Discurso no Senado Federal

DEFESA DE POLITICA DE BIOTECNOLOGIA PARA A REGIÃO AMAZONICA, QUE CONTEMPLE OS EFEITOS DOS AGENTES DE CONTROLE DE DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITARIAS, COM DESTAQUE AO USO INDISCRIMINADO DO DDT NO CONTROLE DA MALARIA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • DEFESA DE POLITICA DE BIOTECNOLOGIA PARA A REGIÃO AMAZONICA, QUE CONTEMPLE OS EFEITOS DOS AGENTES DE CONTROLE DE DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITARIAS, COM DESTAQUE AO USO INDISCRIMINADO DO DDT NO CONTROLE DA MALARIA.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/1999 - Página 9934
Assunto
Outros > SAUDE. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • NECESSIDADE, POLITICA, CONTROLE, DOENÇA TRANSMISSIVEL, REGIÃO AMAZONICA, DENUNCIA, CONTINUAÇÃO, UTILIZAÇÃO, DEFENSIVO AGRICOLA, COMBATE, MALARIA, PREJUIZO, SAUDE, POPULAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, FLORA, FAUNA, MEIO AMBIENTE.
  • NECESSIDADE, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), MINISTERIO DA AGRICULTURA (MAGR), REVISÃO, UTILIZAÇÃO, DEFENSIVO AGRICOLA, REGISTRO, PROIBIÇÃO, SUBSTANCIA, PRIMEIRO MUNDO, COMENTARIO, ALTERNATIVA, CONTROLE, MALARIA, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, MEXICO.
  • DEFESA, PESQUISA CIENTIFICA, DEFINIÇÃO, POLITICA, BIOTECNOLOGIA, CONTROLE, DOENÇA TRANSMISSIVEL, VANTAGENS, INFERIORIDADE, CUSTO.

O SR TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a situação da saúde do nosso País dirige-se exatamente para as doenças infecciosas e parasitárias, quando falamos de Região Amazônica ou de populações pobres.  

Assim, um assunto que eu não gostaria de ver ausente do plenário do Senado Federal é o que diz respeito à expansão, ao descontrole e aos equívocos de políticas específicas atinentes às doenças infecciosas e parasitárias. Estamos vivendo hoje no nosso País uma insensibilidade, um silêncio, uma atitude impensada - diria - ao longo dos anos no tocante ao controle dos vetores na nossa região, elementos fundamentais para que ocorram as doenças, especialmente a malária na Região Amazônica, a presença dos transmissores dessa doença, os anofelinos, por meio do contato com o homem.  

Desde a década de 40, com a descoberta do DDT, um pesticida organoclorado empregado na agricultura brasileira, no combate à malária de forma clássica, há uma situação de impasse e silêncio das autoridades científicas do Brasil, segundo as quais é uma maneira inevitável e necessária de controle e prevenção da malária e na utilização também de alguns insumos no controle da produção agrícola do nosso País. Em relação à malária, há um verdadeiro silêncio diante de um problema exposto no cenário internacional pelos movimentos de preservação e, de modo muito especial, nos Estados Unidos e Canadá, que tomaram uma posição radical em 1972, quando proibiram a utilização do DDT, um organoclorado de deposição, de grande diluição em água e gorduras, e que permanece no solo sem alteração de sua estrutura molecular pelo menos por 20 anos e que determina agravos à saúde, tanto do ponto de vista imunológico quanto do neurológico, acometendo a estrutura celular do sistema nervoso central, os neurônios, e alterando a bomba de sódio e potássio, que V. Exª, Sr. Presidente, como médico, conhece muito bem, gera danos irreversíveis à estrutura nervosa do organismo humano. E o DDT é utilizado rotineiramente e em grande escala em nosso País, especialmente na Região Amazônica.  

Surpreende-me profundamente que as autoridades sanitárias tenham-se silenciado ou dado pouca atenção ao grave problema apontado na comunidade científica internacional pelo seu uso. Os Estados Unidos proibiram a utilização em seu território em 1972. Em seguida, o Canadá adotou a mesma medida. No entanto, antes da proibição nos Estados Unidos, produziu-se naquele país um bilhão de quilos de DDT, até hoje manufaturado e exportado para outros países, entre eles o Brasil, que o utiliza em grande escala.  

Lamentavelmente, é uma rotina conhecida por quem é da Amazônia. A cada 6 meses, ou no máximo uma vez por ano, os agentes da Fundação Nacional de Saúde entram nas casas e borrifam-nas com DDT. Nesse processo, 270 gramas do produto persistem na parede das moradias por pelo menos seis meses. Quando o produto sai dessas paredes, interage com a água e, por ser não-biodegradável, fica pelo menos 20 anos sem qualquer alteração, acometendo gravemente os animais, vegetais e todo o manancial de água da Região Amazônica.  

