência. E, ao longo dos dias, essa convicção veio recebendo, a cada notícia lida, maiores bases factuais, pois se foi cristalizando a comprovação de que a tragédia ocorreu durante um trote praticado contra os aprovados no vestibular.  

A realidade logo se fez nítida e transparente: tudo aconteceu no decorrer de uma "recepção" aos calouros, ao longo de um churrasco promovido pelos veteranos, naquele fatídico 22 de fevereiro de 1999. Um festival de sadismo e de insanidades, que resultou, horas mais tarde, na descoberta do corpo do jovem calouro no fundo da piscina.  

Ao ver o desenho do laudo cadavérico, com graves lesões nas costas das mãos da vítima, acabaram-se as últimas dúvidas, pois nele se evidenciava que ao jovem fora vedado o direito de sair da piscina. Ele, que não sabia nadar, foi, assim, covardemente assassinado pelos colegas.  

Cheguei a cogitar sobre a possibilidade de, como membro do Poder Legislativo, propor projeto de lei proibindo os trotes em todas as universidades brasileiras, mas, maduramente, ponderei que seria uma iniciativa redundante, sujeita até mesmo a ser acusada de demagógica. Afinal, todos os malefícios implícitos nessa prática nefanda já estão capitulados no Código Penal, enquadrados nos crimes contra a pessoa: constrangimento ilegal, agressão, lesões corporais, homicídio. Acredito , também, que os reitores brasileiros, dentro das próprias atribuições institucionais e dos princípios da autonomia universitária, cumprirão seu dever, por serem responsáveis não apenas pelo cumprimento das leis, mas também pela integridade física, moral e emocional dos alunos.  

Foi com satisfação que recebi a notícia de que o reitor da Universidade de São Paulo, Professor Jacques Marcovitch, tomou a iniciativa que todos lhe cobravam: assinou portaria proibindo a prática do trote em todas as faculdades que compõem a veneranda e consagrada instituição, a qual, assim, mais uma vez, torna-se credora do reconhecimento e da admiração que sempre despertou em toda a sociedade brasileira. E a sua determinação não deixa margem a dúvidas: "A universidade deve promover a mudança de cultura e banir o trote violento, abusivo e lesivo à dignidade humana".  

A portaria do magnífico reitor da Universidade de São Paulo tipifica o trote como falta grave , passível de punições que vão de a suspensão até expulsão de quem o praticar - com uma justa ressalva: à "Semana de Recepção aos Calouros", onde as festas serão promovidas pela própria congregação, que sobre elas se responsabilizará.  

E terá, invariavelmente, a preocupação de preservar valores de civilidade e dignidade humana que ali devem ser cultivados, mais do que em qualquer outro lugar, por ser um centro de formação dos futuros líderes da pátria. Isso, aliás, aplica-se não apenas à USP, mas atinge todas as demais instituições universitárias e escolares do Brasil, onde uma pequena parcela da juventude desfruta do privilégio de estudar.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos são vítimas, nesse trágico episódio. Por mais que repudiemos a conduta que tiveram, os veteranos causadores da morte do jovem colega serão punidos pelo resto de suas vidas, estigmatizados como oriundos da turma que provocou aquela tragédia; hoje, em todos os locais onde se apresentam como alunos da Faculdade de Medicina da USP, recebem admoestações e suspeitas; e, o mais grave, quem realmente participou do episódio vai levá-lo na consciência pelo resto da vida!  

A maior perda, evidentemente, está nos membros da família do jovem Edison, que nele vislumbravam um futuro promissor, após sofrerem as agruras da imigração e da adaptação em uma sociedade tão diferente da sua China. Como pais e como maduros cidadãos, não nos é difícil imaginar a dor e o desespero que sobre eles desabou, começando na trágica noite de 22 de fevereiro, quando o filho desapareceu e, depois, na manhã de 23 de fevereiro, quando seu corpo foi tirado do fundo da piscina.  

Neste momento, volto os olhos para o meu Acre, cuja universidade tem nos oferecido tantos profissionais altamente qualificados, cidadãos exemplares, homens e mulheres cujo talento hoje enriquece as atividades públicas e profissionais, bem como a consolidação das empresas estabelecidas no Estado. E, como acreano, representante daquele generoso povo no Congresso Nacional, não posso esconder o orgulho de afirmar que jamais tivemos uma ocorrência violenta na recepção aos calouros, que, no máximo, são submetidos a constrangimentos menores como corte de cabelo e coisas semelhantes.  

Mas, mesmo assim, afirmo que essas práticas merecem ser eliminadas, prevenindo-se a ocorrência de males maiores, que costumam surgir no ardor das agitações juvenis.  

