Discurso no Senado Federal

VEEMENTE DEFESA DO RETORNO DO PROJETO RONDON.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • VEEMENTE DEFESA DO RETORNO DO PROJETO RONDON.
Aparteantes
Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/1999 - Página 9812
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PROJETO RONDON, INTEGRAÇÃO SOCIAL, UNIVERSIDADE, COMUNIDADE, CARENCIA, ASSISTENCIA.
  • DEFESA, RETORNO, PROJETO RONDON, OBJETIVO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, INTERESSE, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, REGIÃO AMAZONICA, INTERESSE, PAIS ESTRANGEIRO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje à tribuna desta Casa para defender, com entusiasmo, a volta do Projeto Rondon, uma das mais eficientes iniciativas de integração nacional já realizadas entre a universidade e as comunidades desassistidas de nosso País.  

Para falar do Projeto Rondon temos, necessariamente, de enaltecer a figura do sertanista Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, desbravador dos sertões, nascido nas terras distantes do Mimoso, no Pantanal Mato-Grossense, em 1865.  

Rondon foi um sertanejo forte, como costumava escrever Euclides da Cunha a respeito dos homens corajosos que desafiavam a nossa imensa hinterlândia. O seu exemplo como brasileiro e o seu trabalho desbravador nos espaços inóspitos do Centro-Oeste, do Norte e do extremo Norte do Brasil motivaram fortemente, no final dos anos 60, a criação de um projeto de integração exemplar, que recebeu merecidamente o seu nome.  

Durante meio século, o destemido Marechal percorreu quase 30 mil quilômetros de terras completamente virgens, suportando os rigores da natureza e enfrentando todos os tipos de perigos para instalar quase 5.500 quilômetros de linhas telegráficas.  

Infelizmente, em 1989, depois de vinte e dois anos de atuação pelo Brasil afora, o Projeto Rondon foi inesperadamente extinto e deixou um vazio enorme. De repente, nas estradas sinuosas, nas cidades, vilas, distritos e povoados disseminados pelo Brasil, quase todos castigados pelo sol inclemente, pela seca e pelo subdesenvolvimento, não se viam mais os jipes e as caminhonetes do Projeto Rondon levantando poeira, enfrentando lamaçais, atravessando riachos e levando milhares de jovens universitários ao encontro dos homens sofridos do interior. O mesmo acontecia nos rios, pois as pequenas barcaças não atracavam mais às suas margens trazendo medicamentos e assistência social aos aldeões ribeirinhos do Nordeste e da Floresta Amazônica.  