Pesquisas recentes realizadas pelos Estados Unidos concluíram que em toda a vegetação do Ártico há presença do DDT, como também nos leões marinhos e em várias outras espécies, demonstrando que esse inseticida, diluído em água e levado por suas correntes, atinge todo o planeta.  

A situação de impasse que se apresenta é a seguinte: é correto o nosso País continuar utilizando o DDT sem uma investigação científica criteriosa e sem determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária? É correto não haver uma reflexão profunda do Ministério da Ciência e Tecnologia sobre o assunto? Se assim o fizesse, poderia determinar um estudo que previsse os agravos à saúde humana provocados pelo DDT, sabendo-se de sua ação nos sistemas reprodutor, hormonal, imunológico e neurológico. Ademais, é um produto químico comprovadamente carcinogênico, por onde foi estudado.  

Esse assunto é preocupante e envolve a responsabilidade dos Ministérios com a saúde humana. Lamento que esse aspecto passa por uma acomodação quanto ao que se tem para gastar, em que se deve gastar e onde se pode gastar. Deveríamos, sim, atentar para os altos benefícios aos indivíduos, o baixo custo dos recursos e a fácil governabilidade desses investimentos.  

Infelizmente, há um silêncio científico em relação ao uso dos pesticidas em nosso País, especialmente na Região Amazônica. Creio que o Primeiro Mundo já tomou posições de freio, de controle e de normas. Todavia, continua exportando para nossos depósitos esse material de alto risco para nossa população.  

Gostaria sinceramente que o Ministério da Saúde tomasse uma posição clara e oficial, explicando a razão do uso desenfreado e descontrolado do DDT. Poder-se-ia dizer que não há alternativa, como à primeira vista dizem as autoridades sanitárias, cuja opinião é de que só se controla a malária pela borrifação com DDT. No entanto, países que fogem da pressão das multinacionais químicas, e que já trabalham com biotecnologia como um instrumento determinante da soberania do próximo milênio, como Cuba, possuem grande e eficiente controle da malária, utilizando-se de um mecanismo fantástico chamado controle biológico de vetores. Utilizando-se um agente chamado nematódeo, há uma intervenção direta na larva do anofelino, mosquito transmissor da malária, e este não consegue se reproduzir, o que significa um freio marcante do ponto de vista epidemiológico.  

O México tem uma experiência semelhante, aprovada e com grandes avanços. No Brasil, basicamente a Embrapa e alguns órgãos de pesquisa agropecuária e de investigação na área de produção agrícola têm dado atenção ao controle biológico de vetores. De modo isolado, em 1983, no Rio Grande do Sul, a Secretaria de Meio Ambiente, apontando a necessidade de um investimento nesse tipo de controle epidemiológico, pesquisou o popularmente chamado borrachudo - vetor que atrapalhava tanto o turismo quanto a produção agrícola e a habitação das pessoas daquela região - e fez um investimento para controlar vazão e distribuição dos mananciais de águas, ajustados ao clima. Essa medida do controle biológico de vetores é uma realidade de baixo custo e de fácil governabilidade, já adotada por 110 municípios daquele Estado e que trouxe um impacto social marcante para aquela população.  

Então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil precisa usar a razão quando se fala de doença, de saúde humana e de adaptação ao final de milênio e início de um novo século, em que a inteligência é o elemento fundamental a ser utilizado, em que a capacidade de pensar na pessoa humana, no desenvolvimento humano associado ao desenvolvimento sociocultural são fundamentais. O controle biológico de vetores deveria ser a ordem do dia do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, mas parece que esse é um assunto esquecido e que pouco sensibiliza as autoridades científicas deste País. Lamento muito, pois os estudos demonstram conseqüências danosas aos seres humanos, particularmente em seus sistemas reprodutor, imunológico, neurológico e endocrinológico.  

Nos anos 80, uma universidade americana verificou que havia uma extinção progressiva das águias Bald, objeto de grande admiração internacional. De repente, um estudo avançado detectou que os ovos das águias rompiam-se precocemente, antes de serem chocados, pois estavam sendo contaminados por pesticidas organoclorados, marcadamente o DDT. Tratou-se aquele problema e hoje a águia é uma espécie preservada.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se observássemos a diversidade animal e vegetal da Amazônia e fizéssemos um judicioso estudo científico, poderíamos constatar o grau de intoxicação que as populações amazônicas sofrem pelo DDT, que passa pelo menos vinte anos sem sofrer qualquer degradação de sua estrutura molecular, rígida e não-biodegradável. Precisamos pensar no desenvolvimento humano e no desenvolvimento inteligente da nossa biodiversidade.  