É importante reforçar tal constatação: nunca tivemos, no Acre, tragédias como aquela que vitimou o jovem sino-brasileiro da USP. Mas reafirmo, também, que sempre é melhor prevenir do que remediar ou lamentar os prejuízos causados por uma imprevidência. Por isso, recebi com grande satisfação a notícia, veiculada ontem pela imprensa acreana, de que a própria UFAC vai promover este ano, na primeira semana de maio, o "Trote Cultural e Educativo - 99", com uma vasta programação em que se destacam momentos de alegria e receptividade aos novatos.

 

Nada diferente poderia ser esperado de uma instituição presidida pelo magnífico Reitor Francisco Carlos da Silveira Cavalcanti, o Professor Carlito, tão amado pelos seus jovens, sempre empenhado em debater os temas decisivos com a comunidade, para colher, entre os alunos e os docentes, palavras orientadoras sobre o caminho a seguir nesse e em outros importantes assuntos.  

Conhecendo a serena firmeza que lhe é peculiar, estou seguro de que o dirigente máximo da UFAC certamente saberá escolher o caminho para ampliar a alegria da recepção aos novos alunos, mas será atento, sempre, à necessidade de não permitir que essa festa se converta em momento de dor e de perdas freqüentes e desgraçadamente irreparáveis.  

Com estas palavras de confiança e de otimismo, concluo o presente discurso, na certeza de que por mais trágicos que tenham sido os aspectos em torno da morte do jovem Edison Tsung Chi Hsueh, de São Paulo, seu sacrifício não terá sido em vão, pois a indignação que provocou em toda a sociedade brasileira está levando ao banimento de um dos seus mais tenebrosos costumes: o trote aos calouros das universidades de todo o país.  

Sr. Presidente, faço questão de aproveitar esta oportunidade, na véspera do dia 1º de maio, para manifestar minha solidariedade aos trabalhadores de todo o País, que sempre tiveram esta data como a mais importante do calendário laborial.  

Sabemos que, hoje, os trabalhadores brasileiros – aliás, os trabalhadores de todo o Mundo - estão enfrentando grandes dificuldades, sobretudo pelo alto nível de desemprego que, em alguns países, chega a vitimar 20% da força nacional de trabalho. O Brasil nunca teve índices tão elevados mas, agora, já nos aproximamos deles, situação que alarma não apenas as suas vítimas mas também os homens públicos como nós, responsáveis pela condução dos destinos deste país.  

Quero enviar uma saudação especial aos trabalhadores do Acre, que  

vivem hoje uma encruzilhada particularmente cheia de angústias: a economia extrativista, depois de haver feito as raízes de sua estrutura social, está virtualmente falida, como já afirmei há pouco, no aparte que me concedeu o nobre Senador Tião Viana, mas nada de concreto se promoveu na última década, justamente a que registrou maior e mais danoso prejuízo para quem ainda procura tirar seu sustento dos seringais e castanhais nativos. Aos trabalhadores acreanos minha palavra de incentivo e de solidariedade, na certeza de que as graves dificuldades que hoje atravessam serão, brevemente, substituídas por tempos de prosperidade e paz social.  

Ainda nesse tema, tenho de lembrar a necessidade de que o salário mínimo receba um reajuste compatível com as necessidades mínimas de sobrevivência dos trabalhadores que dele dependem, pois falar em aumento de 5%, 7%, é fazer pouco de seu sofrimento. Entendo, Sr. Presidente, sinto sinceramente o nível de dificuldade que os trabalhadores estão enfrentando nos dias atuais, com essa crise econômica que assola os países em via de desenvolvimento, como o Brasil. Mas temos esperanças de que esse momento de dificuldade será superado com a política que está sendo posta em prática pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, mediante a qual haveremos de conquistar situações melhores do que essas que estamos enfrentando e atravessando nos dias de hoje.  

Finalmente, concedo aparte ao Senador Romero Jucá, para uma breve observação.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Não, Senador, levantei o microfone porque tenho a intenção de pedir a palavra, depois, pela liderança. Aproveito, no entanto, a oportunidade para dizer, novamente, que é importante que todos os Senadores aqui registrem a luta dos trabalhadores dos seus Estados, porque vamos ter que avançar muito no que diz respeito à organização dos trabalhadores e no resgate de um salário mínimo, como disse em meu discurso, em condições de restabelecer a dignidade para o povo brasileiro. Muito obrigado, Senador.  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Agradeço a V. Exª por mais essa participação. No momento em que V. Exª ergueu o microfone, pensei que estava solicitando um novo aparte, o que seria motivo de muita satisfação para mim. Sinto-me muito honrado com as palavras finais que V. Exª inseriu em meu modesto pronunciamento.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/1999 - Página 9818