Até hoje o Projeto Rondon é lembrado como exemplo de experiência comunitária exemplar e como instrumento importante de auxílio à política de desenvolvimento regional do País. Além de mostrar na prática essa capacidade, o Projeto Rondon conseguiu fazer com que os estudantes universitários deixassem as salas de aula confortáveis das grandes universidades e conhecessem o lado sofrido e abandonado do Brasil. Assim, com o Projeto Rondon, a elite mais fina de nossa sociedade descobriu a realidade miserável do Nordeste, o drama secular da seca e a imensidão da Amazônia, sempre ameaçada pelas queimadas criminosas e pela cobiça internacional. Dessa maneira, a cada contato, a cada trabalho e a cada projeto, a teoria dos livros cedia lugar à prática e permitia que os jovens estudantes pudessem conviver, efetivamente, com os aspectos físicos e humanos mais verdadeiros dessas regiões e vissem, de muito perto, a triste face do nosso insuportável drama social.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Concedo-lhe o aparte, com muito prazer, eminente Senador Romero Jucá.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Senador Carlos Patrocínio, eu não poderia deixar de aparteá-lo. Fui Presidente do Projeto Rondon quando ele era vinculado ao Ministério do Interior. Ali pude testemunhar, ajudar e operar, juntamente com os estudantes, um trabalho extremamente importante desenvolvido pelos universitários brasileiros, principalmente nos Estados mais pobre da Federação, nas regiões amazônica e do Centro-Oeste, nos campus avançados, verdadeiras escolas "de Brasil". Muitos Estados - e quero registrar o papel do Projeto Rondon na formação do Estado de Roraima, que tenho a honra de representar -, assim como a Universidade do Rio Grande do Sul e a Universidade de Santa Maria mantinham um campus avançado no Estado de Roraima. Daí a importância do trabalho do Projeto Rondon e da Universidade de Santa Maria na formação da população do Estado. Hoje lá estão estudantes que, naquela época, participaram do Projeto Rondon, voltaram à universidade, formaram-se e retornaram ao Estado de Roraima. Hoje são médicos, advogados, pessoas importantes do Estado, que dão a sua importante contribuição para o nosso desenvolvimento. Ressalto, aqui, a importância do Projeto Rondon. Sei que o Governo Federal procurou, junto aos Estados, reformular o Projeto Rondon. Está aí o Programa Universidade Solidária, que, na verdade, contém um pouco da filosofia do Projeto Rondon. Mas, sem dúvida nenhuma, seria extremamente importante que as universidades brasileiras, reforçando a proposta da extensão universitária - e o Governo Federal e os governos estaduais -, repensassem e articulassem uma forma de intervenção mais forte na realidade brasileira pelos universitários. Creio que falta aos universitários uma formação de Brasil, uma formação da realidade brasileira. Por outro lado, falta aos Estados e Municípios pobres aquilo que a intervenção desses universitários poderia oferecer, através da sua prática e da sua formação. V. Exª lembra muito bem o Projeto Rondon. Parabenizo-o pelo tema levantado na manhã de hoje.  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Eminente Senador Romero Jucá, agradeço e incorporo o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento, sobretudo por V. Exª ser ex-presidente do Projeto Rondon. V. Exª fala de cátedra sobre esse assunto.  

Vários universitários de São Paulo, de Minas Gerais e do Sul do País que visitaram as nossas regiões inóspitas - mais inóspitas eram ainda àquela época - hoje lá estão, prestando os seus serviços, perfeitamente integrados, levando conhecimento e ajuda, no campo social, para aquela gente.  

Além da mobilização, da conscientização, do exercício pleno da cidadania e da organização das comunidades com o objetivo de lutar democraticamente para superar os seus graves problemas, o Projeto Rondon também contribuiu para que muitos daqueles universitários, poucos anos mais tarde, após o final dos seus cursos, voltassem, por sua própria vontade, e fixassem residência nessas localidades carentes e iniciassem um trabalho profissional duradouro em benefício dos seus habitantes.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por todos os méritos a que acabamos de fazer referência, devo ressaltar que, até hoje, milhões de brasileiros ainda não se conformaram com a extinção desse admirável projeto de integração do Brasil.  

Lamentavelmente, na minha opinião, o Projeto Rondon foi vítima da cegueira do radicalismo que predominava em alguns ambientes políticos naquelas transformações institucionais decisivas que movimentaram toda a década de 80.  

Assim, sem uma análise mais profunda e sem medir quaisquer conseqüências, muitos pregavam o fim de tudo o que representasse o passado, ou seja, de tudo o que lembrasse qualquer ligação com os anos do regime militar. Felizmente, depois de uma década de sua extinção, muitos já se deram conta do equívoco que cometeram e sabem, perfeitamente, que o Projeto Rondon nunca teve nenhum plano de realizar lavagem cerebral em nossa juventude, como se costumava ouvir em determinados discursos. Ao contrário, durante toda a sua existência, teve a preocupação de alertá-la para nossas vergonhosas desigualdades sociais e regionais e para a necessidade de superá-las sem paternalismo, mas com trabalho sério e ações concretas.  

Dez anos já se passaram desde a extinção do Projeto Rondon e até hoje nenhum programa social semelhante conseguiu igualar os resultados por ele apresentados ao longo de seus 22 anos de existência.  