A ausência de uma política de biotecnologia, a ausência de um estudo científico sobre os agravos provocados pelos agentes de controle de doença utilizados em nossa região podem ter um preço muito alto para o futuro da população amazônica, a mais atingida pela presença do DDT.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Concedo um aparte ao eminente Senador Mozarildo Cavalcanti.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) - Senador Tião Viana, V. Exª aborda mais uma vez um tema muito importante para a saúde pública deste País. Eu gostaria de ressaltar o enfoque dado à questão do DDT. Na verdade, é impressionante como o Ministério da Saúde, ao longo do tempo, vem sendo subserviente no que tange a importar coisas que o Primeiro Mundo não usa mais e que nos obriga a usar, como é o caso do DDT, principalmente na Amazônia. O nosso Estado de Roraima, rompendo certas barreiras, teve a coragem de importar de Cuba um biolaricida e fazer um trabalho de pulverização - a Fundação Nacional de Saúde mostrou-se ineficiente até nisso -, e melhoramos sensivelmente os índices de incidência da malária no nosso Estado. É muito importante o pronunciamento de V. Exª, como uma denúncia, porque é inadmissível que hoje ainda estejamos utilizando o DDT, quando outros mecanismos mais modernos e menos ofensivos estão à disposição. Alio-me ao protesto de V. Exª e peço que a Frente Parlamentar da Saúde, que tem se mostrado atuante no Congresso Nacional, encontre mecanismos que façam o Ministério da Saúde perder essa visão econométrica sobre o problema sanitário, e que pense no que é mais importante do ponto de vista social e de saúde para o nosso povo. Muito obrigado pela oportunidade do aparte.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço ao eminente Senador Mozarildo Cavalcanti.  

Sr. Presidente, eu gostaria de lembrar que a decisão da utilização do DDT na borrifação e de controle da malária geralmente acontece em ambientes com ar condicionado, dentro de organismos internacionais, bem distante do campo em que vive a comunidade. Essa é uma realidade que ninguém discute.

 

Lamentavelmente, o Brasil está utilizando, como principal mecanismo de controle da malária, um agente químico, um organoclorado altamente nocivo à saúde humana, descoberto em 1873 e utilizado no tratamento de traças, piolhos e pulgas em 1939 e que em 1948 gerou um Prêmio Nobel de Medicina ao suiço Paul Mueller. Até hoje, apesar de os Estados Unidos terem proibido a utilização do DDT em 1972, o Brasil continua seguindo a cartilha do consumo inadequado de um produto, que, cientificamente está comprovado, traz danos à saúde humana.  

Lamento profundamente que o nosso País não possa investir em instrumentos científicos mais eficientes, como Roraima está fazendo, em parceria com o Instituto Pedro Kouri, de Cuba, um investimento em nematóides, para que haja um controle da proliferação de algumas doenças parasitárias, destacando-se a malária.  

Infelizmente, estamos vivendo, mais uma vez, uma ameaça iminente de epidemia de dengue hemorrágica, que já atingiu e levou algumas vidas. Na Amazônia, temos o problema das filarioses e da oncocercose, doença que atinge de modo marcante a população ianomâmi. Apesar disso, não há uma política de investimento científico que aponte a saída do controle biológico de vetores como uma saída inteligente, de baixo custo, de fácil governabilidade e de altíssimo benefício social.  

Lamento que o Governo Federal não olhe para a ciência como um investimento. No Brasil, ciência é um prejuízo, é algo que incomoda e prejudica.  

Os Ministérios da Ciência e Tecnologia, da Agricultura e do Abastecimento e da Saúde deveriam entender que ciência é investimento e pode trazer benefícios ao desenvolvimento humano e socioeconômico das populações que a utilizam. Um exemplo disso é Cuba. Uma das maiores fontes de receita daquele país é vender ciência, é vender conhecimento.  

Soberano que é da nossa Amazônia, o Brasil não pode abrir mão de investir em dois elementos fundamentais: na biotecnologia e em ações alternativas que não estão sendo feitas pelas multinacionais das químicas e de biotecnologia, que, naquela região, utilizam agentes sintéticos artificiais com grandes riscos para a saúde das populações.  

A utilização do DDT deve ser revista pelo Ministério da Saúde e outros órgãos envolvidos, a fim de que não possamos entrar no novo milênio com uma prática de controle de doenças ainda do século XIX.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/1999 - Página 9934