Até que o Universidade Solidária, idealizado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, tem procurado seguir os passos do Projeto Rondon, mas devemos reconhecer que suas ações são modestas. Segundo seus idealizadores, ele se propõe, igualmente, a levar estudantes, durante as férias, para ajudar no combate à miséria, enfim, a buscar o envolvimento da universidade com a realidade socioeconômica do País. Todavia, além das limitações que acabamos de citar, ele sofre também de falta de entusiasmo e não tem o mesmo carisma que tinha o Projeto Rondon.  

O lema do Projeto Rondon, "integrar para não entregar", depois de todo esse tempo de ausência, ainda continua vivo nos corações e mentes de milhões de brasileiros. Foram justamente essa magia e essa fidelidade histórica que faltaram às diversas tentativas e idéias que surgiram nestes últimos anos, todas elas buscando muito mais apagá-las de vez da memória do povo brasileiro. Além disso, o Projeto Rondon já nasceu destemido, encarnando a saga do velho Marechal Rondon, bandeirante dos tempos modernos, profundamente identificado com a vida simples do homem brasileiro e velho conhecido dos índios e dos camponeses pobres de toda a parte norte do Brasil.  

Não posso afirmar com toda certeza, mas acredito que a extinção do Projeto Rondon deixou os nossos estudantes mais afastados da realidade nacional e, conseqüentemente, mais expostos às futilidades do mundo globalizado e à massificação da informação de baixa qualidade.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, precisamos lutar pelo ressurgimento do lema "integrar para não entregar". Como vimos, ele representa força, união, mobilização e soberania nacional, da qual não podemos abrir mão.  

No caso da Amazônia, por exemplo, já lutamos contra as ameaças de muitos projetos duvidosos, idealizados nos países desenvolvidos com o nítido objetivo de promover a sua internacionalização. Assim, desde os planos absurdos de colonização japonesa e judia, passando pela construção de grandes lagos idealizados pelo Hudson Institute , do já falecido futurólogo americano Herman Khan, a Amazônia sempre esteve na mira e na pauta mais importante das preocupações das grandes potências.  

Agora, às portas do século XXI, vivemos o momento da biodiversidade e de seus enormes segredos, ainda pouco explorados e conhecidos da ciência. Nitidamente, a Região Amazônica é o maior laboratório a céu aberto da terra para inúmeras pesquisas científicas, e o mundo inteiro tem plena consciência dessa realidade. Convém aqui relembrar, por exemplo, que a Conferência Rio-92, sobre o meio ambiente, terminou em impasse justamente porque os Estados Unidos recusaram-se a assinar o documento final sobre a propriedade e exploração da biodiversidade.

 

Portanto, não existe motivo maior do que esse para assumirmos urgentemente uma posição de maior presença e de maior vigilância sobre esse imenso território que cobre quase 5 milhões de quilômetros quadrados do nosso imenso País. Não podemos nos esquecer de que a Amazônia Legal brasileira representa 60% do nosso território.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de reafirmar o meu entusiasmo e a minha esperança no ressurgimento do Projeto Rondon, capaz de prestar um serviço fantástico aos interesses do Brasil no Norte, no Nordeste e em outras áreas carentes. Tenho certeza de que essa proposta representa inclusive um grande sonho no seio das Forças Armadas, que poderiam inclusive impulsionar o novo Rondon, motivando os jovens a prestarem o seu serviço militar nessas regiões.  

Por fim, termino este pronunciamento com as palavras do brilhante economista Celso Furtado em seu livro Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina

Concebida como uma estratégia para modificar uma estrutura econômica e social, a política de desenvolvimento somente pode existir em uma sociedade que haja tomado plena consciência de seus problemas, haja formulado um projeto com respeito ao próprio futuro em termos de desenvolvimento e haja criado um sistema de instituições capaz de operar no sentido da realização desse projeto(...).  

Acredito que o Brasil de hoje já está bem próximo de reunir todas essas condições e já dispõe dos meios materiais necessários para dar dignidade a cerca de 40 milhões de deserdados da sorte em um período máximo de quinze anos. O que nos falta, na verdade, é apenas vontade política para realizar esse grande sonho de desenvolvimento sustentável, cidadania e democracia.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

O


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/1999 - Página 9812